São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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No Brasil

Em maio de 1925, depois de passar pela Argentina e pelo Uruguai, Einstein esteve no Brasil; deu palestras e se admirou com a riqueza da fauna e flora, mas não chegou a se entusiasmar com os cientistas locais

No auge da fama, cientista-celebridade se rendeu aos encantos tropicais do Rio

Da reportagem local

À noite, sozinho em meu quarto de hotel -nu-, aprecio a vista da baía com suas incontáveis ilhas verdes e de rocha parcialmente exposta sob a luz do luar", escreveu Einstein em seu diário, enquanto contemplava o cenário costeiro do Rio de Janeiro, da janela do hotel em que estava hospedado, com vista para o mar. O ano era 1925, e o cientista estava no auge da fama -era, no momento, a maior celebridade do mundo científico.
A viagem ocorreu depois do eclipse solar de 1919, que confirmara a teoria da relatividade geral, e da conquista do Prêmio Nobel de 1921, pelas contribuições à física em geral e pela explicação que deu ao efeito fotoelétrico. Convites abundavam dos quatro cantos do mundo para que ele fosse visitar outras nações.
Quando argentinos e uruguaios acertaram com ele uma visita à América do Sul, a comunidade judaica brasileira pensou que deveria aproveitar a oportunidade. Coordenou-se com os cientistas brasileiros (na época, a maioria era de engenheiros; havia pouquíssimos físicos) e estendeu um convite a Einstein, que o aceitou.
Em 21 de março, Einstein desembarcou no Rio de Janeiro, depois da viagem a bordo do transatlântico Cap. Polonio. Mas estava apenas de passagem, a caminho da Argentina e do Uruguai. Somente em 4 de maio retornaria à Cidade Maravilhosa, para se render aos seus encantos.
"Ele não estava interessado nas paisagens nem do Uruguai, nem da Argentina, mas a vegetação tropical do Brasil parecia estonteá-lo de algum modo", diz Thomas Glick, historiador da Universidade de Boston que escreveu um artigo sobre sua visita ao Rio de Janeiro. "Basta ver trechos de seu diário de viagem", afirma o pesquisador americano.
De fato, Einstein transpira admiração pela natureza do Brasil. Depois de visitar o Jardim Botânico, ele escreve que, assim como o resto da flora, ele "supera os sonhos vistos nas "Mil e Uma Noites'". Em compensação, não via isso tudo como uma qualidade para os europeus. Como muitos outros em sua época, ele achava que o clima tropical prejudicava a atividade intelectual.
"O europeu precisa de um estímulo metabólico maior do que esse clima eternamente úmido e quente oferece. Com relação a isso, beleza natural e riqueza são de pouca utilidade. Eu acho que a vida de de um europeu que é escravo de seu trabalho é ainda mais rica e acima de tudo menos nublada e parecida com um sonho. Talvez a adaptação seja possível, mas somente ao custo da interrupção das atividades", escreve.
Durante sua passagem pelo país, Einstein ficou hospedado no Hotel Glória, apartamento 400, e visitou pontos famosos da cidade, como o Pão-de-Açúcar, o Corcovado e a floresta da Tijuca. Sua passagem por terras brasileiras limitou-se ao Rio de Janeiro.
A programação do físico também contou com uma reunião com a comunidade judaica e a visitação de vários institutos de pesquisa nacionais. Einstein também proferiu três palestras. Na primeira, realizada no dia 6 de maio, o cientista falou sobre a relatividade especial. Mas não gostou. "Às 16h, primeira conferência no Clube de Engenharia em um auditório lotado, com barulho da rua. As janelas estavam abertas. A acústica não permitia o entendimento. Pouco científico", registrou.
A terceira, realizada dois dias depois na Escola Politécnica, teve por tema a relatividade geral. Desta vez, o número de espectadores fora limitado pela organização.
Entre as duas, uma apresentação fora da programação: durante uma sessão da Academia Brasileira de Ciências, Einstein fora condecorado e deveria fazer um discurso de agradecimento. Preferiu, em vez disso, proferir uma rápida comunicação sobre os "quanta de luz". Foi a única coisa de real importância científica que o físico fez no Brasil.
O alemão deixou o país em 12 de maio, rumo à Europa. A impressão final não foi das melhores, como escreveu ao amigo Michele Besso: "Para achar a Europa agradável, é preciso visitar a América. Na realidade, as gentes de lá são desprovidas de preconceitos, mas são, ao contrário, em sua maioria, vazias e pouco interessantes, ainda mais que entre nós". (SALVADOR NOGUEIRA)


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