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ANTONIO DELFIM NETTO
Eventos extremos
SABEMOS empiricamente: 1º)
que um simples fato pode destruir a credibilidade da mais
sofisticada teoria logicamente
construída e 2º) que eventos extremos, como catástrofes naturais
(terremotos, furacões) ou sociais
(revoluções, crises econômicas
agudas), chegam, freqüentemente,
como surpresas. Esses dois fatos
mostram que os "cientistas sociais" (em particular os economistas) deveriam ter mais cuidado
quando fazem afirmações apodícticas deduzidas de construções
teóricas.
É o caso, por exemplo, do fenômeno chamado "bolha" no mercado financeiro, cujo problema começa na sua própria caracterização. O que é uma "bolha"? Em princípio, trata-se de um fenômeno em
que o valor de um ativo financeiro é
precificado pelo mercado crescentemente acima dos justificados pelos "fundamentais".
E o que são os "fundamentais"?
Racionalmente construído, é apenas o valor atual (isto é, descontado
pela taxa de juros) da soma dos
seus futuros rendimentos. O seu
cálculo envolve, entretanto, uma
enorme quantidade de incertezas e
de expectativas que irão se cumprir
ou não, à medida que o futuro vai
sendo descoberto pelo presente.
Não se trata, necessariamente,
de um futuro qualquer, previsível a
menos de pequenas variações aleatórias. Nele pode estar sendo gestado (exatamente pela acumulação
dessas pequenas variações) um
evento extremo: a crise. É por isso
que saber se existe ou não uma "bolha" em qualquer mercado (antes
dela estourar) é, sempre, uma
questão de opinião, que reflete a
experiência, as crenças e a intuição
do analista -com respeito aos
"fundamentais".
Um exemplo típico desse processo pode ser surpreendido num longo (e até então "competente") artigo de M. H. Smith e G. Smith -"Bolhas, Bolhas, onde está a Bolha
Imobiliária?", publicado recentemente no "Brookings Papers on
Economic Activity", (1), 2006.
Os autores reconhecem as dificuldades de estimar os "fundamentais", mas acabam concluindo
que, "aos preços correntes (final de
2005), a compra de uma casa é um
investimento fundamentalmente
saudável". Na discussão (maio de
2006), os comentadores do artigo
(C. Mayer e R.J.Shiller) são muito
mais céticos. Shiller, inclusive, parecia intuir que qualquer coisa estava para acontecer.
O incrível é que, em 70 páginas
(do artigo, mais as discussões), não
há uma só palavra sobre os "sub-primes".
As "crises" chegam mesmo de
surpresa...
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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