São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

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ONDA DE REVOLTAS

Retirados por navio, brasileiros relatam momentos de terror

Funcionários da Queiroz Galvão na Líbia chegam a Atenas após dois dias dentro de barco; sensação é de alívio, dizem

"Deixávamos a TV alta, para as crianças não ouvirem os tiros", conta funcionária trancada em casa com mais 60

VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

Terror, desespero, medo de não conseguir fugir e morrer. Esses eram os sentimentos de 148 brasileiros que passaram uma semana trancados numa casa e em hotéis de Benghazi, nordeste da Líbia, enquanto o país se dividia numa luta sangrenta.
Após dois dias dentro de um navio, o grupo chegou a Atenas, na Grécia, às 7h30 de ontem (2h30 no horário de Brasília). Com lágrimas nos olhos, experimentavam outro sentimento: alívio.
"A gente só começou a ficar tranquilo quando entrou no navio. Foram dias de horror. Havia tiro e bombas para todo lado. No caminho para o porto, tivemos de passar por barreiras. Quando você vê meninos de 14 anos com facas na cintura e AK-47 nas mãos, não dá para se sentir seguro", afirma Roberto Roche, gerente de segurança da empreiteira Queiroz Galvão.
Ele estava no país havia três anos, com a mulher e dois filhos -uma adolescente de 16 e um menino de 5.
Os 148 brasileiros (109 homens, 25 mulheres e 14 crianças) são funcionários da empreiteira ou familiares, que trabalhavam em obras de infraestrutura em seis cidades no nordeste líbio.
Embarcaram na manhã de sexta-feira, mas o navio não pôde zarpar por causa do mau tempo. Só deixaram Benghazi na manhã de sábado e chegaram a Atenas quase 23 horas depois.
"Depois do que a gente passou, ficar dois dias no navio não foi nada", afirmou Jaqueline Siqueira, que está grávida de quatro meses.
Os momentos de maior tensão para os brasileiros começaram no dia 17.
Foi o chamado "dia de fúria", quando os opositores de Gaddafi saíram às ruas e foram reprimidos a tiros pelas forças do ditador.
"Desde então, houve tiroteio e bombas todos os dias. Acalmava no horário das rezas. Depois, era tudo de novo", diz Erika Canuto, que estava no país havia um ano e meio com o marido e a filha, de 11 anos.
Ela morava perto do quartel de Benghazi, onde ocorreram os principais conflitos.
"Com medo, todas as mulheres da vizinhança se reuniam para ficarem juntas. Aí, a empresa decidiu tirar a gente dali e fomos para a casa do Marcos Jordão [diretor da Queiroz Galvão], que fica mais longe. Éramos umas 60 pessoas lá. Colocávamos as crianças num quarto e deixávamos o volume da televisão bem alto, para que elas não ouvissem os tiros e as bombas", diz Erika.
Os adultos às vezes iam para o telhado ver se os tiroteios que ouviam estavam chegando mais perto.
Os funcionários sem família foram para hotéis. A reunião dos dois grupos só aconteceu dentro do navio, quando se abraçaram para festejar por ninguém ter morrido.
Quem estava na casa, uma construção de 600 metros quadrados, não saía. Eram empregados líbios que levavam comida e água.
"A ajuda dos líbios foi fundamental. Não sei o que teria acontecido sem a solidariedade deles", afirma Luciano Leite, gerente comercial da Queiroz Galvão.
A maioria deixou muita coisa para trás. "Pegamos o que dava. A gente não sabia o que era possível trazer. Mas viríamos embora com uma mochila, se fosse preciso. O que ficou, ficou. Está perdido", afirma Erika.


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