São Paulo, domingo, 17 de maio de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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A grande armadilha

A sociedade está refém de um sistema em que os bancos, ano após ano, contabilizam lucros extraordinários

ABRAM SZAJMAN

A TAXA Selic vem se aproximando de um patamar civilizado, fazendo inclusive com que o Brasil vá deixando a incômoda posição de campeão mundial do juro real, que ocupamos durante tanto tempo.
Porém, mesmo com a queda da taxa básica e apesar das medidas pontuais adotadas pelos bancos públicos, os juros bancários na ponta continuam exorbitantemente elevados: em contraste com uma Selic em 10,25%, um empréstimo de primeira linha para uma grande empresa, com todas as garantias, está na faixa de 15%, atingindo média anual de 30% em relação ao conjunto das pessoas jurídicas. Para a pessoa física, o patamar mínimo é de 30%, na aquisição de automóveis, chegando a mais de 200% no cheque especial ou no cartão de crédito.
Dessa forma, a redução da Selic evidencia o problema apontado por um estudo da Fecomercio que foi destaque nesta Folha (5/4): a diferença entre aquilo que os bancos pagam pelo dinheiro do governo e o que eles cobram quando emprestam, o chamado "spread", impôs ao país uma conta de R$ 134,5 bilhões em 2008, soma que explica o fato de terem os banco obtido lucros que bateram sucessivos recordes nas últimas décadas. Diante dessa realidade insofismável, que limita o acesso ao crédito para grande parte da população e desvia para as aplicações financeiras os recursos que poderiam ser usados para desenvolver o setor produtivo e gerar empregos, o governo adota o discurso de que está empenhado em buscar maneiras para reduzir a margem bancária. Mas será que é essa a intenção e que isso é possível mesmo?
Imaginemos que o governo decidisse reduzir os itens de sua responsabilidade na composição do "spread", de forma a obter queda significativa no custo final do dinheiro. Com crédito abundante, prazos longos e juros baixos, haveria uma corrida de empresas e consumidores por recursos que hoje existem, mas não encontram demandantes por serem muito caros.
Em consequência, consumo e investimentos aumentariam consideravelmente em curto tempo, certamente num volume superior à capacidade de produção presente. O resultado seria uma pressão muito forte sobre preços e salários e o retorno triunfante da inflação, o que, aliás, já estava ocorrendo antes da crise internacional, apesar da Selic alta.
A conclusão desse raciocínio é que ao governo interessa a queda da Selic, pois o consequente menor gasto com o serviço da dívida pública compensa a queda de arrecadação provocada pela crise e facilita a manutenção do equilíbrio fiscal.
Mas, por outro lado, não interessa ao governo nem à estabilidade da economia a queda brusca do "spread" e dos juros na ponta, porque inevitavelmente resultaria em pressões de demanda que pressionariam os preços, fenômeno ainda mais ameaçador para os objetivos políticos do que o desemprego, que pode ser mitigado por medidas fiscais -como está sendo- e, em última análise, debitado na conta das orgias de Wall Street.
Em resumo, a financeirização da economia, que, no mundo desenvolvido, provocou uma recessão que já ameaça rivalizar com a Grande Depressão dos anos 1930, no Brasil engendrou uma grande armadilha que hoje aprisiona, mais do que qualquer crise, nossas possibilidades de um crescimento com ímpeto semelhante ao dos demais países emergentes.
Nessa verdadeira arapuca, a sociedade encontra-se refém de um sistema em que os bancos, transformados em garantidores da estabilidade econômica, exercitam seu patriotismo por meio da dura obrigação de contabilizar, ano após ano, lucros extraordinários em seus balanços.
Enquanto isso, as empresas dos setores não financeiros, em especial as pequenas e micros, atolam-se na dificuldade de manter o pagamento de tributos, salários e ainda dos juros, vendo-se na triste condição de mendigar isenções e prazos nos corredores de gabinetes governamentais.
No momento em que o noticiário dá conta de que países como a China, à custa do esforço de seu governo e do tamanho de seu mercado interno, começam a superar a fase mais aguda da crise, seria de bom senso o Brasil parar de buscar culpados lá fora.
É por causa disso que, para consolidar a estabilização econômica que o real nos propiciou e recuperar a eficiência das políticas fiscal e monetária, continuamos a insistir no velho e desgastado tema das reformas.
Só assim escaparemos da armadilha em que nos metemos, resgatando o papel dos bancos e os objetivos das empresas dos demais setores da economia, um papel condizente com a construção de um país mais desenvolvido e menos desigual.


ABRAM SZAJMAN, 69, empresário, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo) e dos Conselhos do Sesc (Serviço Social do Comércio), do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e do Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).


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