São Paulo, Domingo, 26 de agosto de 2012

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DESENHO

AMOR LOUCO

por SARA STOPAZZOLI, do Rio

Aos 24 anos, a psicanalista Rosângela Maria era estagiária em um hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro, onde morava Arthur Bispo do Rosário. Os dois viveram uma relação platônica que marcou a vida e a obra do artista, destaque da 30ª Bienal de Arte de São Paulo

"Você foi muito importante para mim e um dia eu serei muito importante para você. As pessoas irão procurar você para falar sobre mim." A psicanalista Rosângela Maria Grilo Magalhães fica arrepiada ao lembrar as últimas palavras que ouviu de Arthur Bispo do Rosário há 29 anos.

Confirmado o presságio, ela recebe a reportagem de Serafina em seu consultório, na Tijuca, no Rio de Janeiro, para falar sobre o relacionamento entre a estagiária de psicologia de 24 anos e o esquizofrênico de 72, que se tornaria um dos artistas contemporâneos mais importantes do país.

Rosângela prefere que o divã amarelo seja ocupado pela repórter e senta-se em uma cadeira. Mostra o esboço do livro "Bispo e Eu - Uma Relação Delicada", escrito por ela há sete anos e ainda inédito. Uma editora pediu que fosse reescrito de forma mais romanceada, mas Rosângela nunca acatou. E conta que ficou muito emocionada ao relê-lo ao longo do dia.

Pediu para finalizar a entrevista com a leitura de alguns trechos. Um de seus preferidos fala de escolha mútua e recebe uma citação de "O Pequeno Príncipe": "Se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo e serei para ti único no mundo".

A história de amor -ou afeto, como ela prefere- começou em 1981 e durou três anos, quando a Colônia Juliano Moreira, um hospital psiquiátrico na zona oeste do Rio, trocava o eletrochoque pela conversa. No grupo de estagiários estava Rosângela, uma jovem vistosa e extrovertida. Fascinada por desafios, quis trabalhar no núcleo dos 500 homens portadores das psicoses mais graves.

Entre eles, Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), um líder respeitado, apesar de falar pouco e não se misturar com os outros internos. Rosângela ofereceu a ele um atendimento individual, mas se recusava a dizer a senha de entrada para o labirinto de celas onde Bispo vivia com suas obras.

"Ele perguntava: 'Qual a cor de minha aura?' Qualquer cor serviria. E eu dizia que só o que via era ele, com o uniforme azul da colônia. Eu queria promover uma relação diferente. Se respondesse o que ele desejava, eu seria só mais uma", conta ela, que insistiu por quatro meses até ouvir um "Tudo bem. Hoje você não vê, mas um dia você verá".


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