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TENDÊNCIAS/DEBATES
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A grande armadilha
A sociedade está refém de um sistema em que os bancos, ano após ano, contabilizam lucros extraordinários
ABRAM SZAJMAN
A TAXA Selic vem se aproximando de um patamar civilizado,
fazendo inclusive com que o
Brasil vá deixando a incômoda posição de campeão mundial do juro real,
que ocupamos durante tanto tempo.
Porém, mesmo com a queda da taxa
básica e apesar das medidas pontuais
adotadas pelos bancos públicos, os juros bancários na ponta continuam
exorbitantemente elevados: em contraste com uma Selic em 10,25%, um
empréstimo de primeira linha para
uma grande empresa, com todas as
garantias, está na faixa de 15%, atingindo média anual de 30% em relação
ao conjunto das pessoas jurídicas. Para a pessoa física, o patamar mínimo é
de 30%, na aquisição de automóveis,
chegando a mais de 200% no cheque
especial ou no cartão de crédito.
Dessa forma, a redução da Selic evidencia o problema apontado por um
estudo da Fecomercio que foi destaque nesta Folha (5/4): a diferença entre aquilo que os bancos pagam pelo
dinheiro do governo e o que eles cobram quando emprestam, o chamado
"spread", impôs ao país uma conta de
R$ 134,5 bilhões em 2008, soma que
explica o fato de terem os banco obtido lucros que bateram sucessivos recordes nas últimas décadas.
Diante dessa realidade insofismável, que limita o acesso ao crédito para grande parte da população e desvia
para as aplicações financeiras os recursos que poderiam ser usados para
desenvolver o setor produtivo e gerar
empregos, o governo adota o discurso
de que está empenhado em buscar
maneiras para reduzir a margem bancária. Mas será que é essa a intenção e
que isso é possível mesmo?
Imaginemos que o governo decidisse reduzir os itens de sua responsabilidade na composição do
"spread", de forma a obter queda significativa no custo final do dinheiro.
Com crédito abundante, prazos longos e juros baixos, haveria uma corrida de empresas e consumidores por
recursos que hoje existem, mas não
encontram demandantes por serem
muito caros.
Em consequência, consumo e investimentos aumentariam consideravelmente em curto tempo, certamente num volume superior à capacidade de produção presente. O resultado seria uma pressão muito forte sobre preços e salários e o retorno
triunfante da inflação, o que, aliás, já
estava ocorrendo antes da crise internacional, apesar da Selic alta.
A conclusão desse raciocínio é que
ao governo interessa a queda da Selic,
pois o consequente menor gasto com
o serviço da dívida pública compensa
a queda de arrecadação provocada
pela crise e facilita a manutenção do
equilíbrio fiscal.
Mas, por outro lado, não interessa
ao governo nem à estabilidade da
economia a queda brusca do "spread"
e dos juros na ponta, porque inevitavelmente resultaria em pressões de
demanda que pressionariam os preços, fenômeno ainda mais ameaçador
para os objetivos políticos do que o
desemprego, que pode ser mitigado
por medidas fiscais -como está sendo- e, em última análise, debitado na
conta das orgias de Wall Street.
Em resumo, a financeirização da
economia, que, no mundo desenvolvido, provocou uma recessão que já
ameaça rivalizar com a Grande Depressão dos anos 1930, no Brasil engendrou uma grande armadilha que
hoje aprisiona, mais do que qualquer
crise, nossas possibilidades de um
crescimento com ímpeto semelhante
ao dos demais países emergentes.
Nessa verdadeira arapuca, a sociedade encontra-se refém de um sistema em que os bancos, transformados
em garantidores da estabilidade econômica, exercitam seu patriotismo
por meio da dura obrigação de contabilizar, ano após ano, lucros extraordinários em seus balanços.
Enquanto isso, as empresas dos setores não financeiros, em especial as
pequenas e micros, atolam-se na dificuldade de manter o pagamento de
tributos, salários e ainda dos juros,
vendo-se na triste condição de mendigar isenções e prazos nos corredores de gabinetes governamentais.
No momento em que o noticiário
dá conta de que países como a China,
à custa do esforço de seu governo e do
tamanho de seu mercado interno, começam a superar a fase mais aguda da
crise, seria de bom senso o Brasil parar de buscar culpados lá fora.
É por causa disso que, para consolidar a estabilização econômica que o
real nos propiciou e recuperar a eficiência das políticas fiscal e monetária, continuamos a insistir no velho e
desgastado tema das reformas.
Só assim escaparemos da armadilha em que nos metemos, resgatando
o papel dos bancos e os objetivos das
empresas dos demais setores da economia, um papel condizente com a
construção de um país mais desenvolvido e menos desigual.
ABRAM SZAJMAN, 69, empresário, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo) e dos Conselhos do Sesc (Serviço Social do Comércio),
do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial)
e do Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas).
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