São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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Gênio profetizou guerra preventiva americana

John Stachel
Especial para a Folha

Na sua edição do verão de 1947, a revista "American Scholar" publicou um artigo de Albert Einstein intitulado "A Mentalidade Militar", uma resposta a um artigo de Louis Redenour na edição anterior da mesma revista sob o título de "Apoio Militar à Ciência Americana -Um Perigo?" -essencialmente negando que tal perigo existisse.
Em sua resposta, Einstein logo vai além da questão levantada por Ridenour até aquilo que ele vê como o tema-raiz de todas essas questões: a mentalidade militar.
"É característico da mentalidade militar que fatores não-humanos (bombas atômicas, bases estratégicas, armas de todo tipo, posse de matérias-primas etc.) sejam considerados essenciais, enquanto o ser humano, seus desejos e pensamentos -em resumo, os fatores psicológicos- sejam considerados desimportantes e secundários... O indivíduo é degradado a um mero instrumento; ele se torna "material humano". Os fins normais da aspiração humana se esvaem sob esse ponto de vista. Em vez disso, a mentalidade militar eleva o "poder nu" como um fim em si mesmo -uma das mais estranhas ilusões às quais o homem pode sucumbir."
Ele aponta que "os alemães, enganados pelos sucessos de Bismarck, passaram por uma dessas transformações na sua mentalidade -em conseqüência, ficaram totalmente arruinados em menos de cem anos".
Einstein sabia do que estava falando. Ele havia testemunhado o apogeu do militarismo alemão durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) de Berlim, o coração do Reich alemão; no mesmo local, vivenciou os primeiros estágios da ruína alemã: a derrota militar e a revolução abortada de 1918-1919 e a subseqüente ascensão, o declínio e a queda da República de Weimar (1919-1932). Depois da tomada do poder pelos nazistas, em 1933, ele cortou todos os laços com a Alemanha e, de Princeton, nos Estados Unidos, assistiu à ascensão e à queda do Terceiro Reich (1933-1945), culminando primeiro na ruína espiritual do povo alemão sob o fascismo, depois na sua ruína física durante os últimos dias da 2ª Guerra Mundial. Ele agora temia que sua nova pátria estivesse caminhando para esse mesmo rumo:
"Eu francamente devo confessar que a política externa dos Estados Unidos desde o fim das hostilidades [em 1945] tem me lembrado, algumas vezes de forma irresistível, a política da Alemanha sob o kaiser Guilherme 2º, e sei que, independentemente de mim, essa analogia ocorreu dolorosamente a outros também." Com uma presciência notável, ele vislumbrou aonde essa tendência estava levando os Estados Unidos:
"Hoje, a existência da mentalidade militar é mais perigosa do que nunca, porque as armas ofensivas se tornaram muito mais perigosas que as defensivas. Esse fato inevitavelmente produzirá o tipo de pensamento que leva a guerras preventivas. A insegurança geral que resulta desses avanços resulta no sacrifício dos direitos civis do cidadão em nome do suposto bem-estar nacional. A caça às bruxas política e os controles governamentais de todos os tipos (como o controle do ensino e da pesquisa, da imprensa e assim por diante) parecem inevitáveis, e conseqüentemente não encontram aquela resistência popular que, não fosse a mentalidade militar, poderia servir para proteger a população. Uma reavaliação de todos os valores tradicionais gradualmente acontece e qualquer coisa que não sirva claramente ao objetivo utópico do militarismo é considerada inferior."
Ao extrapolar as tendências que ele viu nos Estados Unidos na década de 1940 à luz de sua experiência com o militarismo alemão, Einstein conseguiu prever com uma precisão incrível a situação que enfrentamos hoje. Quem, ao ler suas palavras, consegue evitar pensar na etérea "guerra ao terror", e nas guerras bem reais no Afeganistão e no Iraque, com sua crescente lista de crimes de guerra americanos; dos nada patrióticos "Patriot Acts"; da administração cuidadosa da informação, a disseminação insistente da desinformação por agências do governo? Não quero dizer que essas tendências continuarão a prevalecer inevitavelmente. Mas enquanto a resistência popular a elas nos Estados Unidos permanecer fraca e desorganizada, essas tendências seguirão.
Na Alemanha, essas mesmas tendências irrefreadas levaram à guerra, à brutalidade e ao fascismo. Nos Estados Unidos, elas já levaram a guerras apresentadas como "preventivas", ao confinamento por tempo indefinido e à tortura de homens e mulheres proclamados prisioneiros de guerra, quer tenham sido culpados por algum crime ou não. Levarão também ao fascismo?
Os norte-americanos são herdeiros de um legado ambíguo. Assim como uma história de guerras e conquista e extermínio dos povos indígenas e da escravização de inúmeras pessoas de cor, os Estados Unidos têm uma história preciosa de luta pelos seus direitos democráticos.
Na batalha que vem aí, nós precisamos de toda a ajuda que pudermos ter dos nossos heróis do passado. Pelos seus escritos e pela força de seu exemplo moral, Einstein está do nosso lado nessa luta.


John Stachel é físico da Universidade de Boston, EUA, e autor de "O Ano Miraculoso de Einstein" (UFRJ Editora)


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