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14/04/2013 - 02h00

O triste fim da primeira árvore

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CHICO FELITTI
DE SÃO PAULO

"Dos filhos deste solo. És mãe gentil, pátria amada, Brasil", diz o hino de um país que eu vi nascer. Sou filha deste solo. Nasci sem ser planejada num terreno baldio que beirava a serra do Mar. Mas, hoje num terreno baldio e perigando tombar, ainda não tenho certeza de que minha pátria seja uma mãe gentil.

A começar que vi muita tristeza na minha vida -que tem mais de 200 anos mas ninguém sabe com precisão quando começou. Nasci no ponto exato onde terminava a cidade de S.Paulo e começava a estrada que levava para o interior ou para Santos.

Era sob a minha sombra que soldados se despediam das esposas, mães dos filhos que iam se formar bachareis. Eram abraços, beijos e chororôs mil. Por isso me apelidaram Figueira das Lágrimas.

O viajante Emilio Zaluhar, no seu livro "Peregrinação pela Província de São Paulo", de 1862, já me pinta com palavras: "Pouco mais adiante do Ipiranga encontra-se uma belíssima figueira brava, cujos galhos bracejando em sanefas de verdura, formam um bonito dossel em toda a largura da estrada. É este o sítio das despedidas saudosas".

Mas era também o ponto dos retornos triunfais. Eu vi D. Pedro I voltando de Santos em 7 de setembro de 1822.

Só que os quase 200 anos entre a independência do país mudaram São Paulo muito. Estou bem longe de onde é o fim da cidade hoje. Fico num terreno baldio, na frente de uma oficina de motos e a poucos passos (de criança) de uma escola pública.

Ainda que cercada de casas, não recebo mais visitas. Ou quase: a motorista Yara Rodrigues Caldas, 57, passa quase todos os dias para me ver. Ela mora na mesma estrada das Lágrimas e vem me regar. "Até converso um pouco", confessa.

Outros vêm me ver. Pelas razões erradas: a placa de bronze que me identificava como parte da história nacional (e que eu considerava uma medalha de honra ao mérito) me foi roubada.

ÁRVORES DE SÃO PAULO
Veja o perfil de algumas das mais antigas

Ganhei, em compensação, uma vizinha no terreno baldio. É um pé de Ficus Benjamina,espécie de parente distante meu, que veio lá da Malásia.Só que, por estarmos perto demais, competimos por luz, água e nutrientes. Ela é jovem, deve ter uns 40 anos. E eu, no alto de dois séculos, tenho de competir para viver.

A prefeitura diz que vou bem. A quem pergunta, afirma que eu recebo "adubações orgânicas e mineral e irrigação complementar de acordo com o regime de chuvas". Para eles, tenho "bom aspecto e vigor vegetativo". Convido quem estiver lendo para ver esse viço todo, quase sem folhas e me apoiando sobre um muro que rui.

Não chorem. Ou, melhor, chorem sim, como vêm fazendo por alguns séculos, mas desta vez pela árvore em si, e não por algo embaixo dela.

Figueira-brava (Ficus organensis) - estrada das Lágrimas, altura do número 515, Sacomã, zona sul de São Paulo

 

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