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Em Hollywood, latinidade é 'destino cravado'
Para atriz, visão dos EUA sobre os atores brasileiros não escapa ao estereótipo
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ENVIADO AO RIO
Indicada ao Oscar em 1999,
por "Central do Brasil", Fernanda Montenegro diz, nesta
entrevista, que já passou da idade de ter ilusões hollywoodianas. E aconselha Rodrigo Santoro e Alice Braga, os atores
brasileiros em ascensão na indústria norte-americana: "Não
adianta se iludir". A atriz também critica a proposta de reforma da Lei Rouanet e contesta a
ideia de que artistas consagrados têm mais facilidade em obter patrocínio.
(LUCAS NEVES)
FOLHA - Os atores Rodrigo Santoro
e Alice Braga estão em ascensão em
Hollywood, cenário em que a sra.
transitou na esteira do sucesso de
"Central do Brasil". Que caminho
eles devem buscar ali?
FERNANDA MONTENEGRO - Somos
sul-americanos contaminados
pela visão mexicana que o americano tem de toda a América
Latina. Lá fora, não saímos disso. É importante ter essa consciência. O que puderem aproveitar desse espaço, ótimo. São
jovens talentosos já com excelentes resultados. Mas há um
destino cravado, que é a latinidade. Não adianta se iludir.
FOLHA - A sra. recebeu vários convites para papéis desse tipo, não foi?
FERNANDA - Sim. Salvadorenhas, chilenas, madrilenas, até
uma iraniana. Onde é que isso
vai me levar? Não tenho mais
20 anos para ter ilusão hollywoodiana.
FOLHA - Com que diretores estrangeiros gostaria de trabalhar?
FERNANDA - Nos EUA, queria
ter trabalhado com o [Robert]
Altman e o [Stanley] Kubrick.
Na Europa, com [Ingmar]
Bergman. Sobrou só Pedro Almodóvar, um criador imenso.
FOLHA - E brasileiros?
FERNANDA - Beto Brant. Os filmes dele têm nervo, inteligência, clareza.
FOLHA - O que pensa das telenovelas de hoje? Há quem veja um esgotamento do gênero.
FERNANDA - Acompanho, na
medida do possível, "Caminho
das Índias". É tão kitsch que vejo. É um pulo no abismo, sem
rede. Vejo que os atores começaram estranhando as roupas,
os cenários. Mas, meses depois,
já não têm mais problema, aceitaram um tipo de jogo.
FOLHA - Por que, nos últimos 20
anos, os produtores culturais brasileiros passaram a depender tanto de
patrocínios e leis de renúncia fiscal?
FERNANDA - É impressionante
como não se estuda isso no Brasil: o que todo esse movimento
que vem desde a morte de Getúlio até agora -esse mundo
político inseguro, com jogadas
de sobrevivência ideológica,
censura e perseguições- custou para a cultura brasileira,
principalmente as artes cênicas. Estamos envergonhadamente estatizados. Alegam que
os que têm nome vão e recebem
patrocínios.
FOLHA - Não é verdade?
FERNANDA - Não necessariamente. Porque as verbas são
entregues ao diretor do setor de
marketing. Tanto o consagrado
quanto o alternativo recebem
um "não". Para dividir e poder
reinar, criou-se a expectativa
de que o consagrado chega e
abre todas as portas. Isso não é
verdade. Falo por experiência.
FOLHA - Os artistas consagrados levam tantos "nãos" quanto os grupos de pesquisa?
FERNANDA - O diretor do grupo
experimental não vai ser alugado como o nome dito consagrado, que tem de dar autógrafo
para todo o sistema de atendimento daquele andar [da gerência de marketing da empresa], para o presidente da organização, para a mãe, a mulher.
FOLHA - E como vê o debate atual
sobre a reforma da Lei Rouanet?
FERNANDA - É uma reforma que
não precisa existir. A lei tem de
ter um apuro, ajuste. O Fundo
Nacional de Cultura é fundamental, assim como é deixar
uma brecha para quem queira
atender por fora dele [por renúncia fiscal]. Por que confinar
todos num só guichê?
FOLHA - No fim de "Viver sem
Tempos Mortos", a personagem de
Simone de Beauvoir diz: "Meu passado é a referência que me projeta e
que devo ultrapassar". Com que
projetos a sra. pretende ultrapassar
o que fez até aqui?
FERNANDA - Olha, se disser a você que não tenho projeto nenhum... É que já vivi mais do
que possa viver. Quando você
tem muito a viver, naturalmente tem projetos. Mas chega uma
hora em que o meu projeto primeiro é estar inteira. Para o futuro, tenho uma novela do Silvio de Abreu, um convite do
Teatro do Porto (Portugal) para atuar em "A Amante Inglesa", de Marguerite Duras. E o
sonho de 50 anos de fazer alguma coisa da Clarice Lispector.
Mas sempre tem tantas Clarices sendo feitas que deixo para
daqui a pouco. Mas não tenho
mais tempo de experimentar o
que experimentei, de passar
por mais 50 personagens. Então não é uma visão festiva.
FOLHA- Isso lhe traz angústia?
FERNANDA - Seria idiota se dissesse que não. Seria mentiroso
dizer que me sinto melhor do
que quando tinha 20 anos. Isso
não existe. Os anos dão uma
consciência que não tem preço,
ou que tem o preço da sua juventude. Mas não sei se trocaria a minha vivência de 80 anos
pelo tempo não vivido quando a
gente tem 20. Nessa idade, a
gente nem se vê vivendo.
VIVER SEM TEMPOS MORTOS
Quando: qui. e sex., às 21h; sáb., às
20h; e dom., às 18h; até 28/6
Onde: Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova,
245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quanto: R$ 30
Classificação: 16 anos
Folha Online
Leia a íntegra da
entrevista e análises
dos críticos Luiz
Fernando Ramos e
Sérgio Rizzo sobre a
carreira da atriz
folha.com.br/091344
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