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07/10/2011 - 14h39

Grupo de ativistas vai ao polo Norte fazer escultura gigante

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CLAUDIO ANGELO
DO ÁRTICO

É uma e meia da madrugada, o Sol está alto no céu e quem tenta ficar em pé no navio Arctic Sunrise passa aperto: placas de gelo se chocam contra o casco, tirando o equilíbrio dos notívagos e lembrando-lhes de que, apesar da claridade, é hora de dormir.

Lá fora o que se vê é uma imensidão branca e turquesa sulcada por muito poucas passagens de mar aberto. Ao pequeno barco do Greenpeace só resta fazer aquilo para que ele foi projetado: quebrar gelo. Estamos no oceano Ártico, a 81 graus de latitude e 970 km do polo Norte. E o oceano Ártico no verão é assim: permanentemente congelado. Pelo menos por enquanto.

O Arctic Sunrise havia partido três dias antes do arquipélago de Svalbard, na Noruega, o ponto mais ao norte habitado do planeta, que tem mais ursos polares do que gente -- são 3.000 animais e 2.000 pessoas. A missão do navio era documentar a redução do gelo marinho no Ártico, que neste ano chegou à sua segunda menor extensão já registrada desde que as medições por satélite começaram, nos anos 1970.

Dessa vez, porém, o registro seria feito não por instrumentos científicos, mas por uma ferramenta incomum: arte. A ideia era instalar uma escultura gigante numa placa de gelo para alertar o mundo dos perigos da mudança climática. A tarefa foi encomendada ao americano John Quigley, especialista em obras de grande escala que só podem ser vistas do alto.

Nick Cobbing/Greenpeace
Reprodução do "Homem Vitruviano", de da Vinci, feita de cobre em placa de gelo no Ártico
Reprodução do "Homem Vitruviano", de da Vinci, feita de cobre em placa de gelo no Ártico

O plano do artista era fazer uma reprodução de 100 metros de comprimento do "Homem Vitruviano", o desenho de Leonardo da Vinci que mostra o corpo humano em duas posições sobrepostas. A obra seria feita com meia tonelada de folhas de cobre ("é o material usado em painéis solares", frisa Quigley). Teria um pedaço do corpo faltando, para simbolizar o derretimento polar.

"Dez anos atrás seria uma imagem completa", explica ele. "Para mim, isso é uma forma de testemunhar que nós atingimos uma era de consequências. A mudança climática não é só questão do derretimento do gelo e da sobrevivência dos ursos polares. Ela está carcomendo a civilização. É como se fosse o fim de da Vinci."

Além do escultor, outros artistas também se aventuraram no Ártico. O mais ilustre deles foi o escritor britânico Ian McEwan, que ficou seis dias preso no gelo, em 2005. Seu último livro, "Solar" (2010), um romance irônico e pessimista sobre o aquecimento global, gira em torno de uma viagem a Svalbard na qual o físico Michael Beard, protagonista da trama, se vê confinado num barco com um bando de artistas. A confusão a bordo faz com que ele chegue a uma conclusão sombria sobre o futuro da humanidade.

Mas Quigley, ao contrário, tem otimismo no sangue. O artista americano é sobrinho de Eugene McCarthy, que foi candidato à Presidência dos EUA em 1968 com um discurso contra a Guerra do Vietnã.

Aos oito anos, John já participava de manifestações pela paz em Washington. Aos 30, trabalhando com ONGs ambientalistas, envolveu-se na organização da Eco-92, no Rio.

"Foi meu Woodstock", ri. E se prepara para voltar à cidade em 2012, para a Rio + 20.

Aos 51 anos, Quigley preserva a essência do hippie tardio. Abusa de expressões como "equilíbrio", "revolução" e "reconectar com a natureza", e me tachou de pessimista quando eu lhe disse que nunca houve um contexto político e econômico tão desfavorável a um acordo global contra emissões de CO2 como agora. Nem um ataque de trinta-réis-do-ártico (uma ave que migra da Antártida para chocar seu único ovo em Svalbard no verão e odeia intrusos) conseguiu quebrar-lhe o romantismo com a "natureza".

TELA FINA

O zelo materno dos trinta-réis, porém, é fichinha perto do desafio logístico de fazer uma escultura gigante no meio do nada, a mais de 250 km do fim da civilização.

Primeiro,é necessário achar o pedaço certo de mar congelado -grande e firme o bastante para acomodar 18 pessoas e um da Vinci. E esse artigo anda escasso.

Foram necessários três dias de viagem. A demora se deveu em parte ao fato de que o gelo marinho não só tem encolhido em área como também está cada vez mais fino.

As placas que se formam no inverno pelo congelamento do mar e acúmulo de neve tendem a derreter no verão do mesmo ano, e a banquisa grossa, que sobrevive por três anos ou mais, tem declinado a uma velocidade maior do que o previsto no início da década.

Estima-se que o polo Norte possa estar totalmente sem gelo no verão em meados deste século.

O resultado mais visível da redução do gelo é uma explosão na navegação no oceano Ártico. A mítica Passagem Noroeste, um atalho entre a Europa e a Ásia através do Canadá até recentemente impraticável (o norueguês Roald Amundsen, primeiro a cruzá-la, em 1906, levou dois anos e meio na empreitada), abriu-se pela primeira vez em 2007, e novamente no ano passado e neste ano.

