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23/12/2011 - 20h50

Atriz de "A Rede Social" será protagonista da saga "Millenium"

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DANIELA ARRAIS
DE NOVA YORK

Um dos grandes prazeres de ler um livro comprado por Hollywood antes de o filme ser lançado é imaginar quem você gostaria de ver em cada papel.

Com o best-seller "Os Homens Que Não Amavam as Mulheres" é ainda mais divertido porque o autor, o sueco Stieg Larsson, inventou tipos como Lisbeth Salander, uma hacker de 24 anos, cheia de piercings e tatuagens, supersexual, vulnerável e vingativa.

Numa manhã de fim de verão, em Nova York, a melhor tradução da Lisbeth Salander do livro se personificou na minha frente, na pele da atriz Rooney Mara, 26. Ainda com o corte de cabelo assimétrico e roupas que pertenceriam facilmente à personagem (menos as sobrancelhas descoloridas), a atriz incorporou a fala, os gestos contidos e os trejeitos de Lisbeth.

"O filme mudou a maneira como eu me visto", disse. "Antes eu era mais 'girlie', romântica, feminina, usava mais vestidos. Mas gostei da praticidade de colocar uma calça, uma bota e uma camiseta. Gostei de ser um menino em 2011."

Merrick Morton/Reuters
Rooney Mara em cena de "Os Homens Que Não Amavam as Mulheres"
Rooney Mara em cena de "Os Homens Que Não Amavam as Mulheres"

Ser Lisbeth Salander significa não só uma mudança no visual, que a atriz vai ter que carregar por alguns anos (a Sony Pictures divulgou que fará outros dois filmes), mas em sua carreira. Até então, Rooney Mara tinha participado de um remake de "A Hora do Pesadelo", fez um papel pequeno em "A Rede Social" e só. Foi aí que conheceu o diretor David Fincher ("Zodíaco"), de "Os Homens Que Não Amavam as Mulheres".

Ser praticamente desconhecida a favoreceu. "Uma das razões pelas quais as pessoas gostam tanto dessa personagem é porque ela é um mistério, um enigma", aposta a intérprete.

SUCESSO PÓSTUMO

O filme é a adaptação para o cinema do primeiro livro da trilogia "Millenium" (nome da revista editada pelo protagonista Mikael Blomkvist), escrita por Stieg Larsson. Ele morreu de infarto aos 50 anos, em novembro de 2004, sem desfrutar do sucesso dos livros -- o primeiro, "Os Homens Que Não Amavam as Mulheres", foi publicado em 2005. A trilogia tem ainda os títulos "A Menina Que Brincava com Fogo" e "A Rainha do Castelo de Ar" e já vendeu mais de 50 milhões de exemplares no mundo todo, 338 mil deles no Brasil.

A história começa nos anos 1960, quando a sobrinha de um empresário rico desaparece. O corpo nunca é encontrado e o tio acredita que o crime foi cometido por alguém da família. Contrata o jornalista Mikael Blomkvist (vivido por Daniel Craig), para a investigação.

Mikael se alia a Lisbeth, uma hacker reclusa, bissexual e muito arredia, que esconde por trás do jeito punk de adolescente uma inteligência e uma frieza fora do comum. Entre muito suspense e violência, começa um romance entre os dois investigadores de ocasião.

DRAGÃO TATUADO

A trilogia "Millenium" fez de Stieg Larsson um dos autores mais vendidos do mundo, e a saga do jornalista e da hacker viraram filmes e seriado de TV na Suécia antes de Hollywood pegar carona.

Na versão europeia, o título do primeiro livro foi mantido, "A Garota com Tatuagem de Dragão", e a atriz sueca Noomi Rapace fez o papel de Lisbeth. Sua interpretação é considerada um dos pontos altos dos filmes. "Stieg foi corajoso, escreveu sobre assuntos que gostamos de ignorar. Na Suécia, todo mundo tem essa superfície perfeita, é educado e controla seus sentimentos", disse Noomi ao jornal inglês "Daily Telegraph".

Assim que surgiu a notícia sobre o remake hollywoodiano com novo elenco, Noomi Rapace foi fina: "David Fincher é um grande diretor, deve ter feito uma boa escolha", afirmou ao jornal "LA Times".

