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+(p)olítica
Senado ladeira abaixo
Aliança entre o coronelismo e grupos emergentes aventureiros dilui chance de punição à corrupção
Anestesiada a polaridade entre o que somos e aquilo que deveríamos ser, tudo se iguala por baixo; nessa toada, seremos uma sociedade de classe média média, mixa
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JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
COLUNISTA DA FOLHA
Não se trata de mais
um caso exemplificando a costumeira corrupção
das instituições
políticas, ainda que em proporções nunca vistas. É preciso
atentar para o caráter específico desta crise do Senado e o perigo que ela traz para a democracia brasileira.
Desde a Antiguidade os filósofos têm refletido sobre a difícil relação entre moralidade e
política. Alguns costumam
identificar entre elas uma zona
cinzenta, quando se torna difícil discriminar se tal ato é moral ou imoral. Somente o tempo, depois que as consequências da ação se solidificaram,
permite avaliação final.
Na medida em que a verdadeira política chega a inventar
novas formas de vida, é o sucesso ou insucesso da nova iniciativa que termina servindo de
critério. Até quando, por exemplo, se devem aturar os desmandos do rei? Quando é legítimo pegar armas contra ele?
Obviamente esses casos são
raros e, para que a exceção não
destrua a normalidade do jogo
político, existe um balanceamento que compensa o ato
amoral: se ele for pego e causar
escândalo, o amoralista se converte em transgressor e, portanto, deve ser punido. Noutras
palavras, o político inovador
assume riscos quando pretende que sua ação se converta
num ato original.
Ao emperrar esse processo
de punição, a política tende para a imoralidade. Como isso está operando no jogo político
brasileiro? Costurou-se uma
aliança muito especial entre o
velho coronelismo e grupos
emergentes aventureiros, que
embota a oposição entre aliados e adversários, todos os protagonistas sendo jogados no
mesmo caldeirão. Se todos estão mais ou menos comprometidos, diminuem sensivelmente os riscos da punição prevista.
Perpetuação
Os velhos coronéis não estavam acima da lei porque eram a
lei. Nada mais natural, portanto, que seus familiares e afilhados participassem das benesses
do poder. A partir do momento
em que se reforça o Estado de
Direito, o nepotismo precisa
ser secreto, fora das luzes da
opinião pública. Mas isso só é
possível se o arco de alianças
calar importantes parcelas das
oposições.
Ele começou a ser tecido já
no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a aliança
entre PFL e PSDB, quando a esquerda social-democrata veio
para o centro, mas se aprofundou e se intensificou com o governo Lula. O PT veio para o
centro, carreando novos afilhados para os focos de poder.
Não só aumenta a quantidade de políticos iniciantes, mas
igualmente membros dos partidos aliados, líderes sociais e
sindicais passam a morder os
fundos públicos em nome de
uma nova política social.
Seja no "mensalão", seja no
"senadão", sempre notamos o
exercício de práticas ilegais
submersas, que somente vêm à
tona quando a aliança se fende,
ou porque as benesses foram
mal distribuídas, prometidas e
não cumpridas, ou ainda porque parte da burocracia se vê
preterida.
O prato está feito para a imprensa, que, fazendo notícia do
deslize, trata de pôr a boca no
trombone. O que resta da opinião pública toma partido, mas
não é por isso que as transgressões são devidamente punidas.
A oposição chia. Mas uma
parte, não podendo chocar-se
com a grande aliança porque
está parcialmente comprometida no conluio ou depende do
poder central para realizar suas
obras, eleva o tom de seu discurso, mas termina topando
uma punição simbólica.
Outra, à margem do aparelho
do Estado, grita mais alto, mas
lhe falta base social para forçar
o processo punitivo. Elegem-se, então, bodes expiatórios, a
imprensa se regozija, mas logo
passa para outro escândalo, e os
políticos tratam então de cuidar de seus respectivos jardins.
E o presidente da República,
sempre de olho na lisura do caldeirão da aliança, quando pode
nega a fenda, pois nada sabe ou
nada viu, mas, quando é obrigado a reconhecê-la, é para diminuir a gravidade da transgressão. Aloprados ou um ex-presidente e senador trino não podem ser julgados pelo mesmo
padrão moral aplicado ao comum dos mortais.
Caldeirão do bem e do mal
Como é possível que um presidente da República deixe de
encarnar os parâmetros da moralidade? A etiqueta que o cerca, essa pequena ética, não serve para ressaltar sua soberania,
sua capacidade de estar além
do jogo das partes e assim decidir em nome da nação como ela
deveria ser?
Houve tempos em que se
pensava que o rei tinha dois
corpos, aquele natural, onde
morava, e aquele outro assentado no Parlamento. Quando o
primeiro deixava de corresponder às normas do segundo, nada era mais legítimo do que lhe
cortar a cabeça.
No Brasil, os interesses políticos do presidente se costuraram de tal modo, foram de tal
modo cozidos, que toda alteridade importante passou a fazer
parte do caldeirão do poder. Se
o bem e o mal foram nele jogados, nada mais natural que o
próprio presidente da República dispense a dignidade normativa de seu cargo. E, sendo o
chefe leniente, todos os subordinados estão autorizados a sê-lo ainda mais.
Macunaíma chegou ao poder. Manteve, em termos gerais, a tão criticada política econômica desenhada nos governos anteriores; navegou sobranceiro nas ondas da bonança internacional e equilibrou
assistencialismo necessário e
devoção ao capital financeiro.
Mas, sobretudo, passou a representar a aspiração geral da
sociedade brasileira no sentido
de integrar as massas numa sociedade de consumo, mas deixando à margem os ideais de
justiça social duradoura e consciência de si.
Anestesiada a polaridade entre aquilo que somos e aquilo
que deveríamos ser, a sociedade inteira passa a ser igualada
por baixo. Na toada desse processo, seremos uma sociedade
de classe média média, mixa.
Como resistir a tudo isso?
Por enquanto, deixando de votar em político carimbado, em
particular recusando a aliança
espúria entre o político que
tem votos e o suplente que financia a eleição.
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito
da USP e pesquisador do Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais!.
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