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22/08/2011 - 19h24

Gleisi tem mais em comum com Dilma do que se imagina

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ELIANE CANTANHÊDE
DE BRASÍLIA

A cabeleireira Getúlia, que todo mundo chama de Dona Gêge, adora cinema. Decidiu que a filha mais velha se chamaria Grace Kelly e depois cismou que a menina era a cara da Romy Schneider.

O funcionário do cartório atrapalhou-se com "Grace", e o bebê virou "Gleisi". Tornou-se uma moça bonita, loira, de olhos claros e nariz arrebitado como Grace Kelly (1929-1982), atriz e rainha de Mônaco, e realmente parecida com Romy Schneider (1938-1982), a estrela de "Sissi, a Imperatriz". Mas as coincidências param aí.

Afora traços e cores, Gleisi não tem nada de princesa nem de estrela. Preferiu a religião e a política. Sua vida tem muito trabalho, pouco glamour.

Vavá Ribeiro
A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, em seu gabinete no Palácio do Planalto
A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, em seu gabinete no Palácio do Planalto

Gleisi Hoffmann, a poderosa chefe da Casa Civil, é metódica, trabalhadora, pragmática. E católica fervorosa.

Quando pequena, metia um lenço branco na cabeça e brincava de freira. Na pré-adolescência, decidiu ser noviça. Como teria de mudar para Novo Hamburgo (RS), distante da sua Curitiba natal, o pai, o representante comercial Júlio, vetou.

No colégio Nossa Senhora Medianeira, a menina encantou-se com idas às vilas carentes: "Achava o máximo", lembra. Ao longo da vida, seus ídolos passaram a ser Nelson Mandela, Gandhi (1869-1948) e Martin Luther King (1929-1968). Agora mesmo, lê "Conversas que Tive Comigo", do primeiro.

Da religião para a militância no início dos anos 1980, foi um pulo. O movimento estudantil se reorganizava, o Partido Comunista do Brasil (PC do B) se assanhava. Gleisi passou a se dividir entre as missas dominicais, o grêmio estudantil e a militância comunista.

Quando o PC do B mandou jogar fora livros e apostilas comprometedoras, por segurança, lá se foram Gleisi e Dona Gêge arrastando pela rua uma imensa mala com a papelada, para despejar na casa de uma tia.

"Se papai desconfiasse, eu tava frita. Ele era de direita, odiava o movimento estudantil, a esquerda. Achava que todo mundo era comunista", conta.

A mudança de partido, em 1989, foi natural: "O PT foi um alívio. O PC do B era ateu, e o PT tinha as mesmas lutas, os mesmos ideais; mas tinha vínculos com a Igreja e não interferiria no que eu acreditava".

Gleisi formou-se em direito e especializou-se em orçamento municipal no gabinete do então vereador de Curitiba Jorge Samek, atual presidente da Itaipu Binacional. Foi ele quem a indicou para trabalhar em Brasília, no gabinete do então deputado Paulo Bernardo, também do PT do Paraná.

Gleisi mudou-se com o marido, o jornalista Neylor Toscan, com quem foi casada seis anos. Mas a vida e o coração têm dessas coisas. Ela se apaixonou pelo novo chefe: Paulo Bernardo, hoje ministro das Comunicações.

Lá se vão 16 anos, e Paulo Bernardo, 58 anos, e Gleisi, 46, têm dois filhos: João Augusto, 9, e Gabriela Sofia, 5.

"Não foi amor à primeira vista, foi à primeira planilha. O que nos aproximou foi o gosto por números, orçamentos, gestão", diz Gleisi. E filosofa: "Afetividade só se desenvolve com a convivência. Olhou e se apaixonou?! Só em conto de fada."

Mas Paulo Bernardo indica que, no caso dele, não foi só número, não: "Eu nem gostava de orçamento tanto assim...", ironiza. Em 2006, ele desistiu de concorrer às eleições a senador para ficar no Planejamento. Gleisi, que nunca disputara nada, preencheu a lacuna. E foi disputar com o tucano Álvaro Dias, considerado imbatível.

A eleição era difícil, e a explosão dos escândalos do "mensalão" e dos "aloprados" piorou as coisas: "Senti muita tristeza. Mas eu acreditava no presidente Lula. A verdade sempre prevalece. Sempre digo: o barquinho da verdade balança, balança, mas não afunda".

Gleisi perdeu por pouco, uma diferença de 274 mil votos. Em 2008, mais uma derrota, para a Prefeitura de Curitiba. Conquistou a primeira vitória e virou senadora em 2010.

Na meteórica passagem pelo Senado, Gleisi foi elogiada, mas ganhou um apelido dúbio: "normalista", porque andava com uma pastinha decorada com clipes ou papeizinhos coloridos, uma cor para cada assunto. Itaipu, vermelho... Código Florestal, verde...

