São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2008

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Dissidência mingua na China após Tiananmen

Passados 19 anos de repressão a protestos por democracia, mobilização é localizada

Em ano olímpico, governo aumenta restrição a direitos civis; advogados perdem registro após se oferecerem para defender tibetanos

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

A polícia chinesa reprimiu ontem um protesto de cem pais de crianças que morreram após o desabamento de escolas pelo terremoto na Província de Sichuan, em 12 de maio. Mais de 13 mil estudantes morreram quando suas salas de aula desmoronaram, e os pais questionam a má qualidade da construção das escolas.
Se persistirem, os protestos de pais em luto em Dujiangyan serão os únicos a acontecer na China em plena semana que marca o 19º aniversário do massacre da praça da Paz Celestial, ou Tiananmen.
Na madrugada de 4 de junho de 1989, cerca de 300 mil soldados chineses tomaram as principais avenidas da cidade e atiraram contra manifestantes acampados na maior praça chinesa, exigindo a democratização do país. No auge, um milhão de pessoas participou do protesto.
Infinitamente menor hoje, a dissidência chinesa continua sob dura repressão da ditadura. Ontem, dois dos advogados pró-direitos humanos mais reconhecidos do país tiveram sua licença profissional cassada.
Teng Biao e Jiang Tianyong fazem parte do grupo de 18 advogados que se ofereceram para defender os mais de mil tibetanos presos em março após confrontos com a polícia chinesa. O governo disse que os integrantes do grupo não conseguirão renovar sua licença profissional por "insistir em tocar em temas sensíveis do país", segundo Jiang.
"Nos aconselharam a não darmos entrevistas a jornalistas estrangeiros também."

Repressão pré-olímpica
Organismos de direitos humanos calculam em 3.000 os mortos em 1989 Tiananmen. Milhares foram presos e outros milhares tiveram que deixar o país. Segundo a organização Human Rights Watch, há 130 manifestantes ainda presos.
Dezenove anos depois, as mudanças no país foram bruscas. Em 1989, a China sofria com inflação acelerada. Hoje, apesar da inflação voltar a crescer, a economia do país é dez vezes maior que naquele ano.
Em tempos de bonança econômica, o assunto "democratização" desapareceu dos poucos debates críticos tolerados na China. Os novos dissidentes atuam em campos mais específicos, como a defesa do ambiente, a atenção a soropositivos e a defesa de integrantes de minorias religiosas, dos praticantes da Falun Gong a budistas tibetanos.
Às vésperas da realização da Olimpíada de Pequim, o governo voltou a apertar o controle sobre qualquer movimento dissidente. Só no último ano, 750 oposicionistas foram presos, segundo a ONG Dui Hua, sediada em San Francisco (EUA).
"Os chineses estão voltando a protestar por seus direitos e todos os movimentos democratizantes começaram por lutas de direitos mais específicos", diz o ativista Erping Zhang, 47, porta-voz do movimento espiritual Falun Gong, banido da China.
Ele mora em Nova York e, como milhares de outros ativistas, Zhang é proibido de retornar ao país desde 1998.

Repressão no interior
Em duas regiões chinesas, Tibete e Xinjiang, o clima ainda é bem parecido com o de 1989: militares e tanques nas ruas, toques de recolher e protestos que desafiam a repressão.
Em Xinjiang, onde os muçulmanos da etnia uigur protestam contra a falta de liberdade religiosa, e uma manifestação em março terminou com 600 mulheres presas, o clima de tensão pré-olímpica só cresce.
Há blitze de militares nas principais estradas, escolas religiosas têm sido fechadas, e há toque de recolher em cidades do sul da Província.
O jornalista Nicholas Kristof, colunista do jornal americano "The New York Times", viajou como turista à Província, mas só conseguiu ficar um dia. Seu motorista e intérprete foi detido e interrogado, e Kristof foi seguido o tempo todo por policiais do Departamento de Segurança.
No Tibete, Província que clama pela autonomia ou independência desde que a China reocupou em 1950, após breve período de independência, mais de mil manifestantes foram presos após os violentos protestos de março. Turistas e jornalistas estrangeiros são impedidos de visitar a Província desde então.


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