São Paulo, Domingo, 26 de agosto de 2012

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CAPA

MISSÃO: MARTE
veículo: curiosity
ano: 2012

por IVAN FINOTTI

maior inspiração dos clássicos de ficção científica, nosso vizinho, o planeta vermelho, agora pode ser visto em fotos de alta definição que lembram mais um grande deserto do que uma grande ameaça

2012: O jipe-robô Curiosity pousa em Marte.

1877: Um minuto antes, Marte era só um planeta vermelho. Em seguida, o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli (1835-1910) avistou recortes na superfície marciana que se assemelhavam a cursos de água. A histeria dos canais. Sabia-se que Marte possuía calotas polares com gelo. De repente, em 1895, o cientista inglês Percival Lowell (1855-1916) deu um salto mental: são canais de irrigação construídos por marcianos para trazer a água dos polos para os desertos vermelhos. A histeria dos canais (“canal craze”, em inglês).

E os extraterrestres eram, além de tudo, avançadíssimos. Afinal, os humanos haviam demorado dez anos para concluir, em 1865, o canal de Suez, no Egito, ligando os mares Mediterrâneo e Vermelho. E as trincheiras marcianas pipocavam a cada nova observação. Canais estavam sendo mapeados e nomeados às dezenas; logo seriam 200.

DELÍRIO

Terreno fértil para a ficção. Já em 1880, um astronauta visitava anõezinhos em Marte no livro “Across the Zodiac” (Através do Zodíaco), do inglês Percy Greg (1836-1889).

Em 1898, o inglês H.G. Wells (1866-1946) publicou “A Guerra dos Mundos”, com uma invasão marciana à Inglaterra. Os extraterrestres de Wells eram parecidos com polvos, e seus tentáculos não demonstravam qualquer respeito à vida vitoriana.

A primeira metade do século 20 foi pródiga em marcianos, inclusive no cinema. Para testar seu cinetógrafo (câmera de cinema rudimentar), o cientista norte-americano Thomas Edison (1847-1931, o inventor da lâmpada) produziu um filme de ficção científica cheio de efeitos especiais, em 1910. Nele, um cientista descobre como anular a gravidade e voa até Marte, onde se depara com criaturas gigantes que parecem árvores. O curta, mudo, está no YouTube (www.goo.gl/e85Nb).

Já a nascente União Soviética (1922-1991) fez política no longa “Aelita: Rainha de Marte” (1924), baseado em livro de Alexei Tolstói (1883-1945). Nele, um cosmonauta viaja de foguete e lidera as massas marcianas na derrubada do governo das elites. É ajudado pela rainha Aelita, que se apaixona pelo comunista ao vê-lo através de um telescópio.

HOMENZINHOS VERDES

A possibilidade de existência dos ETs ganhou ares de delírio em 1938, quando um rapaz de 23 anos chamado Orson Welles (1915-1985) aterrorizou os Estados Unidos ao ler no rádio uma adaptação da história de H.G. Wells. Descrevendo uma invasão em Nova York como se fizesse transmissões jornalísticas, o futuro cineasta Welles dizia que as forças terrestres estavam aniquiladas e que os nova-iorquinos estavam em rota de fuga pelas estradas. Como consequência, moradores da vizinha Nova Jersey fizeram o mesmo –mas de verdade.

O imaginário norte-americano passou por diversas outras provações, além da arquitetada por Orson Welles. Nos anos 1950, notícias de discos voadores sobrevoando fazendas e abduzindo moradores começaram a aparecer em jornais locais.

É dessa época a popularização do termo “little green men”, homenzinhos verdes, para designar os marcianos. A expressão, que já era usada ironicamente no século 19 para descrever alucinações, foi incorporada pelos autores de ficção científica. Tornou-se o estereótipo de pequenos alienígenas, muitas vezes com antenas na cabeça.

Os sonhos de civilizações em Marte foram desmoronando aos poucos, com o avanço da tecnologia de observação. Os canais, afinal, não passavam de uma ilusão de ótica, resultado de telescópios pouco acurados e da tendência inconsciente de conectar pontos indistintos, como crateras e cadeias de montanhas, para criar algo compreensível, como uma linha.

