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18/12/2011 - 11h14

Florence conta como mistura vampiros e poesia para fazer música

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FERNANDA EZABELLA
DE SAN DIEGO

O barulho dos balangandãs de Florence Welch me faz voltar à realidade. A inglesa de cabelos ruivos e pele branquíssima, líder da banda Florence + the Machine, fala com entusiasmo sobre arte renascentista e temas góticos, ideias que permeiam suas músicas, como fantasmas e catedrais.

Sua voz é um sussurro que me leva a outro lugar que não este camarim desarrumado, cheio de malas abertas e vestidos pendurados, nos fundos de um auditório em San Diego, Califórnia. Flo, como é chamada pelos amigos, aguarda a sua vez de entrar no palco.

Rankin/.
A cantora e compositora inglesa Florence Welch, que se apresenta no Brasil em janeiro
A cantora e compositora inglesa Florence Welch, que se apresenta no Brasil em janeiro

"Procuro a catarse, quero ser atingida no estômago, quero ser chocada," diz a cantora e compositora de 25 anos. A pulseira chama a atenção pelo barulho, e noto seus dedos cheios de anéis e as unhas cor de vinho, mesmo tom de seu jeans boca de sino e de seu chapéu.

"Não sou religiosa. Mas busco o momento de transcender. Para mim, acontece no palco."

A londrina estourou na cena musical nos últimos três anos, antes mesmo de ter um disco pronto, graças a sua presença de cena quase mística, aliada a uma voz poderosa, pernas longuíssimas e vestidos esvoaçantes. Virou ícone fashion e recentemente deixou de fazer shows de abertura para bandas indies, como MGMT, para aquecer as plateias gigantescas do U2.

Seu hit mais conhecido é a empolgante "Dog Days Are Over", do disco "Lungs", de 2009. É uma exceção em um álbum cheio de baladas e letras fantasiosas. No novo trabalho, "Ceremonials", lançado em novembro direto no topo das paradas britânicas, há poucas canções animadas, como "Shake it Out", em cujo videoclipe ela aparece dançando como que possuída, de tomara que caia vermelho num baile de máscaras. Em "No Light No Light", outro single, coroinhas cantam numa igreja, enquanto um homem negro faz um ritual de vodu.

VAMPIROS E POESIA

"Acho que os demônios estão em mim, sabe? São erros, arrependimentos. Tento descobrir que tipo de pessoa eu sou, qual meu senso de moral. Sou muito dura comigo mesma, fico dividida entre ser uma exibicionista ou uma tímida", ela diz, com os olhos verdes acinzentados voltados para o chão.

"Tem a ver com meu signo, Virgem. Sou perfeccionista, tento fazer tudo certo. Por outro lado, tenho vontade de jogar tudo para o alto e encher a cara por três dias seguidos porque nada mais importa."

Ao contrário da persona que encarna no palco, grandiosa e sensual, Florence parece frágil encolhida no sofá de couro marrom do camarim. Seus gostos vão do refinado ao popular, e ela nunca soa esnobe.

Suas bebidas favoritas são tequila e champanhe, mas evita álcool nas turnês. "Tomei meu último porre em casa, há três semanas." Ela ainda mora em Londres com a mãe, dorme no mesmo quarto desde os 13 anos. As turnês não lhe dão folga para procurar uma nova casa.

Mas sempre tem tempo para as poesias do americano John Berryman (1914-1972) e do anglo-americano Thom Gunn (1929-2004), e devorou os livros da saga "Crepúsculo", da americana Stephenie Meyer. "Gosto do romance e da fantasia dos vampiros", explica Florence, que frequentava cemitérios quando adolescente e pintava cruzes em cima da cama.

Pergunto o que lê agora. Ela abre uma mala no chão. Está descalça e as unhas dos pés estão vermelhas, mesma cor do batom. Mostra um livro sobre pinturas do século 15, uma coletânea de HQs "Ghost World" e um volume de 700 páginas chamado "A História do Mundo em 100 Objetos".

"Não estou lendo ficção agora. Já fico bastante ocupada fazendo cópias toscas destas pinturas antigas", comenta.

CANÇÕES MÁGICAS

Florence largou a faculdade para trabalhar em bares e cantar na noite de Londres. Mais velha de três irmãos, era ela quem controlava o rádio do carro e implorava para ver musicais e filmes da Disney. "Cantava o tempo todo, mesmo quando não devia. Na classe, em casa, o tempo todo me mandavam calar a boca", diz, rindo. Disléxica, era ruim de matemática, mas sempre se lembrava das canções.

O grupo que a acompanha hoje, a tal Machine, costuma variar seus músicos e sempre conta com uma harpa.

Florence gosta de compor em parcerias porque se distrai muito facilmente. "Coloco as ideias lado a lado, é um tipo de poesia", diz ela sobre seu processo criativo. "As palavras mais aleatórias possíveis podem ficar mágicas em uma canção. Depende do jeito de cantar."

A artista diz que é muito influenciada por Stevie Nicks e Siouxsie Sioux e que sua música deve muito ao soul. Cresceu ouvindo Billie Holiday, ama Otis Redding e Marvin Gaye.

