São Paulo, quinta-feira, 26 de março de 2009

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EUA são "insaciáveis" por drogas, diz Hillary

Em visita ao México, chanceler busca amenizar atritos recentes estimulados pelo aumento da narcoviolência no país vizinho

Presidente Calderón acusa Washington de não agir para coibir o consumo de drogas nem o contrabando de armas por americanos


Daniel Aguilar/Reuters
Hillary é recebida por Calderón na residência presidencial; mea-culpa americano busca amenizar tensão com o vizinho ao sul

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A CIUDAD JUÁREZ

Num gesto de aproximação com o governo Felipe Calderón, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, chegou ontem à Cidade do México admitindo que o consumo "insaciável" de cocaína pelos EUA e as armas do país abastecem a violência no vizinho.
"A nossa insaciável demanda por drogas ilegais alimenta esse comércio", disse Hillary a repórteres que viajaram com ela em sua primeira viagem à América Latina no posto. "A nossa inabilidade para evitar que as armas sejam contrabandeadas pela fronteira provoca a morte de policiais, soldados e civis."
Após encontro com Calderón, Hillary disse ter oferecido US$ 80 milhões para que o México compre helicópteros Black Hawk americanos. A chanceler de Obama também afirmou que "não existe uma zona ingovernável no México" e anunciou a criação de um escritório binacional para combater o narcotráfico, sem detalhar.
Sobre outros assuntos da extensa agenda bilateral, Hillary disse que o governo Obama proporá uma reforma das leis imigratórias "nos próximos meses". Hoje, ela se reúne com empresários em Monterrey.
As declarações de Clinton corroboram as reclamações mexicanas de que os EUA não vinham reconhecendo a sua parte no combate ao narcotráfico -o país consome 90% da cocaína que vem do México. O confronto com os cartéis deixou 6.290 mortos só no ano passado e levou à militarização de partes do país, como a fronteiriça Ciudad Juárez (1.840 km a noroeste da capital).
Ela também busca minimizar o rechaço no México às afirmações de funcionários americanos sobre o poder dos cartéis. Na mais controvertida delas, um relatório do Comando das Forças Conjuntas dos EUA advertiu em janeiro que o México -ao lado do Paquistão- corre o risco de se tornar um "Estado falido" no "futuro próximo".
Calderón tem negado tal possibilidade. Nas últimas semanas, passou à ofensiva ao afirmar que os problemas vinculados ao narcotráfico não existiriam se os EUA combatessem com eficácia o consumo interno de drogas, o contrabando de armas e a corrupção policial.

Contradições
Para o cientista político mexicano Tony Payan, da Universidade do Texas em El Paso, as declarações de Hillary ontem não trouxeram novidade. "Que os EUA têm um papel crucial na violência mexicana não é novo. O fato de ela admitir é protocolar", declarou à Folha.
Payan diz que o governo Obama tem adotado um discurso contraditório para o vizinho, ao prometer mais colaboração ao mesmo tempo em que o Congresso reduziu de US$ 400 milhões para US$ 300 milhões a verba anual para combater o narcotráfico no México.
Morador de El Paso, vizinha à militarizada Ciudad Juárez, Payan também é cético quanto ao controle do contrabando de armas americanas, origem de 90% do arsenal dos traficantes mexicanos. Segundo ele, uma decisão recente da Suprema Corte praticamente inviabiliza uma mudança na legislação.
Payan diz ainda que um maior controle da fronteira é praticamente inviável devido ao alto custo para criar um sistema de fiscalização do que sai dos EUA para o México.
De fato, o controle da fronteira é somente para a entrada nos EUA. Anteontem, a reportagem da Folha esperou por cerca de uma hora e meia na fila formada em cima da ponte sobre o rio Grande para chegar a El Paso. Na entrada, houve uma pequena entrevista e revista por raio-X da bagagem.
Para retornar, no entanto, não houve nenhum tipo de fiscalização em nenhum lado da fronteira, apesar de Ciudad Juárez estar ocupada por 11 mil militares em razão da violência gerada pelo narcotráfico.
Relatos policiais mostram que o contrabando de armas dos EUA é feito no estilo "formiga", com fuzis e revólveres desmontados escondidos dentro de veículos, raramente revistados ao entrar no México.


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