CRÔNICAS

Grandes autores como os norte-americanos Edgar Rice Burroughs (1875-1950), Isaac Asimov (1920-1992) e Philip K. Dick (1928-1982) escreveram aventuras passadas no planeta, muitas delas no futuro, quando os humanos assumem o papel de colonizadores. Uma dessas histórias, “O Vingador do Futuro”, baseado em obra de K. Dick, estreou em agosto no Brasil.

Mas, com o fim da ideia de civilizações nativas, a expressão “marciano” foi sendo abandonada. Coube ao cinema apontar novos caminhos. “Alien, o Oitavo Passageiro” (1979), de Ridley Scott, popularizou bastante o termo “alienígena”, enquanto Steven Spielberg escreveu a palavra “extraterrestre” na cultura mundial com seu filme “E.T.”, de 1982.

Na primeira de suas 26 “Crônicas Marcianas” (1950), o escritor americano Ray Bradbury (1920-2012) narra os efeitos da saída da primeira nave terráquea para a conquista da civilização de forma delicadíssima: “Um minuto antes, era inverno em Ohio (...). Em seguida, uma onda de calor cruzou a cidadezinha. O verão do foguete. O ar quente redesenhou os cristais de gelo nas janelas. De repente, os esquis e trenós tornaram-se inúteis. A neve que caía do céu gelado sobre a cidade transformou-se em chuva quente antes de tocar o solo. O verão do foguete (...)”.

A respeito das crônicas de Bradbury, o grande escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) anotou: “Como podem tocar-me essas fantasias, e de modo tão íntimo? Toda literatura (atrevo-me a responder) é simbólica; há poucas experiências fundamentais, e é indiferente que um escritor, para transmiti-las, recorra ao ‘fantástico’ ou ao ‘real’, à invasão da Bélgica em agosto de 1914 ou a uma invasão a Marte. (...) Bradbury colocou seus longos domingos vazios, seu tédio americano, sua solidão”. Como discordar do mestre argentino?

Vidas paralelas

Marte e Terra comparados

  Terra Marte
planetas cor predominante azul, por conta dos oceanos cor predominante vermelho-terroso, pela grande presença de óxido de ferro, ou seja, ferrugem, recobrindo o planeta
raio 6.378 km 3.396 km
gravidade Em Marte, uma pessoa de 100 kg se comportaria como se tivesse 38 kg. Ao saltar, alcançaria altura três vezes maior do que a que atinge na Terra_
satélites naturais Lua (raio de 1.738 km) Fobos (raio de 11 km) e Deimos (raio de 6 km)
Temperatura média 14°C -63°C

Jipinhos

Sojourner

Tamanho: 65 cm de comprimento
Peso: 10,5 kg
Chegada: 4 de julho de 1997

Spirit e Opportunity

Tamanho: 1,6 m de comprimento
Peso: 185 kg
Chegada: 4 de janeiro e 25 de janeiro de 2004

Curiosity

Tamanho: 2,9 m de comprimento
Peso: 900 kg
Chegada: 6 de agosto de 2012

O que queremos de Marte

por REINALDO JOSÉ LOPES, editor de Ciência + Saúde da Folha

Entenda para que serve mandar um jipe-robô para o planeta

Quem diria? A velha e dilapidada Nasa, que nem possui mais meios próprios de mandar pessoas para o espaço, acaba de mostrar que ainda tem espírito épico.

A prova é o pouso perfeito do jipe-robô Curiosity numa cratera de Marte no começo deste mês. Muito podia dar errado: grandalhão –do tamanho de um bugue de praia–, ele não tinha como descer pelo método usual da Nasa, que envolve recobrir as pobres sondas com airbags e deixá-las quicar pelos pedregulhos extraterrestres.

Em vez disso, numa operação complicadíssima, o Curiosity foi depositado no solo de Marte com uma espécie de guindaste voador, sem nenhum arranhão no processo.

A saga de verdade começa agora, contudo. O Curiosity é, disparado, o artefato mais complexo que terráqueos já conseguiram botar no chão de outro planeta. Com 17 câmeras, é a primeira sonda interplanetária capaz de fazer imagens em HD. Pode percorrer até dois quilômetros por dia.

