|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARINA SILVA
Homo sustentabilis
TEM-ME chamado a atenção o
número crescente de convites que recebo para falar sobre desenvolvimento sustentável,
em comparação com as demandas
para tratar de meio ambiente
"stricto sensu". Pessoas dos mais
variados setores, independentemente do grau de informação, demonstram forte intuição de que as
respostas para a crise ambiental
mais e mais nos remetem à incorporação da sustentabilidade nas
formas de produzir e consumir.
Agregam novas preocupações a seu
cotidiano, sentem estar diante de
uma inescapável mudança de estilo de vida e se percebem imersos na
transição de grande envergadura
que é o horizonte do século 21.
Uma busca comum de respostas
aproxima diferentes nichos de interesse, que questionam e se questionam em dois níveis. No campo
do sentido, em relação à ética dos
valores e da política. No campo das
alternativas práticas, querem soluções que façam a passagem entre
os dois mundos hoje superpostos.
Embora o termo sustentabilidade seja utilizado de maneira ainda
difusa, vejo nisso uma qualidade:
ele acaba por identificar um espaço
de diferença em relação ao sistema
dominante e de criação de convergências a partir de um desafio direto: como integrar crescimento material, uso apropriado dos recursos
naturais, eqüidade social, valores
imateriais e compromisso intergeracional?
O aumento do interesse por sustentabilidade traz um recado: o de
que a crise ambiental é também
uma crise civilizatória avassaladora. E a saída não virá pela onipotência do nosso pensamento. Há que
se ter visão, processo e estrutura.
Visão de que, para alcançar a outra margem do Rubicão, não há
projeto ideal nem seria aceitável a
hegemonia de grupo ou de corrente de pensamento. O processo deve
ser horizontal e transparente, com
quebra radical do modelo de liderança individual salvacionista. E a
estrutura será aquela capaz de
atrair e integrar a contribuição de
todos os setores e perfis.
O que importa é colocar em diálogo, de um lado, aqueles que podemos classificar, como o faz Cristovam Buarque, de Homo sapiens
global: mais refinado e, ao mesmo
tempo, mais frágil diante de situações extremadas, menos resiliente.
E, do outro, está o que resolvi chamar de Homo sapiens local: mais
rústico, mais resiliente, mais adaptável à escassez, menos dependente de tecnologia, com conhecimentos associados aos recursos naturais e domínio do saber narrativo:
saber escutar, enxergar, fazer.
Quem sabe, desse encontro de
saberes nesse momento de transição, não estejamos forjando o Homo sustentabilis?
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: O tatu ataca Próximo Texto: Frases Índice
|