São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 2011

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Festa se firma sem avanços concretos

Virada Cultural, agora na sétima edição, atraiu olhares para o centro de SP, mas cenário continua degradado

Arquitetos acreditam que evento deste fim de semana detonou uma reeducação sobre o centro e espaço urbano

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Seis vezes nos últimos seis anos uma multidão invadiu o centro de São Paulo durante a Virada Cultural. Neste fim de semana, 4 milhões de pessoas são esperadas para ver os mil espetáculos de todo tipo em palcos armados na região mais antiga da cidade.
Mantendo quase a mesma estrutura do ano passado, a Virada Cultural deste ano promete reforçar a limpeza e o policiamento, afastando um pouco mais os palcos uns dos outros. Reservou R$ 8 milhões para pagar a conta.
Enquanto a festa se consolida no calendário paulistano, pouco, de fato, mudou no cenário da Virada. Quem desvia o olhar do show percebe fachadas degradadas, abandono de prédios históricos e becos mal iluminados.
"Não tem melhoria palpável; é uma recuperação que não é física", diz o diretor de programação da Virada Cultural, José Mauro Gnaspini. "Esse espaço ainda é ermo, difícil, numa noite normal."
Gnaspini fala da praça Júlio Prestes, onde Rita Lee faz show na tarde de sábado, um "entorno escroto" emoldurando a estação "bonitinha".
De um ano para cá, o perímetro da festa perdeu a praça Roosevelt, agora em reforma, e ganhou a praça da República, sem as interdições e os tapumes das obras do metrô.
Mas é difícil que Paulinho da Viola ou Mart'nália, dois dos escalados para tocar ali, consigam ofuscar o estado avançado de degradação do edifício Esther, construção de 1936, um marco da arquitetura moderna no país, que há anos apodrece na praça.
"É o edifício mais elegante da cidade e merece ser conservado", observa o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim. "Tende a virar um cortiço."

VALORIZAÇÃO AFETIVA
Sobre a Virada Cultural, evento "bem recebido e bem frequentado", Wilheim diz que também serve para "assinalar que há coisas a fazer que não estão sendo feitas".
Prédios esquecidos na República, Luz e Arouche são os espectadores silenciosos da algazarra de uma noite.
"Na hora, está tudo iluminado, multidão na rua, bares abertos", diz Marco Antônio Ramos de Almeida, da Associação Viva o Centro. "Não é que o evento chama a atenção para os problemas dali; acaba chamando a atenção para as virtudes do centro."
Entre as virtudes, a curta distância entre uma praça e outra, no caso, um palco e outro. Segundo Almeida, a Virada detonou a descoberta do centro pela juventude e o que chama de uma "valorização afetiva" desse espaço.
"Está havendo essa reversão, um processo educativo, que faz florescer as virtudes que o centro tinha", diz Ciro Pirondi, da Escola da Cidade. "Essa é a primeira grande ênfase. Depois, é trazer para o centro a revitalização dos antigos edifícios, dar uma vida nova a esses lugares."
Pirondi, que dirige uma escola de arquitetura na General Jardim, rua degradada que aos poucos se torna um corredor descolado, com estúdios de artistas e designers, elogia o foco em espaços e eventos culturais no centro da cidade, mas acredita que nada pode fincar raízes ali sem que novos moradores ocupem essa região.
"São Paulo tem a grande oportunidade de repensar a cultura no meio urbano", diz o arquiteto Roberto Loeb. "Vejo a Virada Cultural como o embrião de algo que está se desenvolvendo, a ideia de transformar o centro, hoje agressivo, naquilo que era."
Mas esse é um processo, segundo Loeb, menos drástico do que o que vem acontecendo. No lugar da demolição de prédios como o São Vito ou o redesenho da Luz a toque de caixa, sugere o "convívio do velho com o novo".

PONTO DE ENCONTRO
"Há mudanças de postura muito de leve, mas não se pode jogar isso nas costas da Virada", diz o crítico de arquitetura Fernando Serapião. "É uma ação mais de propaganda, que leva as pessoas não acostumadas com a região a ver a cidade de outra forma."
Tem a ver, na opinião desses arquitetos, com retomar a ideia do centro como ponto de encontro numa cidade que privilegia o automóvel em detrimento do pedestre.
"É um pretexto maravilhoso fazer que as pessoas saiam de cada canto numa data marcada e se encontrem numa mesma esquina", diz Alexandre Delijaicov, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. "Tem o caráter do Anhangabaú como uma bacia de acolhimento, uma sala a céu aberto."


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