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ONDA DE REVOLTAS
Retirados por navio, brasileiros relatam momentos de terror
Funcionários da Queiroz Galvão na Líbia chegam a Atenas
após dois dias dentro de barco; sensação é de alívio, dizem
"Deixávamos a TV alta,
para as crianças não
ouvirem os tiros", conta
funcionária trancada
em casa com mais 60
VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
Terror, desespero, medo
de não conseguir fugir e morrer. Esses eram os sentimentos de 148 brasileiros que
passaram uma semana trancados numa casa e em hotéis
de Benghazi, nordeste da Líbia, enquanto o país se dividia numa luta sangrenta.
Após dois dias dentro de
um navio, o grupo chegou a
Atenas, na Grécia, às 7h30 de
ontem (2h30 no horário de
Brasília). Com lágrimas nos
olhos, experimentavam outro sentimento: alívio.
"A gente só começou a ficar tranquilo quando entrou
no navio. Foram dias de horror. Havia tiro e bombas para
todo lado. No caminho para o
porto, tivemos de passar por
barreiras. Quando você vê
meninos de 14 anos com facas na cintura e AK-47 nas
mãos, não dá para se sentir
seguro", afirma Roberto Roche, gerente de segurança da
empreiteira Queiroz Galvão.
Ele estava no país havia
três anos, com a mulher e
dois filhos -uma adolescente de 16 e um menino de 5.
Os 148 brasileiros (109 homens, 25 mulheres e 14 crianças) são funcionários da empreiteira ou familiares, que
trabalhavam em obras de infraestrutura em seis cidades
no nordeste líbio.
Embarcaram na manhã de
sexta-feira, mas o navio não
pôde zarpar por causa do
mau tempo. Só deixaram
Benghazi na manhã de sábado e chegaram a Atenas quase 23 horas depois.
"Depois do que a gente
passou, ficar dois dias no navio não foi nada", afirmou Jaqueline Siqueira, que está
grávida de quatro meses.
Os momentos de maior
tensão para os brasileiros começaram no dia 17.
Foi o chamado "dia de fúria", quando os opositores de
Gaddafi saíram às ruas e foram reprimidos a tiros pelas
forças do ditador.
"Desde então, houve tiroteio e bombas todos os dias.
Acalmava no horário das rezas. Depois, era tudo de novo", diz Erika Canuto, que estava no país havia um ano e
meio com o marido e a filha,
de 11 anos.
Ela morava perto do quartel de Benghazi, onde ocorreram os principais conflitos.
"Com medo, todas as mulheres da vizinhança se reuniam para ficarem juntas. Aí,
a empresa decidiu tirar a gente dali e fomos para a casa do
Marcos Jordão [diretor da
Queiroz Galvão], que fica
mais longe. Éramos umas 60
pessoas lá. Colocávamos as
crianças num quarto e deixávamos o volume da televisão
bem alto, para que elas não
ouvissem os tiros e as bombas", diz Erika.
Os adultos às vezes iam
para o telhado ver se os tiroteios que ouviam estavam
chegando mais perto.
Os funcionários sem família foram para hotéis. A reunião dos dois grupos só aconteceu dentro do navio, quando se abraçaram para festejar
por ninguém ter morrido.
Quem estava na casa, uma
construção de 600 metros
quadrados, não saía. Eram
empregados líbios que levavam comida e água.
"A ajuda dos líbios foi fundamental. Não sei o que teria
acontecido sem a solidariedade deles", afirma Luciano
Leite, gerente comercial da
Queiroz Galvão.
A maioria deixou muita
coisa para trás. "Pegamos o
que dava. A gente não sabia o
que era possível trazer. Mas
viríamos embora com uma
mochila, se fosse preciso. O
que ficou, ficou. Está perdido", afirma Erika.
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