São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCOS NOBRE

Direito e poder

A PERGUNTA da seção "Tendências/Debates" de sábado foi: "A atual forma de indicação dos ministros do STF compromete a autonomia do Judiciário?". Na falta hoje de alternativa melhor, o "não" defendido por Vírgilio Afonso da Silva parece a resposta mais adequada.
O STF tem a função delicada de fazer a ligação entre política e direito. Como corte constitucional, tem o papel de arbitrar disputas políticas acirradas. Mas suas decisões não podem ser políticas em sentido estrito: têm de se pautar por limites de interpretação da lei bastante rígidos.
Esses limites da atuação do STF ficaram claros no julgamento das reformas do Plano Real. Não dispondo de elementos para compatibilizar essas mudanças com o arcabouço jurídico existente, o STF muitas vezes decidiu não decidir.
Paradoxal? Sem dúvida. Mas não decidir foi a maneira peculiar que o tribunal entendeu ser necessária naquele momento para preservar uma certa continuidade institucional, para não se tornar um órgão diretamente político. Isso mostra que não é a autonomia em relação a um presidente da República em particular que está em risco nesse modelo, mas a autonomia em relação à política de maneira mais ampla. O mecanismo atual de indicação e as regras de exercício do mandato no STF necessitam de critérios complementares.
Para a indicação seria preciso criar um impedimento de pelo menos quatro anos (antes de assumir a função e depois de deixá-la) de exercício de cargos eletivos ou de primeiro escalão no Executivo. A existência de um mecanismo como esse teria impedido, por exemplo, que Nelson Jobim saísse diretamente do ministério de FHC para o STF e que voltasse ao ministério (sob Lula) no ano seguinte ao da sua aposentadoria.
Regra, aliás, que deveria valer para todos os tribunais superiores. Lembre-se que Edson Vidigal saiu diretamente da presidência do STJ para ser candidato ao governo do Maranhão.
Não se trata de discutir as qualidades das pessoas em questão. Trata-se apenas de estabelecer regras para impedir que tribunais superiores se transformem em etapas de uma carreira essencialmente político-partidária. Esse parece ser o sentido também da proposta de André Ramos Tavares em sua resposta "sim" à pergunta da Folha, ao defender que integrantes do STF tenham mandatos fixos não-renováveis.
Combinar uma quarentena política rígida com mandatos fixos permitiria que a discussão pública se concentrasse no que há de verdadeiramente importante. No caso da prisão de Daniel Dantas: no vínculo entre dinheiro e poder.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Dercy
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.