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01/07/2011 - 17h11

"Preciso provar que sou capaz de fazer teatro", diz Maria Flor

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FABRÍCIO CORSALETTI
DE LONDRES

Carlos Drummond de Andrade não se conteve quando soube que a filha de Márcia Leite, jornalista que o entrevistava por conta do lançamento de "Amar se Aprende Amando", em 1985, chamava-se Maria Flor: "Que nome bonito! É tão brasileiro!".

Na época, Maria Flor era apenas uma criança, mas hoje gosta de relembrar a história. "As pessoas pensam que é um nome hippie. Não é. Só o Drummond entendeu."

Coincidência ou não, a bênção do maior poeta do Brasil surtiu efeito: o nome "Maria Flor" consta do elenco de pelo menos uma dezena dos filmes nacionais produzidos de 2004 para cá --sem falar na minissérie "Som & Fúria", no seriado "Aline" e em três novelas da Globo.

Para aumentar a lista, nos próximos meses estreiam "Xingu", de Cao Hamburguer, no qual Flor é Marina Villas-Bôas, mulher do sertanista Orlando Villas-Bôas, e "360", de Fernando Meirelles, em que interpreta uma jovem brasileira que vive em Londres com o namorado fotógrafo.

SEGUNDA CIDADE

Londres, onde a encontro, é sua segunda cidade. "A primeira é o Rio, né?", diz essa carioca de 27 anos, brincos de estrela cadente, matando a deliciosa cerveja de um pub de paredes roxas e luz caramelo a duas quadras do Hyde Park.

"Vim a Londres pela primeira vez para comemorar meu aniversário de 14 anos. Venho sempre que posso. Tenho amigos aqui. Me sinto em casa."

Dessa vez, a temporada londrina está durando. Flor está na cidade desde março, quando chegou para as filmagens de "360". O trabalho acabou, mas ela permaneceu para curtir umas férias e fazer contato com diretores de casting & outras figuras do cinema internacional.

Carol Sachs/Folhapress
A atriz Maria Flor em Londres, onde está passando temporada em ensaio para a Serafina
A atriz Maria Flor em Londres, onde está passando temporada, em ensaio para a Serafina

O set de "360" a impressionou pela organização. "Nunca tinha participado de uma superprodução dessas. Achei surpreendente a concentração dos profissionais."

A tranquilidade do diretor Fernando Meirelles tampouco lhe passou despercebida. "Ele é um ser único, que acolhe as pessoas, transmite calma e segurança."

No longa, falado em sete línguas e rodado em vários países, Laura, a personagem de Flor, ao descobrir que é traída pelo namorado, foge de casa e, em seu caminho, conhece o personagem de Anthony Hopkins, com quem trava uma amizade profunda, transformadora. "Acho que é um filme sobre escolhas, sobre como uma decisão que você toma pode mudar sua vida."

Trabalhar com o ator britânico (além de Hopkins, estão em "360" Jude Law e Rachel Weisz, mas Flor não contracena com eles) não se mostrou, como ela temia, uma experiência complicada. Pelo contrário. "Ele é um gigante, eu estava insegura. Mas atuar é assim: se o cara te entrega a bola na verdade, você devolve na verdade. Foi incrível", confessa feliz.

SEM MEDO

Admiradora de John Cassavetes e Woody Allen, leitora de Saramago e fã das bandas Radiohead e Hot Chip, Flor já estudou balé, faz aula de canto de tempos em tempos e durante toda a infância disse que se tornaria atriz. A estreia no cinema se deu em "O Diabo a Quatro", de Alice de Andrade, em 2004. Tinha 18 anos.

Embora se considere uma pessoa do cinema, também gosta de fazer novelas. "Me divirto durante os meses de gravação e acredito que o trabalho diário dá velocidade de pensamento para o ator. Por outro lado, eu não emendaria uma novela na outra. Isso pode levar a uma perda de qualidade."

Entre as atrizes brasileiras em quem se espelha estão Irene Ravache, Andréa Beltrão ("grande amiga") e Marieta Severo. Fora do Brasil, tem adoração por Gena Rowlands, Cate Blanchett e Kate Winslet.

A carreira bem-sucedida nas telas não a livra, no entanto, da culpa de nunca ter feito teatro. "Adoro o intimismo dos palcos e um dia terei que saldar essa dívida comigo. Preciso provar a mim mesma que sou capaz. Medo eu não tenho", avisa.

A julgar pelas personagens que viveu até agora, ousadia não lhe falta. Algumas são brutas, como a Deise de "A Suprema Felicidade", de Arnaldo Jabor. Outras, pura delicadeza, como a Violeta de "O Bem Amado", de Guel Arraes. Mas imagina que seu destino esteja nos papéis com alguma ternura. "Talvez por eu ser magrinha", diz, ajeitando o casaco de malha dourado sobre o ombro.

Saindo do pub, pegamos o metrô e, numa galeria de arte, nos juntamos a um grupo de amigos dela, que nos levam para o restaurante do St. John Hotel, onde devoramos um banquete (e gastamos os tubos) - e fechamos a noite.

METAMORFOSE

No dia seguinte, encontro Maria Flor e a fotógrafa Carol Sachs para acompanhar a sessão de fotos. Estamos no apartamento de Flor e, enquanto esta é maquiada, Carol me conta da sua adolescência em Curitiba.

Quando a sessão de fotos começa, testemunho uma metamorfose. A mulher sutil que entrevistei na tarde anterior desaparece e em seu lugar surge a Atriz -que ri e brinca na frente da câmera. Põe a mão na cintura, joga a cabeça para trás. Sobe na mureta do terraço e caminha, com um sapato preto Prada de salto alto, como que sobre um abismo.

E não só. De repente, ameaça levantar, marilyn-monroenamente, a saia vermelha -e bota um chapéu anos 70 em cima do cabelo glorioso. De camisa marfim, contrasta com o escuro dos tijolos dos prédios que a rodeiam. Ela corre e para. Dança. Canta Nelson Cavaquinho: "O sol há de brilhar mais uma vez...".

Finda a trabalheira, entramos num pub que, se entendi direito, é ou era frequentado por Amy Winehouse. Brindamos ao fim da primavera na Europa e, para minha surpresa, Maria Flor confessa que não gosta muito de ser fotografada. Carol mostra, no visor de sua câmera, algumas das fotos feitas nas últimas horas. Flor sorri com certa melancolia e admite: "Essas ficaram boas".

Antes de me despedir, minha entrevistada sugere que eu escreva o que quiser na matéria. "Pode até me fazer dizer frases que eu não disse." Explico que tenho que ser fiel aos fatos, mas vou embora pensando no que eu poderia inventar. Quase nada, concluo. Às vezes a realidade basta.

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