Hamburguerias viram hit em SP e número de casas gourmet cresce 500%

Hambúrguer gourmet virou carne de vaca —moída e na chapa. Há dez anos, São Paulo contava com 50 restaurantes especializados em discos feitos de algum bicho ou simulações de carne (como a soja), servidos entre pães. Se você sair para jantar hoje, achará 287 hamburguerias, segundo levantamento feito pela consultoria Instituto Gastronomia.

A pesquisa, que exclui padarias e desconsidera redes com cinco ou mais unidades, mostra que esse tipo de restaurante foi o que mais cresceu na cidade: 575% em dez anos (o concorrente mais forte, as temakerias foram encaixadas na categoria sushi, que ficou em segundo lugar, com um aumento de 330%).

O fenômeno é novo a ponto do dicionário Houaiss não reconhecer a palavra hamburgueria. "Foi um boom, uma moda de uma hora para outra. O que temos observado nos últimos anos é uma multiplicação desse tipo de produto e uma sofisticação das casas", analisa Percival Maricato, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes.

Com a bonança aumentou também a diversidade dos pratos oferecidos. Entre os que podem ser encontrados na cidade estão hambúrguer de vitela, de lagosta, de shiitake, de pato, de foie gras e recheado de nachos.

O tutano reina sobre essa abundância. Casa que usa o ingrediente, o Z Deli Sandwich Shop ganhou o "Melhor de sãopaulo" do júri, na categoria hambúrguer. Por pouco o lugar não foi uma temakeria, conta o dono e chef Julio Raw, 25.

A família o aconselhava a fazer cones de peixe cru. "Achavam que dava mais dinheiro." Mas ele insistiu em sanduíches. Começou em 2011 com mais de 30 na carta, entre eles só um hambúrguer, que acabou representando 60% das vendas. Foi aí que ele começou a se especializar.

Tem hoje duas casas, uma em Pinheiros e outra nos Jardins, e cinco açougueiros que chegam à última de madrugada para cuidar das carnes. É a partir delas que ele faz discos altos, como o que serve sob nacos de medula óssea –instrui funcionários a dar um tapão em cima desse lanche, de R$ 28) para ele achatar e ir à boca sem deslocar os maxilares.

Já o chef Marcus Santander, 36, enveredou nesse modelo de negócio por razões de mercado. Tocava uma associação cultural onde cozinhava pratos ora básicos, ora complicados. Começou a fazer hambúrguer às sextas. "O lugar bombava nesse dia." Aceitou então a proposta de sócios (entre eles a do humorista Ronald Rios) e há dois meses abriu a M.A.S. na Vila Madalena.

"O mercado está saturado, sim. O diferencial é criar coisas novas", diz ele, com um quê de causa própria: a cada sexta-feira, inventa um novo hambúrguer no cardápio. Já houve o de porco com chutney (condimento de pimenta com fruta, popular na Índia) de abacaxi, outro recheado de nachos e um de pimenta com chocolate meio amargo e queijo cheddar.

Dono do General Prime Burger, Paulo Barros, 41, toca a lanchonete do Itaim Bibi do mesmo jeito que seus outros negócios, como o Pandoro e o Girarrosto. "Não deixa de ser um restaurante. A questão é ter os ingredientes e fornecedores certos."

E equipamentos que parecem ter saído do laboratório do Professor Pardal: Barros mandou fazer uma máquina moedora de carne que conta com um sistema de refrigeração por serpentinas d'água, parecido com um ar-condicionado, para manter seu "blend" (mistura) de carnes fresco. "Tem de estar a -4º C, senão oxida a gordura e muda a textura."

Além de permitir invencionices na cozinha, o prato também dá vazão à criação de variações mil. Como, por exemplo, uma receita que levava uísque. "Nasceu de uma ideia minha. O pessoal de marketing conseguiu fazer uma parceria com a Jack Daniel's." Foi dinheiro para ambas as partes.

A cada seis meses, conta, a casa lança novidades para manter o interesse do público. O próximo será um hambúrguer de 220 gramas, empanado na pimenta do reino, que virá a público nas próximas semanas.

AULA DE ALTA HAMBURGUERIA

O fetiche chegou à sala de aula. O curso de hambúrguer gourmet do Senac custa R$ 520 e oferece 20 horas de aulas de como moer, temperar, grelhar e montar sanduíches de uma dúzia de carnes diferentes.

Numa noite de quarta, 15 alunos faziam hambúrgueres de siri —obsessão dos personagens do desenho "Bob Esponja" que virou uma realidade na cozinha da escola na Aclimação após o sucesso do programa.

Alguns deles estavam lá por hobby. Outros, como Vinicius Alcântara, 29, estavam prontos para fazer da carne uma carreira. De analista de sistemas formado pela USP, ele quer passar a empresário gastronômico. "Ainda não posso dizer o modelo de negócio, mas é uma coisa nova com hambúrguer, que ainda não existe na cidade."

O colega de turma Paulo Marinho, 42, também está na iminência de abrir um estabelecimento, no Brás. Mas não vai levar as lições da alta gastronomia para o negócio: "Tenho um restaurante por quilo e a lanchonete vai ser mais simples, sem grandes sofisticações".