Ela havia sido atravessada por apenas 12 navios em toda a história até 1969. Em 2010 eram 200, incluindo o primeiro serviço comercial, de dois navios de carga da empresa alemã Beluga Shipping, em 2009.

O degelo expõe não só rotas de navegação mais curtas, como também riquezas minerais no subsolo do Ártico. Os países circumpolares têm projetos de exploração de petróleo e de minérios na bacia. A Rússia construiu a primeira plataforma de petróleo resistente a gelo. O Greenpeace propõe que o limite médio do gelo ártico seja declarado área de preservação e pesquisa, nos moldes do que ocorreu com a Antártida em 1991. Mas antes é preciso, literalmente, combinar com os russos --que recentemente declararam o polo Norte como sua propriedade.

CUIDADO COM O URSO

Encontrada a placa ideal, Quigley começou a brigar com três outros elementos: o relógio, a meteorologia e os ursos.

Sim, ursos. Em Svalbard, é preciso estar preparado para um encontro com um urso polar a qualquer momento. O maior predador terrestre corre a 30 km/h, mais do que um ser humano, é excelente nadador e sabe se esconder.

Para evitar acidentes graves, o Greenpeace deixou de lado o pacifismo por um momento e contratou um segurança armado, o ex-militar dinamarquês David Klemmensen. Apelidado de "Mister Happy", Klemmensen ficava de binóculos e fuzil no alto do convés olhando o horizonte enquanto as pessoas trabalhavam no gelo. Todos os 28 tripulantes tiveram de passar por um cursinho de segurança "antiurso". As instruções eram simples: "Fiquem juntos. Se virem um urso, fiquem calmos e não corram. Se você correr, o urso vai pensar, 'hum, comida!' E o último a entrar no navio feche a porta".

É uma sensação estranha estar lá fora e imaginar um predador de 500 kg à espreita na placa de gelo vizinha. "Você se sente um pouco como presa", definiu Quigley.

Uma mãe urso e um filhote apareceram na semana seguinte ao meu dsembarque, atraídos pelo cheiro da cozinha do navio. Nossa única companhia constante eram as gaivotas-marfim e uma ou outra foca curiosa que surgia na água e monitorava os bípedes coloridos por alguns segundos.

Apesar do frio ocasional e do vento que levou a sensação térmica a doídos -20° C num dia, o predomínio era de temperaturas positivas, o que trazia outro problema logístico: a "tela" do "Homem Vitruviano" estava em derretimento acelerado. A cada manhã, as poças azul-turquesa formadas pelo degelo na superfície da placa cresciam e suas rachaduras aumentavam.

No fim das contas, eu mesmo entrei na roda e resolvi dar uma mão ao artista e à tripulação do Arctic Sunrise: alistei-me para prender as folhas de cobre sobre o esboço gigante feito por Quigley. E não queira saber que pedaço da anatomia do "Homem Vitruviano" coube a mim, ao marinheiro argentino Jorge Punzi e à oficial australiana Danielle McCarthy.

Ao me ver de joelhos no gelo dobrando folhas de cobre, Quigley não perdeu a chance de alfinetar: "Ah! Vejo um otimismo latente no seu engajamento em uma função criativa!" "E eu vejo um monte de trabalho manual", devolvi.

O planeta não foi salvo pela obra. Mas que da Vinci ficaria impressionado, isso ficaria.

*

Climagate

Nem todo mundo acredita no aquecimento polar. Alguém está muito errado

No final deste ano, representantes de 190 países se reúnem em Durban, África do Sul, para tentar fechar um acordo internacional para cortar emissões de gás carbônico. A iniciativa, porém, tem tudo para fracassar, por dois motivos: a crise econômica global e os renovados ataques à ciência do clima pelo lobby da energia suja.

Os chamados "céticos" climáticos -um punhado de cientistas em geral financiados pela indústria do petróleo e do carvão- conseguiram, nos últimos dois anos, plantar a semente da dúvida sobre o aquecimento global, principalmente nos EUA e no Reino Unido.

A premissa é verdadeira -a ciência do clima é incerta e é muito difícil prever os impactos reais do aquecimento no longo prazo-, mas não a conclusão de que o problema não existe, ou de que os humanos não têm responsabilidade por ele.

Muito menos a especulação, que dá conta de que as variações climáticas são naturais e de que os 2.000 cientistas do IPCC, o painel do clima da ONU, fazem parte de uma conspiração anticapitalista que esconde dados contrários à sua "crença".

As evidências apontam em outro sentido. E o maior conjunto de evidências está no Ártico: não só o gelo marinho tem declinado (e mais depressa do que o IPCC previu), como as geleiras da Groenlândia, do Canadá e de Svalbard também têm encolhido em ritmo acelerado.

O impacto do degelo na elevação do nível do mar, porém, depende do que acontecerá na Antártida, continente onde fica o polo Sul, que concentra 80% do gelo da Terra.

A parte oeste da Antártida está derretendo a olhos vistos, mas o leste parece estar "engordando". Na média, ainda é incerto quanto o continente está perdendo.

"Uma coisa a Antártida não está fazendo: ganhando volume", diz o glaciologista Jack Kohler, do Instituto Polar da Noruega.

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