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"Che foi meu personagem mais díficil"
Premiado pelo papel do guerrilheiro no longa de Steven Soderbergh, Benicio Del Toro diz que a obra "respeita a história'
À Folha, ator afirma que se vê em Rodrigo Santoro, intérprete de Raúl Castro no longa, e conta que tem planos de se tornar diretor
Divulgação
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O ator mexicano Demián Bichir, como Fidel Castro, e o porto-riquenho Benicio Del Toro, como Che, discutem a estratégia da Revolução Cubana, em cena do filme
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Como se sente sendo um
símbolo?", pergunta a repórter
de TV ao guerrilheiro Ernesto
Che Guevara (Benicio Del Toro), em "Che", épico do americano Steven Soderbergh, cuja
primeira parte -"O Argentino"
(2h06)- estreia hoje no Brasil.
É 1964, e Che está em Nova
York, onde desafiou a assembleia da ONU com um discurso
afirmativo da Revolução Cubana, incluindo a execução de dissidentes: "A pátria ou a morte!".
Del Toro, 42, nascido em
Porto Rico e criado nos EUA,
fala sobre como foi dar corpo ao
símbolo Che, na entrevista a seguir, feita durante a Mostra de
Cinema de São Paulo, em outubro passado.
FOLHA - Notou diferença ao interpretar um personagem que de fato
existiu em relação aos ficcionais?
BENICIO DEL TORO - É diferente,
pela responsabilidade com a
história. É mais rígido. Você
não pode sair da raia, porque as
raias da história se mantêm.
Em "The Wolf Man" (o homem-lobo), que fiz depois, podia inventar tudo. Se quisesse
ficar de ponta-cabeça e falar,
podia. Com Che, isso não é possível, porque se trata de um
personagem histórico e nós decidimos respeitar a história.
FOLHA - Alguns críticos avaliam
que esse é "o" personagem de sua
carreira. De um lado, é um elogio; de
outro, soa como uma aposta de que
tudo o mais será menor em seu percurso. Como se sente a respeito?
DEL TORO - Sem dúvida é o papel
mais importante, o mais difícil,
o mais compromissado que fiz
até agora -por ser latino-americano e pelo momento que vivemos. Mas não é o papel da vida de alguém, porque a vida dá
voltas e a gente tem vontade de
fazer outras coisas, além de ser
ator. Ainda quero fazer meus
próprios contos e, em algum
momento, trabalhar como diretor.
FOLHA - Em que sentido esse foi
seu trabalho mais difícil?
DEL TORO - Foi o mais difícil não
apenas física, mas intelectualmente. O discurso dele diante
das Nações Unidas é quase shakespeariano. É um espanhol
muito intelectual, por isso é difícil. Esse personagem exige
uma fusão de talentos, como se
você tivesse que ser Gregory
Peck e Steve McQueen, juntos.
Outra coisa difícil foi a pesquisa. Como os atores gostam
de fazer pesquisa, neste caso
era um trabalho infinito. Sei
muito sobre Che na fase que o
filme abarca. Mas você me pergunta o que sei sobre a vinda
dele ao Brasil [em 1961] e me dá
vontade de ligar para os pesquisadores em Cuba e perguntar.
FOLHA - Durante essa pesquisa para o filme, você tentou conversar
com o pintor Ciro Bustos, apontado
como delator de Che?
DEL TORO - Não. Não tentamos
contatá-lo e não houve uma razão especial para isso. Tivemos
bastante contato com Debray
[Régis, filósofo marxista francês, entusiasta da guerrilha],
com Benigno, com Urbano e
com Pombo [guerrilheiros que
escaparam ao cerco a Guevara].
Faltou um [Bustos].
Conheço bem a história dele,
sei que passou por muita coisa.
Não o julgo nem tampouco o
filme o julga. É muito difícil
acusá-lo de traidor. Ninguém
sabe como se comportaria sob
tortura. Respeitamos isso, de
uma maneira muito humana.
Agora, que ele fez os desenhos [de Che na selva boliviana, que estavam em poder dos
militares que assassinaram o
guerrilheiro] é um fato. Não se
pode negar e isso está no filme.
FOLHA - Quanto de seu desempenho como Che se deve à direção de
Steven Soderbergh?
DEL TORO - Pelo menos 50%,
porque muitas vezes não estou
atuando; estou reagindo. Steven vai tão rápido que, às vezes,
você não pode atuar. Ele vai te
dar uma ou duas chances [para
acertar]. Então, é melhor reagir
do que atuar, porque senão você pode exagerar na atuação.
FOLHA - Das vezes em que foi a Cuba pesquisar sobre Che, quantas encontrou-se com Fidel Castro?
DEL TORO - Uma.
FOLHA - Como foi o encontro?
DEL TORO - Curto. Havia uma
feira de livro. Eu iria embora no
dia seguinte. Recebi um telefonema. Fui. Encontrei Fidel e
Hugo Chávez. Foi curto. Ele sabia do trabalho que estávamos
fazendo. Ficamos de conversar
sobre Che quando eu voltasse.
Mas, quando voltei, ele já estava doente. Pelo menos estive
com ele, o vi...
FOLHA - O que você achou da atuação do ator mexicano Gael García
Bernal como Che em "Diários de
Motocicleta" (2004), dirigido por
Walter Salles?
DEL TORO - Muito boa. Gosto
muito. Mas o Che de Gael é um
Che diferente, porque está se
formando. Por isso gosto tanto,
por ser um Che de outra época.
Não sou o mesmo Benicio Del
Toro de quando tinha 18 anos.
Há coisas que ficaram, mas não
sou a mesma pessoa.
FOLHA - Qual é sua opinião sobre
Rodrigo Santoro, que interpreta
Raúl Castro no filme?
DEL TORO - É um guerreiro. Batalha. Tem muita tenacidade e
consegue o que quer. É algo que
também tenho. Eu me vejo
muito nele. Eu sou Del Toro.
Ele é San-Toro. Temos essa coisa de ser cabeça-dura. Os guerreiros são os que vencem.
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