São Paulo, quarta-feira, 08 de julho de 2009

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Uma combinação inacreditável


Surpreendente a insistência de certos economistas em atribuir a queda da produção à política monetária do país


HÁ QUEM receba mais atenção do que merece; há quem receba menos, como é o caso do IBGE. De fato, além de acelerar a divulgação da produção industrial, o IBGE tem trazido novas aberturas que auxiliam o trabalho de análise econômica. Dessas, uma em particular mostra o comportamento de setores industriais de acordo com sua intensidade exportadora, isto é, aqueles que tipicamente superam de forma significativa o coeficiente médio de participação das exportações no produto (20,8%) e os que costumam exportar uma fração menor de sua produção.
Ao contrário do que se imagina, os segmentos produtores de commodities são importantes tanto para o setor de alta intensidade exportadora como para o de baixa intensidade, respondendo por cerca de 65%-70% do peso no caso de seus principais produtos. Já os produtos mais sofisticados, como automóveis e aviões, representam parcela importante da produção do setor exposto ao mercado externo, enquanto outros, como celulares e computadores, apresentam peso considerável no setor com menor exposição. A divisão entre commodities e produtos diferenciados não é, pois, a mesma que existe entre alta e baixa intensidade exportadora.
Dado esse pano de fundo, convido os 17 leitores a analisar o comportamento dos dois setores a partir do início da série (ver gráfico). O primeiro fato que salta aos olhos é o avanço francamente superior do setor intensivo em exportações. Entre 2002 e o terceiro trimestre de 2008, sua produção cresceu à taxa média de 6,4% ao ano, ante 3,3% no caso dos segmentos de baixa intensidade exportadora, diferença que se mantém mesmo se escolhermos outros períodos amostrais.
Em outras palavras, apesar da conversinha sobre como a apreciação cambial -associada à forte valorização das commodities no período- estaria levando à desindustrialização do país, a realidade insiste em mostrar precisamente o oposto. Foi o setor de alta intensidade exportadora que liderou a vigorosa expansão industrial dos últimos anos e, dentro dele, o melhor desempenho veio de segmentos produtores de bens diferenciados, como automóveis, caminhões e aviões.
Obviamente, dado o cenário de forte contração do comércio internacional, que registrou queda de 40% entre o terceiro trimestre do ano passado e o começo de 2009, foi também esse setor quem mais sofreu com a crise, agravada ainda pelo colapso das importações argentinas (55% entre julho de 2008 e maio de 2009), destino de quase 20% das exportações industriais brasileiras. Tal resultado, diga-se, é congruente com o que já havíamos mostrado nesta coluna, isto é, que a queda das exportações explicava a maior parte da redução da produção industrial.
À luz desses dados, seria surpreendente a insistência de certos economistas em ignorar o contexto externo e atribuir a forte queda da produção à política monetária. Só não surpreende porque há muito se sabe que tal "análise" deriva, em partes iguais, de incrível despreparo técnico e inigualável desonestidade intelectual.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 46, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com


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