Trata-se de um laboratório sobre rodas, equipado, entre outras coisas, com canhão laser para pulverizar pedaços de rocha e sistemas que medem parâmetros do clima marciano, como velocidade do vento, temperatura e umidade... A lista é grande. Tudo para tentar determinar se, afinal de contas, Marte já foi hospitaleiro para formas de vida –ou quem sabe até ainda o seja.

TEM MAIS ALGUÉM POR AÍ?

Esta, claro, é a pergunta de US$ 2,5 bilhões (R$ 5 bilhões, valor do investimento na missão MSL, ou Laboratório de Ciência de Marte, como a jornada do Curiosity foi batizada).

Outros jipes-robôs mais modestos, como o Sojourner e os gêmeos Spirit e Opportunity (veja quadro acima), deram passos gigantes no sentido de demonstrar que Marte já foi mais “molhado”, com água corrente pela superfície bilhões de anos atrás.

Hoje também se sabe que o subsolo marciano, em especial nas calotas polares, abriga enorme quantidade de água congelada. E há pistas de que água salgada pode escorrer pela superfície do planeta durante o verão marciano, quando, em certos lugares, a temperatura fica entre -25o C e 25o C.

Mesmo na melhor das hipóteses, são condições não muito amigáveis para a vida como a conhecemos. Mas os cientistas têm motivos para não serem tão pessimistas, ambos baseados no que se conhece a respeito dos seres vivos na própria Terra.

O primeiro é que a vida parece ser um fenômeno tão teimoso, ao menos na sua forma microscópica, que aguenta todo tipo de ambiente inóspito, das pressões esmagadoras do leito marinho ao calor e às substâncias tóxicas dos gêiseres.

Além disso, se o nosso planeta for um exemplo representativo da evolução da vida Cosmos afora, isso significa que a vida aparece relativamente rápido quando um planeta se forma –mais ou menos meio bilhão de anos depois que a Terra surgiu (hoje ela tem 4,5 bilhões de anos).

Ou seja, teria havido tempo, na fase “molhada” do passado de Marte, para que ao menos alguns micróbios aparecessem antes de serem destruídos pela deterioração do ambiente marciano. Será que algum deles não deu um jeito de se esconder no subsolo e ainda está lá, segurando as pontas?

E, se a coisa aconteceu duas vezes neste quintal cósmico, quantas vezes não terá ocorrido Via Láctea afora?

Invasão na cultura pop

planeta se tornou referência na produção cultural

INSPIRAÇÃO

Na última década do século 19, o cientista inglês Percival Lowell mapeou centenas de linhas em Marte e lançou a teoria de que se tratavam de canais de irrigação construídos por seres inteligentes, com o intuito de trazer água dos polos para o interior do planeta

literatura

Em 1898, o inglês H.G. Wells lançou “A Guerra dos Mundos” (ao lado, a edição original; embaixo, uma versão em quadrinhos). Seguiram-se livros de autores como Asimov e Bradbury

música

David Bowie chegou ao terceiro lugar da parada inglesa com o compacto “Life on Mars”, em 1973. Elton John também cita o planeta em seu hit “Rocket Man”, segundo lugar no ano anterior

cinema

Desde o longa político russo “Aelita: Rainha de Marte” (1924, acima,

à esq.) até o recente

“O Vingador do Futuro” (2012, ao lado), os marcianos bateram ponto no cinema terráqueo. A partir dos anos 1950, o setor trash se esbaldou, atingindo o pico com “Papai Noel Conquista os Marcianos” (1964, à esq.). Em 1996, Tim Burton brincou com o fenômeno em “Marte Ataca!”, com Jack Nicholson e Glenn Close

tv

Entre os anos 1940 e 1960, desenhos animados entraram na onda. A turma do Pernalonga ganhou a companhia de um temível alienígena, vestido como um centurião (abaixo, à esquerda) em referência ao deus romano da guerra que deu nome ao planeta. Pica-Pau também se envolveu com os ETs


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