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Teoria final
Ciência ainda está longe de "ler a mente de Deus"
Reinaldo José Lopes
Da reportagem local
Einstein quase nunca duvidava de
que o Universo fosse inteligível.
"Sutil é o Senhor, mas malicioso ele
não é", uma de suas frases mais citadas, sinaliza que o cosmos pode
até ser complicado, mas não porque queira confundir a mente humana. O físico levou isso às últimas
conseqüências na tentativa de realizar um feito que ainda desafia a
ciência: formular a "teoria de tudo", que unificaria a relatividade e
a mecânica quântica.
Einstein via claramente o mesmo problema que atormenta os
físicos de hoje: para todos os efeitos, há um divórcio no coração da
realidade. O mundo submicroscópico dos átomos e partículas (o
domínio quântico) parece funcionar à base de incertezas, probabilidades e "pacotes" discretos de
energia; na escala das galáxias, a
precisão e a clareza da relatividade reinam. Deve haver um jeito de
sanar a brecha com um conjunto
de leis que se aplique, de forma
elegante, a ambos os mundos.
Não é que a física tenha ficado
parada esperando isso acontecer.
As experiências com aceleradores, que esmagam partículas
umas contra as outras a velocidades próximas da luz, conseguiram
unificar duas das quatro forças do
cosmos (o eletromagnetismo e a
força fraca, responsável pelo decaimento radioativo), e a força
forte, que mantém coesos os núcleos dos átomos, também se encaixa relativamente bem nesse cenário. Criou-se assim o chamado
Modelo Padrão da física.
O problema, dizem os físicos, é
que conceitualmente ele é feio de
doer -um zoológico de partículas com pouca relação entre si. Se
a gravidade for adicionada ao bolo, ele deixa de fazer qualquer sentido. Pior ainda, não há explicação nenhuma para as diferenças
imensas de massa e energia entre
as partículas, ou de suas quantidades relativas no Universo. E, se
esses valores fossem ligeiramente
diferentes, não existiriam estrelas,
galáxias, vida ou seres humanos.
"Não vejo como alguma teoria
bem-sucedida possa não lidar
com esse problema de "sintonia fina" do Universo", diz o físico Lawrence Krauss, da Universidade
Case Western Reserve, EUA.
"Talvez essas coisas sejam acidentes da natureza, mas eu duvido."
A mais badalada das possíveis
saídas desse aperto, a teoria das
supercordas, postula que a aparente diversidade de partículas
deriva, na verdade, das vibrações
de cordas submicroscópicas. Cada "nota" desses violinos, que vibram em 11 dimensões, corresponde a uma partícula.
Uma das vantagens da idéia é
que um dos modos de vibração
corresponde ao gráviton, a até hoje hipotética partícula da gravidade. "Há um desejo de "quantizar"
[converter em unidades discretas] a gravitação que já é antigo",
afirma o físico Luís Carlos Crispino, da UFPA (Universidade Federal do Pará). Há, no entanto, um
problema sério: as dimensões extra da teoria podem ser ordenadas
de diversos jeitos diferentes, a
maioria dos quais nada tem a ver
com o Universo conhecido. Eis a
"sintonia fina" de volta. Ou não?
Para Leonard Susskind, da Universidade Stanford, na Califórnia,
isso significa que "nossa melhor
teoria matemática se voltou contra nós e produziu um Território
de proporções prodigiosas".
"Território" é o apelido que o físico dá a um verdadeiro "multiverso", ou "megaverso": nele, todas
as configurações previstas pela
teoria das cordas existem, em alguma região cósmica absurdamente distante da nossa. Estatisticamente, elas são tantas que "alguns lugares são especiais o suficiente para permitir a vida, e é neles que a vida está", diz ele.
Segundo Susskind, um dos sustentáculos dessa idéia é a teoria do
universo inflacionário, a mais favorecida hoje, segundo a qual o
Big Bang teria começado com
uma expansão inicial muito acelerada, que depois arrefeceu. O pique teria sido tamanho que algumas regiões do espaço ficaram
para sempre fora do campo de visão das outras; para todos os efeitos, são outros Universos.
Alguns teóricos das supercordas, entretanto, ainda não jogaram a toalha. Um deles é Lisa
Randall, da Universidade Harvard. "Estou procurando princípios dinâmicos que possam levar
o Universo a evoluir para a configuração atual. Eles explicariam,
por exemplo, por que vivemos em
três dimensões do espaço", diz.
Todos parecem concordar num
ponto: a busca pela unificação
não é só projeção humana. "O
que queremos é consistência. Deve haver uma teoria única. Afinal,
conseguimos fazer perguntas sobre distâncias muito pequenas e
altas energias, e essas perguntas
devem ter respostas", diz Randall.
É a mesma fé de Einstein.
"São os dados experimentais
que vão nos colocar com os pés no
chão", avalia Crispino. Uma das
previsões das supercordas, por
exemplo, é a existência dos chamados "superparceiros" -partículas companheiras das conhecidas hoje, mas muito mais pesadas. Os níveis de energia obtidos
nos aceleradores de hoje não conseguem produzi-las, mas há
quem diga que o LHC (Grande
Colisor de Hádrons), que deve ser
inaugurado na Suíça em 2007, estará à altura da tarefa. E observações astronômicas também poderão ajudar. Depois de muitos "experimentos mentais" ao estilo de
Einstein, chegou a hora de olhar
de novo para os aceleradores de
partículas -e para as estrelas.
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