São Paulo, domingo, 17 de maio de 2009

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Crítica/DVD/"O Ovo da Serpente"

Ingmar Bergman faz leitura da antessala do pesadelo nazista

Berlim sombria criada pelo prestigiado cineasta sueco foi recebida com estranheza e patrulhamento na década de 70

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

"A cordo de um pesadelo, e a vida real é pior", diz o trapezista Abel Rosenberg. Ele vive em Berlim, em novembro de 1923, período inicial da República de Weimar (1919-1933).
Enquanto a hiperinflação e o desemprego corroíam a sociedade, Adolf Hitler aproveitava o caldeirão para preparar um golpe em Munique.
Acompanhamos Rosenberg -que nasceu nos EUA e não fala alemão- durante pouco mais de uma semana em "O Ovo da Serpente" (1977), que o sueco Ingmar Bergman (1918-2007) realizou com dinheiro do italiano Dino De Laurentiis, cujas produções naquele período incluíam a refilmagem de "King Kong" (1976) e "Orca, a Baleia Assassina" (1977).
Vista por alguns com estranheza, a parceria entre os dois não esgotava a cota de preconceitos de que o filme foi alvo.
Naquela altura, Bergman já havia consolidado seu prestígio, associado ao universo de "Gritos e Sussurros" (1972), "Cenas de um Casamento" (1973) e "Face a Face" (1976), para ficar em exemplos então frescos na memória do público.
Por que deveria ele meter o dedo no mal-estar alemão do entreguerras? Três décadas depois, pode-se não gostar de sua leitura da antessala do pesadelo nazista, mas já não cabe o patrulhamento, que desvia a atenção inclusive dos elementos essencialmente relacionados à obra de Bergman.
Rosenberg (o norte-americano David Carradine, recém-saído do seriado "Kung-fu", o que não ajudava muito) e a prostituta Manuela (Liv Ullmann) circulam por um mundo em que os personagens, às voltas com a luta pela sobrevivência, são atormentados pela culpa e lamentam não terem ouvidas suas preces. Ninguém parece se importar com eles.
Resta o perdão de uns aos outros, em manifestação do "silêncio de Deus" que caracterizou a filmografia de Bergman, estivesse a angústia ambientada na Idade Média, na Suécia contemporânea ou na Alemanha dos anos 20. Aqui, o sentimento de solidão e abandono encontra também reverberações políticas; a dor dessa orfandade social dará origem nos anos 30 à "revolução", profetiza o vilão da história.
A Berlim sombria de Bergman é uma cidade de sonho, assim como a do alemão Rainer Fassbinder em "Berlin Alexanderplatz" (1980), que também observa, pela membrana do ovo, a serpente nazista em gestação. O contraste entre as duas, no entanto, lembra como diferenças de concepção apontam para mundos distintos.


O OVO DA SERPENTE
Distribuidora: Versátil
Quanto: R$ 45, em média
Classificação: 18 anos
Avaliação: regular



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