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Um sonho relativístico
Alan Lightman
Um homem ou uma mulher
subitamente colocados neste mundo teriam de se desviar de
casas e prédios. Pois tudo está em
movimento. Casas e apartamentos, montados sobre rodas, transitam adernando pela Banhofplatz,
disparam pela estreita Marktgasse, seus ocupantes aos berros nas
janelas do segundo andar. A
agência postal não fica na Postgasse, mas voa pela cidade sobre
trilhos, como um trem. Tampouco a Bundeshaus permanece tranqüila na Bundesgasse. Em todo
lugar, o som dos motores e da locomoção fazem o ar gemer e rugir. Quando uma pessoa sai de
sua casa logo cedo, ela pisa na calçada correndo, alcança o prédio
onde está seu escritório, sobe e
desce correndo lances de escada,
trabalha em uma mesa que gira
em círculos, galopa de volta para
casa no fim do dia. Ninguém se
senta sob uma árvore com um livro, ninguém fica olhando para as
ondulações em um lago, ninguém
se deita na grama no campo. Ninguém está parado.
Por que essa fixação com a velocidade? Porque neste mundo o
tempo passa mais lentamente para as pessoas em movimento. Assim, todos se movem em alta velocidade, para ganhar tempo.
O efeito velocidade não foi notado até a invenção do motor de
combustão interna e os primórdios dos meios de transporte rápido. Em 8 de setembro de 1889, o
sr. Randolph Whig, de Surrey, levou sua sogra para Londres em
seu novo automóvel, em alta velocidade. Para sua satisfação, levou
metade do tempo que previra
-ele mal havia começado a conversar- e resolver estudar o fenômeno. Depois que suas pesquisas foram publicadas, ninguém
andou devagar novamente.
Como tempo é dinheiro, aspectos financeiros têm o poder de determinar que cada casa corretora,
cada fábrica, cada mercearia se
movimente sempre na maior velocidade possível a fim de conquistar vantagens sobre os concorrentes. Essas construções são
equipadas com gigantescos motores propulsores e nunca estão
paradas. Seus motores e virabrequim bramem muito mais alto
que os equipamentos e pessoas
dentro delas.
Da mesma forma, casas são
vendidas levando-se em conta
não apenas seu tamanho e estilo
arquitetônico mas também sua
velocidade. Pois, quanto mais rapidamente se movimenta uma casa, mais lentamente giram os
ponteiros dos relógios dentro dela
e mais tempo disponível sobra
para seus ocupantes. Dependendo da velocidade, uma pessoa
dentro de uma casa rápida pode
ganhar vários minutos em relação
aos vizinhos em apenas um dia.
Essa obsessão com velocidade
também vigora à noite, quando
um tempo precioso pode ser perdido, ou conquistado, durante o
sono. À noite, as ruas são iluminadas de modo a evitar colisões entre as casas em movimento, o que
sempre é fatal. À noite, as pessoas
sonham com velocidade, juventude e oportunidade.
Neste mundo de alta velocidade, um fato foi apenas lentamente
apreciado. Por tautologia lógica, o
efeito movimento é totalmente
relativo. Porque, quando duas
pessoas se cruzam na rua, cada
uma percebe a outra em movimento, assim como um homem
em um trem percebe as árvores
voando na frente de sua janela.
Conseqüentemente, quando duas
pessoas passam na rua, cada uma
vê o tempo da outra fluir mais lentamente. Esta reciprocidade é
enlouquecedora. Mais enlouquecedor ainda: quanto mais rapidamente alguém ultrapassa um vizinho, mais rapidamente o vizinho
parece estar passando.
Frustradas e desanimadas, algumas pessoas param de olhar pela
janela. Com as cortinas fechadas,
elas nunca sabem quão rapidamente estão se movendo, quão
rapidamente estão se movendo
seus vizinhos e concorrentes. Levantam-se de manhã, tomam banho, compram pão trançado com
presunto, trabalham em suas mesas, ouvem música, conversam
com os filhos, têm uma vida prazerosa.
Alguns afirmam que somente o
relógio gigante em Kramgasse
conta o tempo verdadeiro, que ele
mesmo está imóvel. Outros destacam que esse mesmo relógio está
em movimento quando visto do
rio Aare, ou de uma nuvem.
Alan Lightman é físico, escritor e professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA. Este conto integra o livro
"Sonhos de Einstein" (Cia. das Letras)
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