São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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Teoria final

Ciência ainda está longe de "ler a mente de Deus"

Reinaldo José Lopes
Da reportagem local

Einstein quase nunca duvidava de que o Universo fosse inteligível. "Sutil é o Senhor, mas malicioso ele não é", uma de suas frases mais citadas, sinaliza que o cosmos pode até ser complicado, mas não porque queira confundir a mente humana. O físico levou isso às últimas conseqüências na tentativa de realizar um feito que ainda desafia a ciência: formular a "teoria de tudo", que unificaria a relatividade e a mecânica quântica.
Einstein via claramente o mesmo problema que atormenta os físicos de hoje: para todos os efeitos, há um divórcio no coração da realidade. O mundo submicroscópico dos átomos e partículas (o domínio quântico) parece funcionar à base de incertezas, probabilidades e "pacotes" discretos de energia; na escala das galáxias, a precisão e a clareza da relatividade reinam. Deve haver um jeito de sanar a brecha com um conjunto de leis que se aplique, de forma elegante, a ambos os mundos.
Não é que a física tenha ficado parada esperando isso acontecer. As experiências com aceleradores, que esmagam partículas umas contra as outras a velocidades próximas da luz, conseguiram unificar duas das quatro forças do cosmos (o eletromagnetismo e a força fraca, responsável pelo decaimento radioativo), e a força forte, que mantém coesos os núcleos dos átomos, também se encaixa relativamente bem nesse cenário. Criou-se assim o chamado Modelo Padrão da física.
O problema, dizem os físicos, é que conceitualmente ele é feio de doer -um zoológico de partículas com pouca relação entre si. Se a gravidade for adicionada ao bolo, ele deixa de fazer qualquer sentido. Pior ainda, não há explicação nenhuma para as diferenças imensas de massa e energia entre as partículas, ou de suas quantidades relativas no Universo. E, se esses valores fossem ligeiramente diferentes, não existiriam estrelas, galáxias, vida ou seres humanos.
"Não vejo como alguma teoria bem-sucedida possa não lidar com esse problema de "sintonia fina" do Universo", diz o físico Lawrence Krauss, da Universidade Case Western Reserve, EUA. "Talvez essas coisas sejam acidentes da natureza, mas eu duvido."
A mais badalada das possíveis saídas desse aperto, a teoria das supercordas, postula que a aparente diversidade de partículas deriva, na verdade, das vibrações de cordas submicroscópicas. Cada "nota" desses violinos, que vibram em 11 dimensões, corresponde a uma partícula.
Uma das vantagens da idéia é que um dos modos de vibração corresponde ao gráviton, a até hoje hipotética partícula da gravidade. "Há um desejo de "quantizar" [converter em unidades discretas] a gravitação que já é antigo", afirma o físico Luís Carlos Crispino, da UFPA (Universidade Federal do Pará). Há, no entanto, um problema sério: as dimensões extra da teoria podem ser ordenadas de diversos jeitos diferentes, a maioria dos quais nada tem a ver com o Universo conhecido. Eis a "sintonia fina" de volta. Ou não?
Para Leonard Susskind, da Universidade Stanford, na Califórnia, isso significa que "nossa melhor teoria matemática se voltou contra nós e produziu um Território de proporções prodigiosas". "Território" é o apelido que o físico dá a um verdadeiro "multiverso", ou "megaverso": nele, todas as configurações previstas pela teoria das cordas existem, em alguma região cósmica absurdamente distante da nossa. Estatisticamente, elas são tantas que "alguns lugares são especiais o suficiente para permitir a vida, e é neles que a vida está", diz ele.
Segundo Susskind, um dos sustentáculos dessa idéia é a teoria do universo inflacionário, a mais favorecida hoje, segundo a qual o Big Bang teria começado com uma expansão inicial muito acelerada, que depois arrefeceu. O pique teria sido tamanho que algumas regiões do espaço ficaram para sempre fora do campo de visão das outras; para todos os efeitos, são outros Universos.
Alguns teóricos das supercordas, entretanto, ainda não jogaram a toalha. Um deles é Lisa Randall, da Universidade Harvard. "Estou procurando princípios dinâmicos que possam levar o Universo a evoluir para a configuração atual. Eles explicariam, por exemplo, por que vivemos em três dimensões do espaço", diz.
Todos parecem concordar num ponto: a busca pela unificação não é só projeção humana. "O que queremos é consistência. Deve haver uma teoria única. Afinal, conseguimos fazer perguntas sobre distâncias muito pequenas e altas energias, e essas perguntas devem ter respostas", diz Randall. É a mesma fé de Einstein.
"São os dados experimentais que vão nos colocar com os pés no chão", avalia Crispino. Uma das previsões das supercordas, por exemplo, é a existência dos chamados "superparceiros" -partículas companheiras das conhecidas hoje, mas muito mais pesadas. Os níveis de energia obtidos nos aceleradores de hoje não conseguem produzi-las, mas há quem diga que o LHC (Grande Colisor de Hádrons), que deve ser inaugurado na Suíça em 2007, estará à altura da tarefa. E observações astronômicas também poderão ajudar. Depois de muitos "experimentos mentais" ao estilo de Einstein, chegou a hora de olhar de novo para os aceleradores de partículas -e para as estrelas.


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