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Novos meios de consumo
Nós não vamos pagar nada
Os músicos vão continuar milionários.De resto,tudo muda no mercado fonográfico depois da iniciativa da banda inglesa Radiohead de permitir o download gratuito de seu último trabalho
IVAN FINOTTI
EDITOR DO FOLHATEEN
Em editorial publicado no
domingo, o jornal "The New
York Times" classificou de revolucionária a tática da banda
inglesa Radiohead de disponibilizar seu último disco para
download pelo preço que você
quiser pagar. Não chega a tanto.
Só verdadeiros fãs -o que
equivale a dizer "pessoas sem
distanciamento crítico, de ingenuidade comovente e facilmente irritáveis"- para acreditar que a hipocrisia do Radiohead é mais do que um golpe de
mestre para ganhar dinheiro
imediato. E também de marketing, visto que foram parar até
no editorial do "NYT".
Mala direta
Segundo notícias da Inglaterra, a banda enviou 1,2 milhão de cópias de "In Rainbows" entre quinta-feira, dia 11
de outubro, e segunda-feira, 15.
Segundo pesquisa de um site
com 3.000 de seus leitores, o
preço médio pago de bom grado pelos fãs foi de 4 libras (cerca de R$ 16). O Radiohead ficou
R$ 20 milhões mais rico em
cinco dias -e, de lambuja, ganhou um arquivo detalhado de
fãs no mundo todo, incluindo a
informação de quanto eles estão dispostos a pagar (quanto
será que a banda U2 pagaria ao
Radiohead para ter acesso a essa mala direta?).
A pesquisa apontou que um
terço pagou zero (e aqui se inclui o Folhateen, que baixou a
obra para fazer uma crítica).
Uma proporção curiosamente
baixa, levando-se em conta que
há anos as pessoas baixam música na internet absolutamente
de graça -o que todas as gravadoras e muitas bandas ainda
consideram roubo.
Por que, então, as pessoas
pagaram ao Radiohead, se podiam não fazê-lo? Muita gente
diz o seguinte: "Acho justo". "É
o trabalho dos caras."
Sentimento de culpa
Mas existe outra forma de
encarar o fato. As pessoas -cadastradas, com nome, endereço, telefone etc.- se sentiram
mal em não dar nada pelo trabalho de uma banda "tão honesta, tão bacana que oferece
seu trabalho até de graça"... Já
nos programas ilegais, quando
está protegida pelo anonimato,
a galera baixa sem dó.
O constrangimento e o sentimento de culpa que o Radiohead impôs a seus fãs é a grande
novidade aqui (um repórter da
BBC chegou a baixar de graça,
mas voltou e resolveu pagar R$
36, já que "minha consciência
começou a incomodar").
Mas isso não vai durar muito.
Se os Rolling Stones disponibilizarem na semana que vem seu
próximo disco nesse sistema,
menos fãs vão pagar pelas músicas. E depois que uma dúzia
de bandas fizer o mesmo, a novidade e o sentimento de "pago
porque acho justo, não porque
eles cobram" vão murchar até
perder o sentido.
O futuro da música é grátis.
Não porque é justo. Não porque
as gravadoras ganham demais.
É grátis porque a mídia digital
permitiu que ele seja, e nada vai
parar isso.
Sem dó
Às gravadoras, resta cuidarem dos shows de seus artistas,
movimento que já começaram
a fazer. Aos artistas, que sempre nos lembram de sua necessidade inata de exprimirem
seus sentimentos, resta continuarem a exprimir sentimentos. E nós vamos ouvi-los de
graça, ao contrário do que
aconteceu no século passado.
Mas não é preciso ficar com
dó. Igual ao que aconteceu no
século passado, os músicos
continuarão a ser milionários.
Só que menos milionários. Em
vez de 50 milhões por ano, entre vendas de discos e apresentações ao vivo, vão levar "só"
uns R$ 25 milhões pelos shows.
E, para ganhar dinheiro brasileiro, o Radiohead vai ter que
vir tocar no Brasil.
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