Mas fecha os olhos e canta junto quando Noel Gallagher embala "Don't Look Back in Anger" no auditório lotado de San Diego, no festival do qual será a atração final, em poucas horas. Ela separa um vestido vermelho de mangas esvoaçantes e explica a escolha: "É Natal".

Em janeiro, vem ao Brasil com sua banda se apresentar no festival Summer Soul, em São Paulo, Rio e Florianópolis. "Quero explorar tudo. E subir até o grande Jesus Cristo."

Se for parecido com o show em San Diego, o público pode esperar uma boa mistura dos dois discos, cerca de dez canções em pouco mais de uma hora. Ela abre com "Only if for a Night", primeira de "Ceremonials", depois manda "Seven Devils" e "Cosmic Love", agarrada ao microfone. "Dog Days Are Over" chega no meio da apresentação, quando rodopia e salta, loucona, pelo palco.

Florence diz que quer dar algo de especial ao Brasil, mas foge dos detalhes. As roupas, claro, vai escolher na hora.

Ela estará no mesmo evento que trouxe a conterrânea Amy Winehouse (1983-2011) ao país neste ano. As duas não se conheceram, mas dividiam o mesmo estilo de bebedeiras monumentais e corações partidos como inspiração.

Boa parte das músicas de "Lungs" foi feita quando a cantora entrou em depressão ao se separar do então namorado, o editor literário inglês Stuart Hammond. Já "Ceremonials" surgiu na esteira de outra separação do mesmo namorado, após mais quatro anos juntos.

"Há muita confissão neste novo trabalho, acho que estava atrás de absolvição, de entendimento. É uma batalha entre a luz e as trevas", explica, evitando falar sobre o ex.

MUSA

O cabelo ruivo (ela é originalmente morena) e as roupas dramáticas fizeram com que fosse adotada pelo mundo da moda. No começo, suas roupas de turnê eram assinadas pela rede de "fast fashion" londrina Topshop. Neste ano, foi a grife italiana Gucci que a vestiu.

Em outubro, cantou no desfile da Chanel, na semana de moda de Paris, e saiu da passarela de braços dados com o diretor criativo Karl Lagerfeld.

"Foi estressante", diz sobre a experiência, em que surgiu de dentro de uma concha branca para cantar "What the Water Gave Me", uma canção lenta e hipnotizante, cujo título homenageia a pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954) e cujos versos fazem referência ao suicídio da escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941).

Sua pegada fantástica e a presença na moda criaram comparações com a americana Lady Gaga. "Adoro a música teatral dela. Suas roupas são entretenimento, não? Ela é muito punk", diz.

Florence trabalha com a stylist Aldene Johnson, editora de moda da revista "Vice" na Inglaterra. "No palco, é sempre uma bruxa branca, etérea ou um personagem vamp, dark e sexy", disse Aldene para o jornal "The New York Times". "No tapete vermelho, só clássico e glamour, nunca trashy."

E ela odeia roupas casuais. "Quero que todos os momentos sejam especiais", diz, com uma blusa de manga comprida abotoada até o meio do pescoço. "Se me vestisse como se estivesse o tempo todo num aeroporto, acho que me mataria", exagera, teatralmente.

*

Os sons e a fúria
LÚCIO RIBEIRO
COLUNISTA DA FOLHA

Existe uma dezena de razões para admirar Florence Welch, a voz e a alma da banda Florence + the Machine.

Se você gosta de rock independente e andou observando a cena nos últimos dois, três anos, a ruiva é o furacão sonoro que entrou no mundo das paradas britânicas com personalidade.

Primeiro com dois singles ("Kiss with a Fist" e principalmente "Dog Days Are Over") e depois com dois álbuns ("Lungs", 2009, e "Cerimonials", 2011). Foi bem nos EUA, arrebentou em downloads, gravou e participou de discos de gente importante, ganhou prêmios, se apresentou no "Saturday Night Live", tocou no David Letterman.

Se seu negócio são "vozes femininas", ela é uma versão destemperada de PJ Harvey. E nunca fez feio no clube de cantoras inglesas que marcou o pop da metade da década passada para cá e que enfileira prestigiosas "chanteuses" como Amy Winehouse, Lily Allen, Adele, Kate Nash.

Sua voz é pop, mas pode ir do barroco à renascença na mesma música. Seu estilo vai do flamenco ao dark. Florence grita e sussura, enlouquece e tranquiliza. Deve ser algum poder subliminar feminino que nem todos os radares masculinos captam, mas o fato é que as meninas perdem o controle quando toca Florence + the Machine. Nas pistas ou nos shows.

Seu cabelo "ruivo artístico" é o mais copiado do momento, estilistas botam suas músicas em desfiles, ela mesma aparece como modelo.

Ninguém deve ter feito a estatística, mas Florence deve ser a cantora que mais apareceu em seriados da TV americana nos últimos anos, de "Glee" a "Gossip Girl".

No cinema, em trailers ou em trilhas, emprestou a voz a vários filmes. Em megafestivais internacionais, como Coachella e Glastonbury, incluindo um evento "indie natalino" recente em Los Angeles, ela tem marcado presença.

O estilo variado a puxa para tantos lados que Florence cabe perfeitamente até num festival de soul music no Brasil, como o que a traz para cá em janeiro. A hora dela é esta.

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