Fotógrafo resgata imagens da infância em mostra grátis na DOC Galeria

Em 2010, motivado pela morte do pai, o fotógrafo Gilvan Barreto pôs em prática uma ideia antiga. Resgatou imagens da infância passada em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, e as atualizou seguindo as direções de um mapa peculiar: sua memória.

O resultado desse trabalho embasa o livro "Moscouzinho" (Tempo d'Imagem, 2012, 132 págs., R$ 60), cujo título cita a cidade natal de Barreto, assim apelidada por ter eleito o primeiro prefeito comunista do Brasil no final da década de 1940.

Desnuda-se também em "Arqueologia de Ficções", exposição que estampa parte daquelas imagens na DOC Galeria (região oeste de São Paulo). A mostra, gratuita, fica em cartaz até 29 de agosto, de segunda a sexta, das 10h às 13h e das 14h às 19h (informe-se sobre o evento ).

"Contar a história de Moscouzinho é mais que um antigo desejo. O livro é um estouro, um grito. Uma necessidade", explica Barreto. "Mas como fotografar a saudade?"

Para responder a própria pergunta, ele consultou álbuns familiares e órgãos militares e, inspirado na poesia soviética, produziu fotografias e fotocolagens que representam essas lembranças. "Nos arquivos do Dops me deparei com toda aquela ficção grotesca dos militares. Simbolicamente criei meus próprios documentos, a materialização de um território emocional", afirma.

Essas imagens sofreram intervenções causadas pela ação do tempo e também, em alguns casos, pela do próprio artista, por meio de desenhos e colagens, por exemplo. Ladeadas por retratos atuais da cidade, as obras transparecem poderosa carga emocional.

Barreto, que estudou jornalismo e atuou como fotojornalista por alguns anos, diz que começou sua pesquisa de maneira muito formal. "No meio do processo", contudo, "entendi que falaria sobre a minha Moscouzinho. A lembrança de uma criança que cresceu entre políticos da esquerda em plena ditadura."

Barreto, cujo pai, de quem herdou o nome, foi militante de esquerda, diz que sua fotografia "nasce entre o documento e o surreal". Ele cita como referências "a poesia soviética, as artes gráficas russas e 'Angústia', de Graciliano [Ramos]", e acrescenta que "o livro tem uma ligação incrível com a poesia de Siba em seu disco mais recente ('Avante', 2012)".

O fotógrafo, que prepara material para um novo livro –"sobre minha conexão com o mar como uma herança paterna"–, enviou por e-mail uma descrição própria para uma das imagens do livro que estão na mostra, intitulada "O Discurso" (na galeria acima). Confira a seguir.

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"'O Discurso' é a recriação de uma cena muito comum na minha infância. Aos cinco ou seis anos, no final dos anos 1970, eu costumava falar nos comícios da esquerda pernambucana. Provavelmente os 'discursos' eram no começo, no momento menos importante, mas lembro bem que meu pai ficava sempre ao meu lado incentivando. Assim como em diversas outras fotos de 'Moscouzinho', resolvi encenar isso.

A cena é totalmente 'analógica'. Meu filho, usando minhas roupas da época, discursa em cima de um caixote de madeira. Eu, pendurado numa árvore, faço o papel do meu pai. O menino discursa de mãos dadas com o pai morto, que flutua. Assim como nos quadros do pintor surrealista russo-francês Marc Chagall (1887-1985), perseguido por Stalin. É uma das fotos de que mais gosto."

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