|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MINHA HISTÓRIA ANA PAULA DOS SANTOS, 42
Sob escombros
Quando soube da morte dele [no Haiti], falei: "se Emílio não sobreviveu, não tinha como" (...) Me incomoda afirmarem que todos os anos que meu marido pagou [o seguro] não valeram de nada
RESUMO
A médica Ana
Paula Polycarpo Torres
dos Santos, 42, é viúva do
general-de-brigada Emílio
Carlos Torres dos Santos,
46, morto no terremoto do
Haiti em janeiro. Ela e outras viúvas se disseram
surpreendidas ao descobrirem que o seguro de vida da Poupex não cobre
catástrofes. A associação
privada resolveu pagar em
"caráter excepcional",
mas elas pedem o dobro.
HUDSON CORRÊA
DO RIO
Meu marido participava de
missões sempre achando
que estava deixando a mim e
as filhas, uma de 14 e outra
de 8 anos, amparadas pela
Poupex; como na primeira
missão de risco no Haiti durante seis meses em 2005.
Quando conheci meu marido, há quase 21 anos, ele era
tenente do batalhão de forças especiais, uma unidade
de elite do Exército. Várias
vezes saía em missões. Ligava, dizia que não sabia quando voltaria e para onde iria.
Ele foi também comandante do 26º Batalhão de Infantaria Paraquedista, no
Rio. Em 2007, passou o Natal
e o Ano Novo no morro da
Providência [no Rio].
Por conta das missões de
risco, me casei primeiro no
civil, em setembro de 1992,
porque Emílio queria já me
deixar como beneficiária. No
religioso só foi em dezembro.
Em 17 anos de casamento,
mudei [de cidade] oito vezes
devido às transferências dele. Uma delas foi Marabá (PA)
em 1998 e 99. Eu era médica
pediatra e, em Marabá, não
tinha nem berçário no Exército. Falava para o pessoal:
"não vai ao hospital do quartel, vem direito à minha casa". Fui voluntária.
De Marabá fomos a Brasília. Em 2003, vim para o Rio.
Depois, ele foi para o Haiti.
Voltamos a Brasília em 2008.
Em 3 de maio do ano passado, dia do aniversário dele,
foi para o Haiti de novo.
O Haiti já estava bem mais
tranquilo em relação a 2005.
Tanto que, em nossos planos, eu e as crianças iríamos
em maio, de férias, encontrar
meu marido lá e conhecer como mudou aquele país. Ele
estava empolgado.
Quando soube da morte
dele, no dia 13 [de janeiro], às
12h, falei aos amigos: "se
Emílio não sobreviveu, foi
porque não tinha como". Ele
poderia estar no 20º andar,
que pularia pela janela. Pulou do 3º andar. Sobreviveu à
queda, mas algo caiu sobre
sua cabeça.
Só fiquei sabendo disso
quando seu corpo chegou ao
Brasil. Esperei dez dias. Como Emílio estava fora do prédio, foi o primeiro a ser encontrado. Pode imaginar a
dor? Eu e minhas filhas não
tivemos como nos preparar.
Não tivemos nenhum momento de esperança de ele
estar vivo [Ana Paula chora].
Já passei por diversos sentimentos: sem vontade de viver, extremamente infeliz,
sem esperança e decepcionada. Meu marido acreditava
realmente na Poupex.
Tenho que lutar pelo direito de minhas filhas. Até o dia
em que conversei com os diretores de seguro, não conseguia reagir. A partir daquele
momento, foi como se eu tivesse recebido um forte tapa
na cara para me acordar e lutar pelo que julgo ser correto.
O que mais me incomoda
não é não ter recebido [o seguro em dobro] como morte
acidental, pois eu e minha família não precisamos. O que
realmente me incomoda é
afirmarem que todos os anos
que meu marido pagou [o seguro], acreditando que estava nos amparando, não valeram de nada.
Disseram no papel [no recibo de pagamento], que assinamos num momento de
total desesperança, que a liberação era em "consideração à comoção mundial".
Dizer para a gente que é
um favor? Isso é um absurdo.
Meu marido não estava a
passeio. Estava trabalhando
em uma instalação da ONU.
Entramos na Justiça para
que o direito não só seja garantido a nós, mas a todos,
pois tenho amigos em missão
no exterior e não quero que
suas famílias passem pelo
que estamos passando.
Texto Anterior: Toda Mídia - Nelson de Sá: Cai Embraer Próximo Texto: Foco: Reforma no Planalto termina com o orçamento estourado Índice
|