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+Cultura
Japão pop show
AMADO PELOS FÃS, MAS ODIADO NO MUNDO LITERÁRIO DE SEU PAÍS, O ESCRITOR HARUKI MURAKAMI FALA DO FASCÍNIO POR "LOST", DO DESPREZO POR MISHIMA E EXPLICA SUA PAIXÃO PELA CORRIDA, TEMA DO NOVO LIVRO
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JESÚS RUIZ MANTILLA
O ocidental que se
aproxima de Haruki Murakami
(1949) talvez se
sinta atraído por
alguma coisa que o carregue
para mundos distantes. Mas,
quando abrir qualquer um de
seus livros e ler algumas linhas,
terá uma surpresa.
Ele será seduzido pela proximidade dos personagens de
Murakami, pelo fio finíssimo
com que consegue ligar tudo o
que preocupa, diverte e deprime o homem contemporâneo:
a solidão que espreita em cada
esquina, o amor, o desamor, o
sexo e o desejo, a sensação de
perda e a de não encontrar um
lugar no mundo.
A música, que forma o pano
de fundo e dá forma a sua obra,
é tirada daquele que é o tesouro
mais estimado de Murakami:
uma coleção de 7.000 discos de
vinil de jazz -sua grande paixão-, pop e clássicos.
Ele começou a escrever tardiamente, perto dos 30 anos,
após ter sido proprietário de
um clube de jazz em Tóquio.
Escrevia para ele mesmo e
para seus amigos, e pouco a
pouco foi atraindo leitores nos
cinco continentes. Pouco a
pouco, e sem querer -a exposição pública é algo do qual tem
horror-, foi se convertendo
em um objeto cult global.
Assim, depois de alguns tantos romances, alguns volumes
de contos e uma nova obra autobiográfica, "What I Talk
About When I Talk About Running" [De Que Falo Quando
Falo em Correr], Murakami alcançou seu objetivo: ser um
corredor de longa distância.
Apreciador do surrealismo e
da série "Lost", admirador de
Scott Fitzgerald, John Irving,
Manuel Puig e Vargas Llosa,
diz, no entanto, não apreciar
Yukio Mishima (1925-70).
O escritor japonês é um dos
ícones de que ele faz questão de
fazer pouco caso, para escândalo dos guardiões da pureza na
literatura de seu país.
"Não consegui nem sequer
terminar muitos de seus livros", comenta, sem ânimo de
polemizar demais.
Murakami e o mundo das letras do Japão mantêm uma relação de ódio mútuo. Este detesta a mania do escritor de
exibir referências da cultura
popular ocidental, enquanto
Murakami não suporta que o
critiquem por não tratar a língua como uma pérola virgem.
Murakami se nega a aparecer
na rádio ou televisão em seu
país, apesar de já ter se convertido em guru para grande número de jovens -sobretudo
depois de publicar "Norwegian
Wood".
Muitos viram o livro como
um "O Apanhador no Campo
de Centeio" japonês, mas Murakami foge das comparações
com o clássico de Salinger que
inspirou o assassino de John
Lennon.
PERGUNTA - De que o sr. tem mais
orgulho -de seu bar em Tóquio, de
sua performance em maratonas, de
seus 7.000 discos de vinil, de traduzir Scott Fitzgerald ou de seus livros?
HARUKI MURAKAMI - O que mais
me orgulha é ter encontrado
tantos leitores em todo o mundo. Escrevo há 30 anos, ou um
pouco mais.
Nos primeiros dez anos eu tinha poucos leitores. Escrevia
para um grupo reduzido, quase
só meus amigos. Não sei por
que, mas os leitores foram aumentando.
PERGUNTA - Até o sr. se converter
em um fenômeno global?
MURAKAMI - Não é o que pretendo. Escrevo primeiramente
para mim, para minha satisfação pessoal. Fazê-lo me dá felicidade. Depois vi que o que eu
escrevia interessava a algumas
pessoas, e isso foi se ampliando.
PERGUNTA - Mas, mais que seu
exotismo, é sua proximidade que
cativa. Quando o senhor abre a bolsa de uma japonesa e olhamos dentro dela, encontramos as mesmas
coisas que poderiam estar na bolsa
de uma adolescente em qualquer cidade grande.
MURAKAMI - Quando escrevo
uma história, não penso se ela
irá encontrar eco junto a um
leitor japonês ou chinês. Simplesmente me divirto escrevendo. As histórias que apresento me parecem naturais,
não posso explicá-las. São muito íntimas, muito pessoais.
Talvez seja exatamente isso
que as torne globais. O que é
preciso é tentar ser autêntico.
PERGUNTA - Ao mesmo tempo em
que o sr. mergulha em si mesmo,
sente que se aprofunda nos temas
que mais preocupam o mundo?
MURAKAMI - Não sei. Falo de
mim. Para me conhecer melhor, vou cada vez mais ao fundo do poço, metaforicamente
falando. Também gosto de quebrar paredes. Ir ao outro lado e
farejar. Depois volto.
Isso é escrever um romance.
Sair em busca do obscuro, daquilo que você não conhece de
si mesmo. Se é capaz de ultrapassar essas fronteiras, desarmado, pode se tornar alguém
que interessa de maneira global
e encontrar almas afins na Ásia,
na África. Pode ser mais livre,
além disso.
Em meus romances, procuro
fazer com que isso aconteça.
PERGUNTA - É por isso que o sr. gosta tanto de "Lost" e comprou uma
casa na ilha onde a série é filmada?
