São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2007

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ELEIÇÕES NA ARGENTINA / MEMÓRIA DAS CRISES

De la Rúa vira réu por mortes em protesto

Ex-presidente argentino é acusado de não conter repressão policial em 2001

Desprestígio é sina de ex-mandatários à qual Kirchner pode escapar se sua mulher for eleita presidente no domingo

RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES

O ex-presidente argentino Fernando de la Rúa, que governou o país de 1999 a 2001, tornou-se réu em uma causa que investiga cinco homicídios culposos e mais de cem lesões corporais nas cercanias da Praça de Maio, Buenos Aires, em 20 de dezembro de 2001, justamente o dia em que renunciou.
O juiz federal Claudio Bonadío considerou que o ex-presidente "não usou as ferramentas" que tinha à sua disposição para evitar a repressão policial aos protestos contra o governo naquele dia. Tal repressão acabou provocando as mortes. Além de se tornar réu, De la Rúa teve seus bens embargados em 20 milhões de pesos (US$ 6,3 milhões), para pagar eventuais indenizações aos familiares das vítimas.
De la Rúa não é o único ex-presidente a ser processado. O seu antecessor, Carlos Menem (1989-99), chegou a estar até em prisão domiciliar por suposto contrabando de armas, caso ainda não encerrado. Ele é réu em outros casos de corrupção e também tem parte dos bens embargada.
Os percalços enfrentados pelos ex-mandatários argentinos, porém, não são apenas judiciais. Fora da Casa Rosada, eles não mantêm resquícios do poder que um dia exerceram.
Menem, após ver frustrada sua tentativa de regressar à Presidência em 2003, conseguiu eleger-se senador. Neste ano, havia se lançado de novo à Presidência. Mudou seus planos ao fracassar nas urnas em sua própria Província (La Rioja): ficou em terceiro na disputa para o governo, atrás de dois candidatos kirchneristas.
Raúl Alfonsín (1983-89), primeiro presidente pós-redemocratização, mantém poder dentro das estruturas da UCR (União Cívica Radical), mas seu partido perdeu a importância que um dia teve na política argentina; em 2003, seu candidato não chegou a 3% dos votos para a Presidência. Agora, pela primeira vez, o partido não terá candidato próprio à Casa Rosada. Alfonsín também não conseguiu ter herdeiros políticos: seu filho Ricardo não deve chegar a 5% dos votos na disputa pelo governo de Buenos Aires.
Eduardo Duhalde (2002-03) não chegou à Presidência pelas urnas, mas foi o único a eleger seu sucessor, Néstor Kirchner. Viu, porém, seu poder político minguar rapidamente depois que deixou o governo, em 2003, por obra do próprio Kirchner. O atual presidente, em nome do controle do Partido Justicialista, atraiu para sua força política a maioria dos peronistas aliados de Duhalde.
Recentemente, o ex-presidente anunciou que pretende voltar à política partidária depois das eleições deste ano. Uma pesquisa feita pelo Ibarômetro, porém, apontou que 60% dos eleitores são contrários a esse regresso.
Um dos principais artífices do ocaso dos ex-presidentes é o atual mandatário. Kirchner não poupa oportunidades de criticar seus antecessores em discursos. Quando Duhalde anunciou seu retorno, afirmou: "Eu não sou como alguns, que vão e voltam, não se decidem". Em referência a De la Rúa, costuma repetir que sairá da Casa Rosada "pela porta da frente, e não de helicóptero". E Menem é seu alvo principal: Kirchner demoniza as privatizações, o neoliberalismo e a paridade cambial dos anos 90, que desembocaram na moratória da dívida, em 2001.
Fora do poder, Kirchner pode ter o mesmo destino de seus antecessores. Um dos motivos pelos quais optou por não concorrer à reeleição seria evitar que sua imagem, positiva, se deteriore. "Kirchner é como essas pessoas que vão ao cassino, ganham com a primeira ficha e voltam para casa", diz o analista político Joaquín Morales Solá.
Após deixar a Casa Rosada, no próximo dia 10 de dezembro, Kirchner terá ao menos uma grande vantagem: a julgar pelas pesquisas, que apontam vitória de sua mulher, Cristina, nas eleições presidenciais de domingo, ele não precisa temer críticas de sua sucessora.


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