Dilma e Gleisi se conheceram em 2002, na equipe de transição do tucano Fernando Henrique Cardoso para o petista Lula. Dilma assumiu o Ministério de Minas e Energia, e Gleisi foi para a Itaipu Binacional.

"Eu achava bárbaro quando ela [Dilma] falava. Tão inteligente, tão clara, num assunto de uma complexidade imensa, num universo tão masculino", elogia Gleisi.

Quando Antonio Palocci caiu da Casa Civil por não explicar o fabuloso aumento de seu patrimônio em ano eleitoral, a melhor aposta era Paulo Bernardo, mas Dilma optou pela mulher dele. Foi assim que se instalou uma troica feminina no núcleo duro do governo: Dilma, Gleisi e Idely Salvatti, ministra da Articulação Política.

De homem, só sobrou o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. "O Gilbertinho vive dizendo que vai usar tranças!", conta, rindo.

O tempo é curto, e as manifestações de afeto e simpatia, contidas. Mas a presidente acaba de presentear os filhos de Gleisi com a cadelinha "Princesa", filhote do "Nego", cão labrador que José Dirceu, ao cair no "mensalão", deixou para Dilma junto com a residência oficial e a Casa Civil, ainda no governo Lula.

Depois de Dirceu, a cadeira ejetora da Casa Civil já atingiu Erenice Guerra e agora Palocci. Em 17 de junho, nove dias depois da sua posse, Gleisi chamou o padre Joaquim Parrom, do Paraná, para benzer o gabinete, de enormes vidraças que escancaram o horizonte de Brasília. Na mesa de trabalho, quatro imagens de Nossa Senhora.

Mal assumiu e já sofre constrangimentos por ter amigas lobistas muito desenvoltas e por sofrer ameaças veladas do PR a Paulo Bernardo.

Diz não ter medo. "Já vasculharam a nossa vida do Oiapoque ao Chuí. Tenho muita tranquilidade. É a história do barquinho da verdade..."

Gleisi usa roupas clássicas, de cores pesadas que não favorecem os olhos "verrrdes escuros", como diz, no seu sotaque paranaense. Dona Gêge reclama.

E os tiques? Desconversa: "É que usei lente de contato muito tempo, piscava muito. Aí, operei a miopia e acabou". Há controvérsias. Mas o que a aborrece é a insistência com que perguntam sobre plástica no nariz arrebitado: "Nunca fiz plástica e não aguento mais ficarem me perguntando".

Para conciliar poder, trabalho, críticas e família, acorda cedo, faz meditação, chega às 8h no Planalto, almoça discutindo questões de governo e só volta para casa à noite.

Na segunda, 25/07, discutiu portos, aeroportos, Previdência e Olimpíada. A agenda da semana previa 18 despachos e audiências.

"Nunca aprendi tanto", diz, animada. Seu cargo é o mais importante do governo, depois do de Dilma. Se já desabaram três ministros em uma década, quem resistiu virou... presidente da República.

*

Ministra luta contra "maldição" da cadeira ejetora

VERA MAGALHÃES
especial para a Serafina

Nos governos do PT, a Casa Civil tem sido um passaporte sem escalas ao paraíso e ao inferno da política. Se levou uma de suas ocupantes à Presidência sem nunca ter disputado uma eleição, incinerou dois políticos de primeira grandeza do PT e uma emergente saída da burocracia interna do partido.

Gleisi Hoffmann espera fazer valer o apelido de "Dilma da Dilma", seguindo a trajetória da presidente e antecessora no posto também na fortuna política.

Vários são os pontos de contato na trajetória de ambas a embasar a comparação e que permitem projetar sucesso eleitoral da ministra caso a "maldição" da pasta não se volte contra ela. Assim como Dilma, Gleisi ocupou postos técnicos na administração pública antes de disputar as primeiras eleições.

Ambas reverenciam a palavra "gestão" e são conhecidas por cobranças incisivas de seus auxiliares.

Se Lula fez de Dilma sua eleita e a profecia se cumpriu logo na primeira tentativa, Gleisi precisou de treino antes de ser eleita senadora. Perdeu para o Senado, em 2006, e para a Prefeitura de Curitiba, em 2008.

Graças à projeção alcançada com a surpreendente nomeação para a Casa Civil e à força-extra de ter o marido, Paulo Bernardo, à frente do Ministério das Comunicações, seu nome é considerado pule de dez na disputa pelo governo do Paraná em 2014.

E provoca calafrios no PSDB, que, a despeito da alta popularidade do governador Beto Richa, reconhece a força ascendente da petista na política local.

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