Delícias & Guloseimas 2014

Food trucks e feiras mudam tradição que existe em SP há quase 200 anos

Há quase 200 anos, no largo São Francisco, quitandeiras vendiam formiga-içá torrada e bolinhos de peixes pescados no rio Tamanduateí.

Quem conta é o professor de história da gastronomia do Senac João Luiz Máximo, 47. "A comida de rua sempre existiu. Agora, joga-se luz num tema que estava negligenciado", afirma.

De lá pra cá, o paulistano acostumou-se: coco gelado na rua, pastel na feira, lanche de pernil no estádio.

Ainda que sempre presente, uma nova corrente rueira ronda a cidade. Em 2012, aconteceu O Mercado, onde chefs serviram suas especialidades em barracas. Um mês depois, o Chefs na Rua teve até Alex Atala com sua galinhada no Minhocão. Faltou frango, o chef foi vaiado.

Os eventos seguiram em 2013, a comida de rua foi legalizada com apoio popular, e os chefs, além das barracas, atacaram de food truck —versões modernas das vans de cachorro-quente—, tendência nos EUA e na Europa pós-crise de 2008.

O resultado, viu-se nos últimos 12 meses, foi o surgimento de pelo menos dez feiras fixas de comida de rua em São Paulo e mais de 80 food trucks.

O presidente da Associação Paulistana de Comida de Rua, Rolando Vanucci, 53, que organiza um dos novos eventos, o Pátio Gastronômico, na zona norte, e desde 2007 vende massa em uma Kombi, prevê que até o fim deste ano serão cerca de cem veículos em funcionamento.

"Mas vai estourar mesmo em 2015. Vai chegar a 500 carros."

"Investi R$ 40 mil na adaptação de uma Kombi. Recuperei tudo em três meses. O segundo furgão deve estar nas ruas em dezembro", conta Lucas Omelczuk, 23, do The Asian Father.

O valor do investimento tem despertado o interesse de novos empreendedores —embora o capital inicial de alguns tenha sido R$ 300 mil.

A maioria desses veículos para nos food parks, espaços que sediam boa parte das feiras. Os "truckeiros" —donos de food truck— pagam diárias que variam de R$ 100 a R$ 750, dependendo do dia e do evento.

O conceito é oferecer comida de rua mais variada, com toques gourmet e preços acessíveis (R$ 15, em média). A oferta é vasta: tem hambúrguer, ceviche, paella, massa, pizza, vinho, cerveja, bolo, suco, sorvete, milk-shake.

Num domingo movimentado, o Butantan Food Park —um dos maiores, com capacidade para 40 comerciantes— recebe até 9.000 pessoas e um food truck chega a faturar de R$ 9.000 a R$ 12 mil.

"Oferecemos a infraestrutura completa. Somos um porto seguro para quem está começando", afirma o organizador Maurício Schuartz, 32. "Os terrenos [alugados] em que faço os eventos são bolsões de especulação imobiliária. Os donos deles têm interesse em valorizar essas áreas", explica Schuartz.

Além do Butantan, Schuartz também toca a Feirinha Gastronômica Jardim das Perdizes, ambos programados até o fim do próximo ano.

"Essa onda está mudando a relação das pessoas com a comida e com o espaço público. Em 2015, vamos abrir um local em São Caetano. Também há interessados em eventos em Miami e em Lisboa", afirma Schuartz.

Caio de Sá, 39, que organiza o Panela na Rua, em frente à praça Benedito Calixto, diz que, por semana, de três a quatro novos food trucks o procuram. Depois do Carnaval, ele planeja abrir outro espaço.

Marcelo Chacon, 40, que faz o Festival de Comidinhas, nos Jardins, entende que haverá uma seleção natural desses eventos. "Nosso plano é ir mudando de bairro e apostar em programação mais diversa, com shows e exposições, além das comidas."

Arte

À RUA DE FATO

Depender dos food parks, no entanto, não é o modelo que querem seguir alguns "truckeiros".

"Ficar parado num mesmo lugar vai contra a filosofia dos food trucks. Temos que rodar, visitar ruas e bairros diferentes. Eventos em espaços fixos são legais, mas como nos EUA e na Europa, uma ou duas vezes na semana", opina Márcio Silva, 39, que, com Jorge Gonzalez, 37, tem o Buzina Food Truck, um dos pioneiros.

Embora comemorem a regulamentação da comida de rua, assinada em maio, a maioria dos comerciantes tem ressalvas quanto à lei, que determina que os pontos de parada sejam indicados pelas 32 subprefeituras.

Dos 1.136 pontos fixados (302 são destinados aos caminhões), apenas 27 já foram concedidos. "Muitos dos lugares não interessam, são periféricos", afirma Rolando Vanucci.

Autor do projeto, cujo texto original sofreu alguns vetos, o vereador Andrea Matarazzo (PSDB), 58, afirma que permitir que os "truckeiros" circulem livremente é impossível.

"Não teria como fiscalizar. No mundo todo é assim: o vendedor pode parar pela manhã num ponto, à tarde, em outro. Mas não ficar rodando", diz.

Matarazzo concorda, no entanto, que existem problemas na lei, mas espera que a prefeitura a atualize de acordo com o desenvolvimento do setor no próximo ano.

A melhor das expectativas é que com o diálogo entre food parks, food trucks e órgãos públicos, São Paulo siga o exemplo de cidades como Nova York, onde esses furgões já fazem parte da paisagem urbana.

Enquanto isso, os parks ganham terreno, e os trucks, vagas para estacionar. Para este mês, três espaços têm abertura prevista: Cenarium Gastronômico, Benê Food Park e Espaço Berrini.

Checho Gonzales, 48, um dos organizadores d'O Mercado, evento pioneiro da comida de rua, faz um alerta. "Não é fogo de palha, veio com força, mas tem muita coisa sem vergonha. As pessoas estão pagando caro porque é novidade. Depois, verão a burrice, e comida ruim não vai ter espaço. A maioria das feiras vai fechar e aos poucos, os vendedores ganharão as ruas. O mercado se regula."

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