São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2008

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Em "Maré", Murat une dança e crítica social

Longa transpõe para morro dividido pelo tráfico tragédia de "Romeu e Julieta"

Diretora Lúcia Murat diz que o musical tem visão incomum da favela; bailarina que estrela longa é de Rondônia e começou a dançar aos 19

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 3 anos de idade, Cristina Lago se mudou de Foz do Iguaçu, no Paraná, para Ouro Preto do Oeste, em Rondônia, porque seu pai tinha "o sonho de crescer junto com uma cidade".
Ocorre que Ouro Preto do Oeste (40 mil habitantes) não cresceu tanto assim e, por pouco, não impede o sonho da vida de Cristina de tornar-se bailarina. "Sempre fui louca pela dança, mas, lá, só pude estudar durante uns seis meses, porque rapidamente o único professor se mudou da cidade", conta.
É a vitória sobre a improbabilidade de se tornar quem se tornou o que mais impressiona na história de Cristina, hoje com 26 anos, bailarina e atriz de "Maré - Nossa História de Amor", longa de Lúcia Murat, que estréia hoje nos cinemas.

"Romeu e Julieta"
No filme, Cristina interpreta Analídia, a heroína que Murat recriou do "Romeu e Julieta", de Shakespeare, cujo amor trágico -por Jonatha (Vinicius D'Black)- se desenrola no contexto de um morro que convive com a guerra entre duas facções do tráfico e onde os jovens encontram na dança (hip hop) sua expressão artística.
Fazer um musical era sonho antigo de Murat, que passou a adolescência dedicando-se ao balé clássico, mas nunca retirou os pés do samba. "Eu via as cabrochas dançando e reconhecia nelas o virtuose", diz.
A vida adulta levou Murat para a militância política de esquerda e para a carreira de cineasta, mas não afastou sua paixão pela dança. "Um dia, na prisão [foi presa política na ditadura] eu quis ver "Meias de Seda". Foi uma confusão na cadeia, porque esse é um dos filmes mais anticomunistas. Mas Cyd Charisse e Fred Astaire podem fazer qualquer coisa, que eu quero ver", lembra Murat.
Quando decidiu fazer seu próprio musical, a diretora foi fiel à sua paixão pela dança, à admiração pelo virtuosismo das cabrochas que dançam sem formação clássica, mas também ao seu engajamento político. "Não está em mim fazer uma comédia romântica", diz.
"Maré" é "cinema branco", diz a cineasta, sem negar que o filme, por óbvio, traduz a visão que ela, cidadã de classe média, possui sobre a favela. Mas, entre todos os longas brasileiros em torno da periferia, Murat julga que "Maré" tem uma singularidade. "Acho que ele traz uma favela diferente; que as pessoas vão sair dizendo: "Como eles [jovens da favela] são bonitos! Como têm energia!".
"Branca-zona-sul", como se define Cristina, que foi viver no Rio aos 19, para finalmente estudar dança, ela não era candidata ao papel principal. Até o dia em que foi aos ensaios com o cabelo rastafári. Murat viu no gesto o quê a mais das cabrochas, e achou sua Analídia.


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