São Paulo, domingo, 05 de julho de 2009

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ELIO GASPARI

Uma reforma à altura da turma da pesada


Em silêncio, a Câmara vai votar um projeto de censura para o horário gratuito de televisão

A ATENÇÃO atraída pelas cavalariças do Senado libertou a ousadia de um pedaço da Câmara dos Deputados, dando-lhe a impressão que a pista está livre para avanços sobre os direitos da patuleia. Na semana passada livraram o deputado-castelão Edmar Moreira de um processo de perda do mandato por uso indevido de dinheiro da Viúva. Nesta semana poderão votar um projeto de reforma eleitoral que mutila o direito de informação dos contribuintes e blinda os malfeitores. Aos fatos:
No projeto da reforma incluíram um parágrafo pelo qual "é proibida a utilização de imagem ou voz" de candidatos adversários. Trata-se de medida destinada a proteger pessoas que querem esconder a verdade. Se um candidato disse uma coisa em lugar público, por que seus adversários não podem mostrá-lo? Num exemplo extremo, os deputados não querem que se mostrem nem mesmo as falsas promessas que os candidatos fizeram durante o horário gratuito de televisão. Admitindo-se que pode haver má-fé no uso do vídeo ou do áudio, é para isso que está aí a Justiça Eleitoral, instância eficaz de repressão aos excessos.
O projeto foi montado com o objetivo de proteger parlamentares, amparar candidatos e inibir a Justiça Eleitoral. Noutra novidade, os doutores dizem que os candidatos que já disputaram eleições estão obrigados à "apresentação de contas de campanha". À primeira vista, nada demais. Esqueceram de acrescentar "aprovadas pela Justiça". A mesma Câmara que criou (talvez com razão) o cadastro positivo para o crédito da choldra, blinda o cadastro de seus caixas dois.
Assim como há no Senado um contubérnio de burocratas e congressistas, funciona na Câmara uma grupo interpartidário já apelidado de G8. Ele maquina tramitações silenciosas e mercadeja enxertos em medidas provisórias. Nos últimos meses quase conseguiram instituir o voto de lista e um sistema de donatarias para tungar os donos de carro com a criação de uma Inspeção Técnica Veicular. Recuaram no reconhecimento de créditos de IPI, mas prevaleceram com a MP 449, que refrescou a vida de sonegadores.

ACREDITOU NA INFRAERO? FEZ PAPEL DE BOBO

Terminou o mês de junho e com ele venceu a promessa da Infraero de instalar redes de internet gratuita, mas nem tanto, em 12 aeroportos brasileiros. Quem acreditou fez papel de bobo. A mesma Infraero prometera para dezembro passado uma rede inteiramente grátis. Pelo que se sabe, na nova configuração, quem quiser usar o serviço de mensagens eletrônicas terá que pagar. Hoje quem cai nas mandíbulas dos donatários da Infraero e não tem conta num provedor associado à empresa que intermedia a conexão tem que comprar um acesso que num caso chega a R$ 25 por dia.
O brigadeiro Cleonilson Nicácio da Silva deveria pedir às companhias aéreas que lessem uma mensagem aos passageiros que chegam ao Rio de Janeiro: "Bem-vindo à Cidade Maravilhosa. Graças ao governo do Estado, aqui você poderá conectar seu laptop na praia sem pagar um tostão. Graças à Infraero, se você quiser trabalhar enquanto espera o avião talvez tenha que desembolsar um pedágio".
O acesso a Copacabana é gratuito. O uso dos aeroportos da Infraero custam à choldra até R$ 19, uma das maiores taxas de embarque do mundo.
No ano passado a direção da empresa recebeu uma proposta para a instalação do sistema Wi-Fi no seu prédio e no aeroporto de Brasília.
Preço: R$ 3 milhões. Foi-se conferir no mercado e apareceu quem fizesse o mesmo serviço em 11 aeroportos por R$ 1,1 milhão. O loteamento de cargos é coisa perigosa porque chama a atenção. Contratos, concessões e espaços públicos são coisa mais discreta.

TUCANOS INCAPAZES
O PSDB quer voltar ao governo pela vontade do povo, mas é incapaz de dar aos seus afiliados o direito de escolher entre José Serra e Aécio Neves. No melhor estilo dos sábios da ditadura, há tucanos defendendo a prévia-indireta. O tucanato de todo o Brasil terá o direito de escolher entre duas listas de delegados e a eles caberá a escolha final. Se os tucanos inscritos no partido não têm discernimento para escolher entre Serra e Aécio, com que cara qualquer dos dois irá à rua para pedir que votem nele e não em Dilma Rousseff?

SEVCENKO E HARVARD
Nem só de Roberto Mangabeira vive a Universidade Harvard. Ela acaba de nomear o professor Nicolau Sevcenko para uma cadeira de literatura de línguas neolatinas. Lula pode ficar tranquilo, Sevcenko não quer ser ministro.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo soube que, sete anos depois de deixar a Presidência, José Sarney comprou num leilão público uma casa que o banqueiro José Safra tinha em Brasília. O idiota teme que, em 2018, Lula se interesse pela mansão de Safra no Morumbi. Ela pode ser acanhada para o ego de Nosso Guia, mas tem 130 cômodos e nove elevadores.

RECORDAR É VIVER
Há 40 anos, diante da iminente chegada da Apolo 11 à órbita da Lua, um grupo de presos da Marinha na ilha das Flores pediu ao comandante do cárcere que lhes permitisse ver o desembarque de Neil Armstrong pela televisão. Eles argumentavam que aquele seria um dia inesquecível e, se a licença fosse concedida, ficaria a memória da gentileza. O pedido foi negado. Restou a lembrança de que a decisão veio do comandante José Clemente Monteiro Filho.

AMAZÔNIA NA MODA
A cidades perdidas da Amazônia estão bem nas livrarias americanas. Depois do sucesso de "A Cidade Perdida de Z", do jornalista David Grann, acaba de sair "Fordlândia: Ascensão e Queda da Cidade Perdida de Henry Ford na Floresta", do professor Greg Grandin. O livro de Grann sairá no Brasil até o fim do ano e pode virar filme, com Brad Pitt no papel do explorador inglês Percy Fawcett, que desapareceu no Xingu em 1925.
"Fordlândia" não tem a mesma receita de mistério, mas é uma lição para governantes, empresários e candidatos a conhecedores da Amazônia. Conta a história do projeto de construção de uma cidade e o plantio de um imenso seringal no meio da mata do Pará. A ideia foi de Henry Ford, o Bill Gates de seu tempo. Deu tudo errado. Ford perdeu US$ 160 milhões (em dinheiro de hoje), produziu um desastre ecológico e abandonou o projeto. Seus funcionários chegaram como deuses de uma nova era em 1928 e partiram como fugitivos em 1945.
Grann recuperou lembranças de pessoas que viveram naquilo que seria o paraíso americano de Fordlândia e trabalhou duro nos arquivos da empresa. Disso resultou um precioso exame do fracasso de um empresário antissemita que era venerado como profeta do capitalismo industrial e acabou discutindo a estatização de suas terras para que nelas fossem instalados os judeus da Europa. Ford achava que a vaca era a máquina mais desagradável e inútil da natureza. Hoje seu velho campo de golfe, bem como as quadras de tênis, servem de pasto e estábulo.


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