São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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A última defesa do fóton antes da devastação de Heisenberg

Da reportagem local

A viagem de Einstein ao Brasil, em meio a tantas peregrinações do físico ao redor do mundo, acabou se tornando uma nota de rodapé nas biografias do cientista. E poderia bem ser justo, não fosse a comunicação que ele fez à Academia Brasileira de Ciências em 1925. Nela, Einstein falou de um tema que cuidadosamente evitava na Europa: os "quanta de luz".
Embora tenha devastado a física newtoniana no que diz respeito à gravitação, Einstein era partidário de uma outra idéia de Isaac Newton, ora em desuso: a de que a luz poderia ser imaginada como uma partícula, em vez de uma onda. Unindo isso ao conceito de quantum criado por Max Planck em 1900, o físico alemão conseguiu explicar o efeito fotoelétrico, que lhe garantiu o Prêmio Nobel.
Mas a idéia de que a luz era feita de partículas, em vez de ondas, contradizia outras teorias consagradas da física, como as equações do eletromagnetismo, concebidas pelo escocês James Clerk Maxwell. Ademais, os corpúsculos de luz não conseguiam explicar os experimentos de interferência (que faziam com que raios de luz "interferissem" uns com os outros, criando padrões compatíveis com ondas, não partículas).
Na época, Einstein apostava nas partículas, mas estava em minoria. Outros monstros sagrados da ciência da época, entre eles o dinamarquês Niels Bohr, apostavam nas ondas. Bohr chegou até a propor uma teoria alternativa à de Einstein, a fim de conciliar todos os resultados até então obtidos e manter a radiação luminosa como uma onda. Mas os últimos experimentos pareciam dar vantagem à idéia einsteiniana de que a luz era composta de fótons.
Foi o que ele contou à Academia Brasileira de Ciências naquela época. Na Europa, não teria tido a coragem necessária. Ele escreveu muito pouco sobre o assunto. No Brasil, resolveu soltar a franga. Por quê? "Tenho somente um palpite", diz Ricardo Campos, físico brasileiro na Universidade da Cidade de Nova York.
"O problema do fóton nunca estava longe de sua mente. Em suas grandes viagens, Einstein se concentrou nas teorias relativísticas -ponto natural, pois o célebre eclipse de 1919 era a novidade do dia. Mas talvez ele tenha esgotado o fôlego por apresentar o mesmo discurso 20 vezes seguidas."
Era um confronto de gigantes: Einstein versus Bohr. "A corte de Berlim estava assanhada com o potencial choque dos titãs", diz Campos. "Também acho que Einstein pressentiu o fim de suas grandes viagens. Se não surgisse novamente a oportunidade de promover o fóton, talvez aqui ele tivesse a última ocasião. Hoje sabemos que seu instinto estava correto", complementa.
Ao fazer sua comunicação à ABC, o físico alemão ao que parece tinha conhecimento dos resultados de experimentos ainda não publicados na época, feitos em Berlim por Walter Bothe e Hans Geiger. Eles refutavam a teoria de Bohr e corroboravam sua própria interpretação dos fótons.
Ironicamente, a comunicação de Einstein no Brasil, que foi recentemente traduzida para o inglês por Campos, tem um valor histórico por ser a última vez em que o alemão pôde defender com plena convicção suas próprias idéias sobre o fóton.
Duas semanas depois de Einstein retornar da América, em 15 de julho, Werner Heisenberg descobriu os princípios da mecânica quântica. Eles consagrariam o conceito dos quanta de luz -os fótons-, mas em compensação entrariam em flagrante conflito com a teoria da relatividade geral, ao introduzir a probabilidade ao mundo dos átomos com seu princípio da incerteza. Graças a Heisenberg, as duas maiores inovações de Einstein agora estavam em lados opostos. O alemão preferiu ficar do lado da sua teoria da gravitação ("Deus não joga dados") e terminou seus dias vendo o fóton como um grande enigma.
Numa carta a Besso, datada de 1951, Einstein escreveu: "Os 50 anos de meditação consciente não me deixaram mais próximo da resposta à questão: o que são os quanta de luz? Naturalmente, hoje qualquer espertalhão pensa que sabe a resposta, mas está enganando a si mesmo". (SN)


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