São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2007

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Crítica/"Armênia"

Guédiguian cria um telecurso de geografia

PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A imagem do Ararat, monte de domínio dos turcos, avistado e cultuado pelos armênios, é esclarecedora para "Armênia", de Robert Guédiguian. O diretor que antes comentava os grandes conflitos humanos, existenciais e sociais com a interioridade de seus personagens, agora fala sobre a identidade de um povo, suas raízes e cultura, como numa palestra: didática, expositiva e repetitiva.
Nos mais célebres longas do cineasta, "A Cidade Está Tranqüila" (2000) e "Marie-Jo e seus Dois Amores" (2002), o mundo com suas complexidades era apresentado por meio da experiência dos personagens, registrados em suas intimidades diárias, entre crises e alegrias, penúrias financeiras e riquezas afetivas, num caldo bastante rico, bem complexo, com suas instabilidades, suas crises econômicas e humanas.
Em "Armênia", Guédiguian pretende dar conta de algo menos universalista, menos humano e mais situado, que é a vida de sua pátria ascendente (seu pai era francês, mas de origem armênia), palco este bastante tumultuado ao longo do século 20 por conflitos e reestruturação econômica após o domínio soviético. A opção possível é fazer de cada acontecimento algo útil à trama e explicar como funciona esse país. Anna (Ariane Ascaride) é uma médica que viaja à Armênia para encontrar seu pai cardíaco, que fugiu de Marselha e voltou à terra natal após saber que somente uma cirurgia poderia livrá-lo da morte. Não será fácil encontrá-lo e, por isso, ela recorrerá à ajuda de alguns "guias turísticos": o taxista boa-praça Barsam, a bela e pobre cabeleireira Schaké que sonha em migrar para a Europa e, principalmente, Yervanth (Gerard Meylan), amigo da família que mostrará encantos locais.
A estrutura narrativa é a de uma viagem turística, com Anna conhecendo as belezas do país (as igrejas, sua história) e seus problemas (o contrabando, a pobreza, a ruína institucional). Se antes os personagens de Guédiguian não eram nem bons nem ruins, agora cada um representa um valor: Schaké é pura, o galã Yervanth é um militar pacifista etc. Tudo preto no branco.
Nesse "tour", que mais parece um telecurso de geografia, o que está em jogo é o reconhecimento da Armênia (pela protagonista e, parece, pelo espectador). Anna, estranhando o lugar no início, recebe uma aula de apresentação do país, para, assim, perceber seu valor histórico, descobrir suas origens, sentir-se pertencente ao lugar, ser uma "verdadeira armênia".
Guédiguian, sempre carinhoso com seus personagens, respeitando suas opções, erros e acertos, deixa de fazer um cinema humano para fazer um cinema "humanista", uma auto-ajuda de como ser um cidadão do mundo.


ARMÊNIA
Direção:
Robert Guédiguian
Produção: França, 2006
Com: Ariane Ascaride, Gérard Meylan, Jean-Pierre Darroussin
Quando: hoje, às 21h30, no Cinemark Eldorado; amanhã, às 16h50, no Unibanco Arteplex; e domingo, às 15h, no Reserva Cultural
Avaliação: ruim


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