'A cota é passar pra frente o que quero que passem pra mim', afirma Amiri

Amiri é o nome artístico de David Nascimento dos Santos. Aos 25 anos de idade, o paulistano do Butantã é um dos nomes da nova geração do rap nacional.

Em janeiro, o rapper lançou gratuitamente na internet a mixtape "Antes, Depois", uma compilação de músicas, versões e remixes que não fizeram parte dos trabalhos anteriores e não farão parte do próximo.

"Antes, depois porque começa com as músicas mais antigas e terminam com as mais recentes", o próprio explica na introdução do trabalho.

"Pesadão igual inox", a língua afiada e bastante ágil do jovem fez seu debute solo em 2012, com a coletânea "Êta Porra".

Leia abaixo a entrevista com Amiri, que passa "amor pra plateia como Frank Sinatra, mas se preciso direto na ideia igual funk do Catra", como avisa e deixa claro em rima na faixa "A o Quê?".

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sãopaulo - O que te levou a começar a fazer rap?
Amiri - Muitos fatores, mas, a princípio, o maior deles, foi a identificação com cada artista dessa vertente que eu já conhecia e entendia de uma certa forma desde muito novo através do meu pai. Era nítido que todos eles eram como eu era, tinham o que eu tinha no que entendemos por "vida social" e, mesmo dentro das limitações impostas, faziam algo que eu sempre achei incrível: música negra. Depois da adolescência eu atribuí o que eu tinha por necessidade, não só de expressar, mas também o que achava que quem fosse acessar e consumir minha música tinha que escutar.

Como você descreve o seu estilo? Saberia fazê-lo?
Sempre quis aprender com quem se importa mais com o que dizer do que como dizer nas letras. Logo, acrescentei isso a mim quanto a criar. Explorei bastante isso, a ponto de fazer parte de como minhas letras saem, junto a outras coisas que me chamavam atenção. Por exemplo: esquema de rimas.

O que acha da cena hip-hop brasileira atual?
Tem muitos artistas talentosos, e esses estão caminhando juntos, do lado, somando, conquistando aos poucos. O certo é o certo, é certo que há de se colher o que planta.

Está mais fácil ser rapper atualmente?
Depende de muita coisa. Tem muito valor que não pode ser esquecido no hip-hop. Acho que pra quem não se preocupa ou se atenta à esses valores, tradicionais até, tá fácil. Porém, felizmente hoje tem mais recursos. Me identifico com quem os usa em prol de algo maior que nós.

Há alguma mensagem que deva ser transmitida pelo rap atual?
Não sei de uma em específico. Sei que tudo exige um esforço na caminhada. Cada um vem com sua bagagem, essa que vira a visão que cada um(a) passa nas letras e na conduta. É o mais importante.

O que os Racionais MC's representam pra você?
Representam muita coisa. É muita ideia quente passada, né? Nesses 25 anos e desde o início. Os Racionais mostraram coisa o suficiente a ponto de nós mesmos começarmos a fazer a nossa, agregar positivamente na caminhada da cena.

Ainda há espaço para um rap como os Racionais fizeram até 12 anos atrás [ano de lançamento de "Nada Como um Dia Após o Outro Dia"]?
Por enquanto se faz sim necessário que seja passada bastante visão orgânica igual à desse disco. Ainda mais que comunica dessa forma, tão contemporânea, sem se desconectar da raiz da tradição do rap em si. Tem quem tenha feito, mesmo sem o mesmo alcance. Mas tem, felizmente. A luta segue.

O que você sonhava quando começou? E o que você sonha agora?
Quando comecei, novão, imaturo, sonhava sozinho com algo que até já conquistei: reconhecimento. Independente de mínimo ou máximo, existe. Diante a minha concepção de o que é sucesso, tô firmão. Agora eu me vejo como portal de uma realidade que está bem além de mim/nós. Exige no mínimo maturidade de verdade.

O que te angustiava no começo? E o que te angustia agora?
Não ter como fazer com que escutassem minha música. Era bem egoico, pessoal mesmo –eu era novão. A cota hoje é passar pra frente o que quero que passem pra mim/nós. Somar pelo certo, assim não sobra angústia.

De onde tem saído os novos MCs?
Quando eu recomecei, em 2009, percebi que as batalhas de MC's viraram um grande berço. Percebo que ainda são, elas e os eventos que acontecem. Mas não acho que tem um lugar específico também. O hip-hop é tocante mesmo.

Como você descreve a cena do hip-hop brasileiro 25 anos depois do surgimento do Racionais MCs?
Felizmente tem muita gente se dedicando a fazer o hip-hop crescer e se fortificar cada vez mais. Geralmente a gente dá mais atenção ao rap que ao hip-hop em si. Acho que isso fragmenta um pouco, logo eu vejo que falta um pouco mais de tratamento pro hip-hop como um todo.

O que de mais importante aconteceu na cena do rap nos últimos tempos –por exemplo esses 12 anos em que os Racionais não lançavam CD?
Muita coisa importante aconteceu, não sei nivelar. Muita coisa que muita gente não viu, mas aconteceu. Acho muito positivo o que percebo no sentido de a gente estar se descobrindo criativamente cada vez mais. Sempre tivemos o rap norte-americano como referência, e eu percebo que temos no mínimo tanto potencial quanto. A cara é continuar aproveitando da melhor forma possível tudo o que se fez recurso, e as mulheres somando cada vez mais, a gente se precisa. Paz.

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