São Paulo, domingo, 17 de maio de 2009

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Em Hollywood, latinidade é 'destino cravado'


Para atriz, visão dos EUA sobre os atores brasileiros não escapa ao estereótipo

ENVIADO AO RIO

Indicada ao Oscar em 1999, por "Central do Brasil", Fernanda Montenegro diz, nesta entrevista, que já passou da idade de ter ilusões hollywoodianas. E aconselha Rodrigo Santoro e Alice Braga, os atores brasileiros em ascensão na indústria norte-americana: "Não adianta se iludir". A atriz também critica a proposta de reforma da Lei Rouanet e contesta a ideia de que artistas consagrados têm mais facilidade em obter patrocínio. (LUCAS NEVES)

 

FOLHA - Os atores Rodrigo Santoro e Alice Braga estão em ascensão em Hollywood, cenário em que a sra. transitou na esteira do sucesso de "Central do Brasil". Que caminho eles devem buscar ali?
FERNANDA MONTENEGRO
- Somos sul-americanos contaminados pela visão mexicana que o americano tem de toda a América Latina. Lá fora, não saímos disso. É importante ter essa consciência. O que puderem aproveitar desse espaço, ótimo. São jovens talentosos já com excelentes resultados. Mas há um destino cravado, que é a latinidade. Não adianta se iludir.

FOLHA - A sra. recebeu vários convites para papéis desse tipo, não foi?
FERNANDA
- Sim. Salvadorenhas, chilenas, madrilenas, até uma iraniana. Onde é que isso vai me levar? Não tenho mais 20 anos para ter ilusão hollywoodiana.

FOLHA - Com que diretores estrangeiros gostaria de trabalhar?
FERNANDA
- Nos EUA, queria ter trabalhado com o [Robert] Altman e o [Stanley] Kubrick. Na Europa, com [Ingmar] Bergman. Sobrou só Pedro Almodóvar, um criador imenso.

FOLHA - E brasileiros?
FERNANDA
- Beto Brant. Os filmes dele têm nervo, inteligência, clareza.

FOLHA - O que pensa das telenovelas de hoje? Há quem veja um esgotamento do gênero.
FERNANDA
- Acompanho, na medida do possível, "Caminho das Índias". É tão kitsch que vejo. É um pulo no abismo, sem rede. Vejo que os atores começaram estranhando as roupas, os cenários. Mas, meses depois, já não têm mais problema, aceitaram um tipo de jogo.

FOLHA - Por que, nos últimos 20 anos, os produtores culturais brasileiros passaram a depender tanto de patrocínios e leis de renúncia fiscal?
FERNANDA
- É impressionante como não se estuda isso no Brasil: o que todo esse movimento que vem desde a morte de Getúlio até agora -esse mundo político inseguro, com jogadas de sobrevivência ideológica, censura e perseguições- custou para a cultura brasileira, principalmente as artes cênicas. Estamos envergonhadamente estatizados. Alegam que os que têm nome vão e recebem patrocínios.

FOLHA - Não é verdade?
FERNANDA
- Não necessariamente. Porque as verbas são entregues ao diretor do setor de marketing. Tanto o consagrado quanto o alternativo recebem um "não". Para dividir e poder reinar, criou-se a expectativa de que o consagrado chega e abre todas as portas. Isso não é verdade. Falo por experiência.

FOLHA - Os artistas consagrados levam tantos "nãos" quanto os grupos de pesquisa?
FERNANDA
- O diretor do grupo experimental não vai ser alugado como o nome dito consagrado, que tem de dar autógrafo para todo o sistema de atendimento daquele andar [da gerência de marketing da empresa], para o presidente da organização, para a mãe, a mulher.

FOLHA - E como vê o debate atual sobre a reforma da Lei Rouanet?
FERNANDA
- É uma reforma que não precisa existir. A lei tem de ter um apuro, ajuste. O Fundo Nacional de Cultura é fundamental, assim como é deixar uma brecha para quem queira atender por fora dele [por renúncia fiscal]. Por que confinar todos num só guichê?

FOLHA - No fim de "Viver sem Tempos Mortos", a personagem de Simone de Beauvoir diz: "Meu passado é a referência que me projeta e que devo ultrapassar". Com que projetos a sra. pretende ultrapassar o que fez até aqui?
FERNANDA
- Olha, se disser a você que não tenho projeto nenhum... É que já vivi mais do que possa viver. Quando você tem muito a viver, naturalmente tem projetos. Mas chega uma hora em que o meu projeto primeiro é estar inteira. Para o futuro, tenho uma novela do Silvio de Abreu, um convite do Teatro do Porto (Portugal) para atuar em "A Amante Inglesa", de Marguerite Duras. E o sonho de 50 anos de fazer alguma coisa da Clarice Lispector.
Mas sempre tem tantas Clarices sendo feitas que deixo para daqui a pouco. Mas não tenho mais tempo de experimentar o que experimentei, de passar por mais 50 personagens. Então não é uma visão festiva.

FOLHA- Isso lhe traz angústia?
FERNANDA
- Seria idiota se dissesse que não. Seria mentiroso dizer que me sinto melhor do que quando tinha 20 anos. Isso não existe. Os anos dão uma consciência que não tem preço, ou que tem o preço da sua juventude. Mas não sei se trocaria a minha vivência de 80 anos pelo tempo não vivido quando a gente tem 20. Nessa idade, a gente nem se vê vivendo.


VIVER SEM TEMPOS MORTOS Quando: qui. e sex., às 21h; sáb., às 20h; e dom., às 18h; até 28/6
Onde: Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quanto: R$ 30
Classificação: 16 anos


Folha Online

Leia a íntegra da entrevista e análises dos críticos Luiz Fernando Ramos e Sérgio Rizzo sobre a carreira da atriz
folha.com.br/091344


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