Não convidem para essa aula Paulo Yoller, 25, chef do Meats. "Não existe hambúrguer gourmet. É a mesma coisa que dizer que existe queijo quente gourmet. Pode ter preocupação com a qualidade da carne e do sal, mas é carne moída."

Yoller, que trabalhou no Fasano antes de se voltar para a gastronomia da chapa, sugere "artesanal" e "diferenciado" como substitutos para a palavra incômoda. "Sou péssimo para nomes." Mas é bom para negócio: o Meats abrirá a primeira filial nos próximos meses, no ponto da alameda Lorena onde funcionou até a última quarta (10) o finado Rockets.

Não é preciso ter renovação constante de cardápio para ter sucesso, ele garante. "Abri o restaurante há dois anos e só vou mudar o cardápio agora", diz ele, que obteve êxito com o lanche Rolezinho ("Era basicamente um cheese-bacon salada. Simples").

A moda atingiu mesmo quem nem hambúrguer comia. A chef Morena Leite, 34, começou a fazer a iguaria poucos anos depois de prová-la. Filha de antroposóficos —crença de que a alimentação influencia os aspectos físico, emocional e espiritual—, Morena não comeu hambúrguer até ter mais de 20 anos. "Provei e gostei."

Ela fez jejum profissional do prato por mais alguns anos até 2012. Convidada a participar de um festival de hambúrguer, topou sua primeira incursão, mas não cedeu às tentações da carne. "Optei fazer de camarão, lagosta ou banana, que têm mais a ver com meu tipo de comida."

Os sanduíches ficaram no cardápio do Capim Santo até abril e saíram por causa de uma renovação da carta. "Mas continuam uma febre nos casamentos em que cuido do bufê. E, se alguém ligar no restaurante com antecedência, acabo fazendo também."

O segredo para conseguir um bolo de carne de lagosta suculento, ensina, é picar o crustáceo na ponta da faca, "bem pedaçudo". Ela revela seu toque especial: usar uma clara para dar liga à massa.

BIG MAC CASEIRO

Nem tente perguntar o ingrediente secreto de Janaina Rueda, 39. A chef, que atende pela alcunha de Dona Onça no restaurante de mesmo nome, no térreo do edifício Copan, começará a vender hambúrguer no dia 22 de setembro. "Eu descobri o molho do Big Mac", diz ela, referindo-se ao carro-chefe do McDonald's.

Comprou mais de 20 Big Macs e, jura, ficou lambendo o molho até, dissecar com as papilas gustativas os ingredientes. Montou sua receita secreta, que custará R$ 24. "Acho que vai vender bem, tomara."

Caso venda, bom para ela: é um prato que dá bom lucro, quando vende. Um hambúrguer gourmet é vendido por até 300% do seu custo de produção, dizem empresários do setor.

O Sebrae estima que uma casa se pague entre um ano e meio e dois. A Hamburgueria Paulista, na rua Augusta, se pagou em menos de um ano, diz o chef Itamar Mattei, 35. Do mesmo grupo das churrascarias Bovinu's, a casa de lanches dá um lucro "quase igual" ao restaurante de carnes que ocupa o triplo do espaço.

O hambúrguer padrão do lugar custa R$ 20 e tem 220 gramas distribuídas num disco com diâmetro de 15 centímetros, maior que o pão. "O cliente sente a carne primeiro."

Mas, como os hambúrgueres costumam ter até 12 cm de uma borda a outra, Itamar teve de bolar uma máquina para cortar os megadiscos. Enquanto a geringonça não fica pronta, usam um tubo de PVC como molde.

Já o Roncador, casa na Santa Cecília, ainda não se pagou e não "tem ideia" de quando vai entrar no azul. Até quatro meses atrás, André Lee, 32, era intérprete de coreano. Hoje serve sete tipos de hambúrguer de fraldinha e um vegetariano, que tem como base cogumelos shiitake e shimeji. "Achei um aluguel barato, pertinho da Santa Casa e finalmente abri esse negócio. Ainda não sei se vai dar lucro."

Às vezes, o investimento passional não dá certo. Igor Puga, 35, há dois anos assistiu a um programa de TV que mostrava um método de preparo de hambúrguer com água em estado gasoso. Depois disso, fundou a Vapor, hamburgueria que não serve fritura e nem chapa tem.

Em janeiro vendeu sua parte e voltou a trabalhar com publicidade."A gente cometeu umas ingenuidades. A postura do cara que vai pra Vila Madalena não é a do cara que quer consumir hambúrguer, é outra coisa."

O Vapor segue aberto, agora tocado pelos donos do Jazz nos Fundos.

Enquanto o mercado borbulha de novidades, espaços clássicos paulistanos que servem o prato assistem a tudo sentados, comendo lanches imutáveis. Manoel Gomes, passou 20 dos seus 40 anos de idade atrás do balcão do Hambúrguer do Seu Oswaldo, no Ipiranga. De mudanças, viu só a introdução do cachorro-quente no cardápio. "De resto, é sempre tudo igual: o molho de tomate [sobre o x-salada de R$ 12] e o pão macio. E vai ser pra sempre."

Ouse aparecer no Hobby Burguer e perguntar quem é o chef da hamburgueria, numa esquina da rua Cardoso de Almeida, em Perdizes. Francisco Ferreira de Sena, 72, há 45 anos no ofício, vai te responder: "Aqui só tem chapeiro, meu filho. É só carne!"

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