A nova adaptação é ambiciosa. A ideia é que vire um sucesso como a série "Harry Potter" ou a saga "Crepúsculo", mas voltada para adultos com estômago forte. "Acho que vai ter muita controvérsia, mas isso não é ruim", diz Rooney.

Na vida real, o drama continua. A viúva do escritor, Eva Gabrielsson, 57, anunciou que possui mais de 200 páginas inéditas de um quarto volume da série. Ela disputa na Justiça os direitos sobre a obra do marido, um milionário póstumo. Pelas leis da Suécia, como ela não era legalmente casada com o escritor, não recebe nada. Sem testamento nem filhos, os direitos acabam indo para o pai e para o irmão do autor, que tentam um acordo com ela.

Eva escreveu um livro de memórias, "Millennium, Stieg and Me" (Millenium, Stieg e eu), em que diz que "Lisbeth se liberta aos poucos de seus fantasmas e inimigos". Em entrevistas, afirma que pode terminar o quarto volume, já que frequentemente escrevia com o marido.

UMA VIDA MENOS ORDINÁRIA

Em Nova York, Rooney conta que, desde que começou a treinar para viver Lisbeth Salander, sua vida parece cada vez menos real. "Me senti sugada física e emocionalmente."

Antes de atuar no cinema, a garota nascida em Bedford, Nova York, em uma família milionária, dona de dois times de futebol americano (entre eles o New York Giants), estudou psicologia, fez cursos sobre organizações sem fins lucrativos e viajou pelo mundo. "É bom ter outras coisas na vida pela qual você é apaixonado."

E, apesar da pouca experiência sob os holofotes, já sabe que o melhor lugar para uma atriz é longe deles. "Quanto menos as pessoas sabem sobre um intérprete, mais acreditam nos personagens que ele escolhe."

Até aqui, pelo menos, a atriz parece estar no caminho certo para conquistar os fãs de uma dose de mistério

*

Trilogia é "pulp fiction" de primeira

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DE CINEMA

Jamais poderia imaginar que, aos 40 anos, seria fisgado por um livro da forma como "Os Homens Que Não Amavam as Mulheres" me fisgou. A última vez que tive uma sensação parecida foi na adolescência, quando li "O Talentoso Ripley", de Patricia Highsmith.

O processo não aconteceu sem conflitos, é verdade. Stieg Larsson não é uma Patrícia Highsmith. Quase desisti nas primeiras páginas quando me deparei com trechos de texto truncado e outros em que a trama extrapolava os limites da credibilidade.

Relevei quando descobri tratar-se de uma tradução feita da versão francesa, e não do original sueco. Quanto aos devaneios da trama, passaram a fazer sentido com o avanço da leitura, quando ficou claro que o autor produzia "pulp fiction" da melhor estirpe.

Impossível não se envolver com Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist: ela, uma hacker cética, sem ideais ou ideologias; ele, um jornalista à moda antiga, que acredita na verdade e na justiça.

Emendei a leitura dos dois volumes seguintes, "A Menina Que Brincava com Fogo" e "A Rainha do Castelo de Ar". Cada tomo tem suas peculiaridades, e o conjunto traz o entendimento de uma crítica política profunda e atual à Europa.

Nesse meio tempo, assisti ao primeiro filme da adaptação para o cinema produzida na Suécia. Apenas o primeiro deles foi lançado no Brasil -- diante do prejuízo, a distribuidora desistiu de lançar os outros dois por aqui. A obra, concebida como série de TV, sofreu muito na redução para o formato de três longas-metragens.

Terminada a leitura, fui tomado por uma saudade profunda da convivência com personagens tão especiais. Um sentimento que se transformou em ansiedade para ver a nova adaptação cinematográfica, dirigida por David Fincher -- uma escolha aparentemente perfeita. Fincher, vale lembrar, dirigiu "Zodíaco" (ambientado em uma redação de jornal) e "A Rede Social" (sobre a nova cultura cibernética). Dois temas que se encontram na trilogia "Millennium". É esperar para ver.

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