São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O fracasso do leilão do Clube dos 13

VINICIUS CARRASCO e JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO


Interessa à liga suprimir as desigualdades financeiras, para promover concorrência desportiva e garantir que o campeonato tenha "graça"


Ao decidir vender o direito de transmissão do Campeonato Brasileiro de futebol para o triênio 2012-2014 por meio de um leilão de primeiro preço com envelope fechado e lance mínimo, o Clube dos 13 (C13) queria estimular a competição entre as redes de televisão.
O resultado foi o oposto. Uma só oferta foi feita, cujo lance foi próximo do mínimo. Os clubes, supostos beneficiários dessa competição, manifestaram seu desagrado com o mecanismo desde o início.
Por que a discrepância entre o objetivo inicial do C13 e o resultado final? O desenho do leilão contribuiu para o resultado claramente ineficiente. Recentemente, economistas d'alhures têm tido influência no desenho de mercados do mundo real: dos leilões de espectro de rádio, que geraram receita de bilhões de dólares, a leilões de energia elétrica, de leilões de links patrocinados no Google a leilões de exploração de direitos minerais.
A experiência sugere um princípio geral: um leilão bem desenhado, que combine obtenção de receita com eficiência, deve induzir participação por parte dos "bidders" do leilão. O leilão do C13 claramente fracassou nesse quesito.
Alguns dirigentes afirmam que preço não é tudo. Visibilidade também importa. Maior audiência aumenta o valor do espaço publicitário dos uniformes. Outro fator é a qualidade de transmissão. Pense nessas características como "qualidade". Um leilão bem desenhado a levará em conta.
Imagine uma licitação de merenda que desconsidere o conteúdo nutricional. Seria eficiente? Dado o número de competidores, é melhor um leilão que também use qualidade do que um leilão só pecuniário.
Eficiência e bom senso ditam que ao leiloeiro interessa que todos os atributos relevantes sejam considerados. Mas há algo além do óbvio.
Além de mais eficiente, considerar outras dimensões aumenta sua receita. Imagine que haja um concorrente cuja vantagem seja qualidade. Para compensá-la, concorrentes de menor qualidade darão lances monetários altos.
Ao considerar qualidade, o vendedor encoraja a participação daqueles cuja qualidade é alta e obtém mais receita.
Em suma, o uso de "scores" multidimensionais gera benefícios para todos. Não é à toa que muitas licitações nos EUA e na Europa usam tanto preço como qualidade na definição do vencedor.
Outro aspecto importante da venda dos direitos de transmissão é a identidade do leiloeiro. É bom que o C13 negocie coletivamente em nome de todos os clubes?
Alguns clubes desviaram para a negociação bilateral, esperando ganhar mais. No entanto, à liga interessa suprimir as desigualdades financeiras, para promover concorrência desportiva (garantir que o campeonato tenha "graça").
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), ao sugerir que o C13 fizesse um leilão baseado em critérios "objetivos", induziu tanta ineficiência que vários clubes preferiram a negociação bilateral, colocando em risco, portanto, a competição desportiva.
Sob a ótica da defesa da concorrência, o uso de critérios "objetivos" é menos relevante do que a forma de negociação dos direitos (bilateral ou coletiva), pois disso depende a competição no campo.
Conhecimentos práticos e teóricos de economistas devem ser usados para evitar resultados insatisfatórios, como o do leilão do C13. Ou, como no velho chiste: o inferno tem organização italiana, culinária inglesa, mecânica francesa e mercados desenhados por cartolas.

VINICIUS CARRASCO e JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO, doutores em economia pela Universidade Stanford (Estados Unidos), são professores do Departamento de Economia da PUC-Rio, especialistas em antitruste e peritos.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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