São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2008

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RUY CASTRO

O tatu ataca

RIO DE JANEIRO - À falta do Nobel, o IgNobel. Dois cientistas brasileiros foram contemplados com o prêmio conferido anualmente pela revista americana "Annals of Improbable Research", que contempla "trabalhos científicos que primeiro fazem rir e, depois, pensar". O IgNobel é distribuído na mesma época que o Nobel, mas sem tanto alarde. Só lhe farão justiça se alguém ganhar os dois no mesmo ano.
Mas, enfim, Astolfo Mello Araújo e José Carlos Marcelino, da USP, levaram o IgNobel de Biologia por sua tese sobre como "o curso da história ou, pelo menos, o conteúdo das escavações em um sítio arqueológico pode ser remexido pelas ações de um tatu vivo". Não ria. O assunto é mais sério do que parece.
Um tatu pode fazer misérias debaixo da terra, como deslocar um caco de vaso etrusco enterrado há 3.000 anos, a 12 metros de profundidade, e situá-lo ao lado de um urinol florentino do século 15 e de um LP de Rita Pavone de 1964 -e trazer tudo isso à flor da terra ao mesmo tempo, enlouquecendo os arqueólogos. Tatus, como se sabe, são bichos sem muito rigor histórico e, para eles, tanto faz que as camadas da terra virem uma farofa sem pé nem cabeça.
Astolfo e José Carlos chegaram à sua conclusão simulando um sítio arqueológico no zôo de São Paulo, usando tatus ali residentes. De repente, nem eles se entendiam: por mais absurdo, um par de suspensórios de Menotti Del Picchia, de 1919, coabitava no mesmo buraco com um pé de chuteira do palmeirense Waldemar Carabina, de 1957, e com a agenda telefônica de Bruna Surfistinha, de 2004, como se fosse tudo de uma época só.
É também a sensação que tenho ao ler festejados livros de memórias, publicados entre nós recentemente. Um tatu passou por aquelas páginas e misturou anos, décadas, até séculos.


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