MURAKAMI - Sim, sim. Bom,
gosto de "Lost" por isso e por
outras razões. Gosto do mistério que cerca os personagens,
que se vai descobrindo aos poucos. O mistério e o surrealismo.
Mas o que mais me fascina é
o inesperado. Gosto de fazer isso com meus escritos. Para que
ninguém imagine o que pode
acontecer. Além disso, acho
que "Lost" é muito fiel ao sentido de seu título.
PERGUNTA - Se refere ao fato de
que são seres perdidos e que essa
condição agrada a muitos deles?
MURAKAMI - Por exemplo. Embora muitos, como eu disse antes, gostariam de passar sobre
os muros e retornar; outros,
não, preferem ficar. Isso é algo
que pode ser bom -essa fuga.
Sou um escritor otimista e
identifico esse otimismo, essa
vontade de mudar, em muitos
dos personagens de "Lost".
PERGUNTA - É por isso que detesta
Mishima? Não o acha otimista?
MURAKAMI - Não gosto de seu
estilo.
PERGUNTA - Seu estilo literário ou
sua maneira de ser?
MURAKAMI - Como leitor, ele
não me agrada. Não consegui
chegar ao fim de muitos de seus
livros.
PERGUNTA - Não seria porque, como grande escritor japonês de outra
geração, o sr. sente a necessidade de
matar o pai?
MURAKAMI - Acho que não. É
que não gosto de seus livros,
apenas isso. Também não gosto
de sua visão da vida e da política. Nada. Ele não me interessa
em nada.
PERGUNTA - Esse desprezo por Mishima agravou sua distância do mundo literário japonês?
MURAKAMI - Eles não gostam de
mim. Sou diferente demais deles ou, pelo menos, diferente do
que consideram que um escritor deve ser.
Eles pensam que tudo o que
se escreve deve ser subordinado à beleza de nossa língua, aos
temas de nossa cultura. Não vejo as coisas assim -emprego a
língua como ferramenta. Uma
ferramenta que posso usar com
muita eficácia, mas nada mais.
É por isso que os críticos e os
escritores me atacam. Não faço
parte de nenhum grupo, e, no
Japão, se supõe que você deva
integrar algum grupo.
Por isso deixei meu país por
alguns anos.
PERGUNTA - Essa rejeição o deixou
furioso?
MURAKAMI - Não, furioso não.
Simplesmente me sentia estrangeiro em meu próprio país.
PERGUNTA - Mas agora o sr. se considera um japonês genuíno. O que é
ser japonês nos dias de hoje?
MURAKAMI - Penso que estamos
à procura de uma identidade
nova.
Depois da Segunda Guerra
Mundial, enriquecemos e vivemos bem até 1995, quando sofremos uma crise tremenda.
Não tínhamos vivido nada semelhante em 40 anos.
Nesse período, pensávamos
que a riqueza nos traria felicidade e satisfação. Ficamos tremendamente ricos, mas não
éramos felizes. Agora nos estamos perguntando "o que devemos fazer? Qual é o caminho
para a felicidade?".
PERGUNTA - O Japão viveu o prelúdio daquilo que o mundo está vivendo agora. Que conselho seu país pode dar ao Ocidente?
MURAKAMI - Eu não saberia lhe
dizer. O que sei é que, depois
das crises, algo inesperado
acontece com meus livros.
Depois de 1995, cada vez
mais leitores começaram a
apreciar meu trabalho no Japão. Depois do 11 de setembro,
meus leitores aumentaram
também nos EUA.
Na Rússia e na Alemanha
aconteceu o mesmo.
PERGUNTA - O sr. é um escritor para
tempos de crise?
MURAKAMI - As pessoas apreciam meu trabalho cada vez
mais no meio do caos. É assim.
PERGUNTA - É possível que, em momentos de caos, as pessoas procurem com mais força as narrações estruturadas, que tenham a ver com a música, como é o seu caso. Seus livros se devem mais às leituras que o
sr. fez ou aos discos que ouviu?
MURAKAMI - Na época em que
eu era dono de um clube em Tóquio, ouvia música o tempo todo, de manhã à noite.
Assim, escrevo meus romances como se estivesse tocando
um instrumento.
Mas não toco instrumento
nenhum; estudei um pouco de
piano quando era criança, e isso
me foi útil para escrever. O ritmo é crucial numa narrativa.
PERGUNTA - De que trata seu novo
livro ("De Que Falo Quando Falo em
Correr")?
MURAKAMI - É um livro de memórias. Comecei a correr há 30
anos, na mesma época em que
comecei a escrever. Já corri
tanto... Já fiz até mesmo uma
maratona de cem quilômetros,
um triatlo.
Comecei a escrever o livro há
sete anos e o terminei quase
sem me dar conta. Sou um corredor de longa distância.
PERGUNTA - É por isso que seus livros são tão espessos?
MURAKAMI - Sim, não consigo
parar. Quando você escreve,
precisa sentir confiança em si
mesmo. A corrida de longa distância lhe dá isso: muita autoconfiança. A segurança de que
vai concluir o que começou.
Se você escreve narrativas
mais curtas, talvez não precise
disso.
Mas, em meu caso, sim. Eu
era um sujeito normal que de
um dia para outro começou a
escrever, simplesmente. Um
leitor apaixonado que de repente se pôs a contar histórias.
A íntegra deste texto saiu no "El País".
Tradução de Clara Allain.
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