São Paulo, terça-feira, 08 de julho de 2008

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MARCOS NOBRE

Discutindo a relação

JÁ HÁ ALGUM TEMPO a política anda com fumaças amorosas.
Dizem que um partido "ficou" com o outro, depois se resolveu por um namoro firme. Graças a uma Constituição avançada, há partidos vivendo em união estável, alguns porque a família não quer o casamento. Quem casa de papel passado teme cartas anônimas com acusações de adultério, reais ou imaginárias.
A volubilidade chegou a seu auge nas negociações para as próximas eleições municipais. Alianças eleitorais mudaram de um dia para outro, partidos adversários se juntaram em muitas cidades, aliados históricos resolveram "discutir a relação" e "dar um tempo". É quando volta o desejo ordenador de uma reforma política.
Receitas de reforma há muitas. Todas têm em comum o desejo de coerência, a idéia de que a lei deve produzir partidos "fortes" e "ideológicos".
Mas é difícil saber o que isso quer dizer ao certo. A impressão é a de que se deveria fazer uma cópia da imagem que se tem por aqui de partidos alemães, ingleses, norte-americanos.
Não é nada fácil uma transposição como essa. Na Alemanha, por exemplo, tem-se hoje a chamada "grande coalizão", em que convivem no mesmo governo os dois maiores adversários políticos. Se fôssemos traduzir hoje, daria algo como casar e ir morar na casa da sogra.
Veja-se o exemplo do PT. Na luta selvagem da década de 1980, ficou em boa medida à margem da política institucional, mas trouxe para o debate público temas e teses inovadores. Na década de 1990, entrou com tudo na lógica eleitoral, sustentando a organização do sistema político em dois pólos. Ocorreu, porém, que o "Lulinha paz e amor" tornou a polarização bem menos nítida e abriu as portas para um sistema político casamenteiro.
Na melhor das hipóteses, a década de 2000 será lembrada como um momento de transição. O governo Lula desequilibrou um sistema político assentado precariamente em dois pólos para conseguir se manter no poder, assolado por sucessivos escândalos e por uma frágil sustentação no Congresso. Segurou-se nas políticas sociais e em um surto de crescimento econômico como há muito não se via.
Não há reforma política capaz de dar conta da situação atual. Não se sabe ao certo o que está acontecendo, muito menos aonde vai dar tudo isso. Enquanto não for possível vislumbrar a possibilidade de um novo equilíbrio para o sistema político, o mais prudente mesmo é prestar muita atenção e tentar produzir o melhor debate possível. Quando a política vira briga de casal, não há colher que não seja torta.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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