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Em "Maré", Murat une dança e crítica social
Longa transpõe para morro dividido pelo tráfico tragédia de "Romeu e Julieta"
Diretora Lúcia Murat diz que o musical tem visão incomum
da favela; bailarina que estrela longa é de Rondônia e
começou a dançar aos 19
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Aos 3 anos de idade, Cristina
Lago se mudou de Foz do Iguaçu, no Paraná, para Ouro Preto
do Oeste, em Rondônia, porque
seu pai tinha "o sonho de crescer junto com uma cidade".
Ocorre que Ouro Preto do
Oeste (40 mil habitantes) não
cresceu tanto assim e, por pouco, não impede o sonho da vida
de Cristina de tornar-se bailarina. "Sempre fui louca pela dança, mas, lá, só pude estudar durante uns seis meses, porque
rapidamente o único professor
se mudou da cidade", conta.
É a vitória sobre a improbabilidade de se tornar quem se
tornou o que mais impressiona
na história de Cristina, hoje
com 26 anos, bailarina e atriz
de "Maré - Nossa História de
Amor", longa de Lúcia Murat,
que estréia hoje nos cinemas.
"Romeu e Julieta"
No filme, Cristina interpreta
Analídia, a heroína que Murat
recriou do "Romeu e Julieta",
de Shakespeare, cujo amor trágico -por Jonatha (Vinicius
D'Black)- se desenrola no contexto de um morro que convive
com a guerra entre duas facções do tráfico e onde os jovens
encontram na dança (hip hop)
sua expressão artística.
Fazer um musical era sonho
antigo de Murat, que passou a
adolescência dedicando-se ao
balé clássico, mas nunca retirou os pés do samba. "Eu via as
cabrochas dançando e reconhecia nelas o virtuose", diz.
A vida adulta levou Murat para a militância política de esquerda e para a carreira de cineasta, mas não afastou sua
paixão pela dança. "Um dia, na
prisão [foi presa política na ditadura] eu quis ver "Meias de
Seda". Foi uma confusão na cadeia, porque esse é um dos filmes mais anticomunistas. Mas
Cyd Charisse e Fred Astaire podem fazer qualquer coisa, que
eu quero ver", lembra Murat.
Quando decidiu fazer seu
próprio musical, a diretora foi
fiel à sua paixão pela dança, à
admiração pelo virtuosismo
das cabrochas que dançam sem
formação clássica, mas também ao seu engajamento político. "Não está em mim fazer
uma comédia romântica", diz.
"Maré" é "cinema branco",
diz a cineasta, sem negar que o
filme, por óbvio, traduz a visão
que ela, cidadã de classe média,
possui sobre a favela. Mas, entre todos os longas brasileiros
em torno da periferia, Murat
julga que "Maré" tem uma singularidade. "Acho que ele traz
uma favela diferente; que as
pessoas vão sair dizendo: "Como eles [jovens da favela] são
bonitos! Como têm energia!".
"Branca-zona-sul", como se
define Cristina, que foi viver no
Rio aos 19, para finalmente estudar dança, ela não era candidata ao papel principal. Até o
dia em que foi aos ensaios com
o cabelo rastafári. Murat viu no
gesto o quê a mais das cabrochas, e achou sua Analídia.
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