São Paulo, sábado, 12 de abril de 2008

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

Goethe e Hackert: paisagem em tela

Livro trata da relação fecunda entre o pintor de paisagem alemão e seu aprendiz de desenho, o poeta do "Fausto"

A DISCUSSÃO sobre os méritos relativos de Taunay e Debret (qual dos dois o grande pintor?) e sobre o caráter da missão artística francesa (menos oficial do que se acreditava) é um subproduto interessante do rebuliço que os números redondos teimam em provocar. No caso dos 200 anos do desembarque da família real portuguesa no Brasil, a efeméride é bem-vinda, se, entre outras coisas, nos leva a repensar a contribuição individual de ambos à forja da imagem para o mundo da terra que acolheu a corte lusitana no exílio.
Cláudia Valladão de Mattos, professora de artes plásticas na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), organizou um pequeno volume em torno da relação fecunda entre um pintor de paisagem, o alemão Jakob Phillip Hackert (1737-1807), e seu aprendiz de desenho, ninguém menos que o poeta do "Fausto", Johan Wolfgang Von Goethe (1749-1832), que o descobriu, já sob a influência do princípio da imitação dos antigos colhido em Winckelmann, durante uma de suas famosas viagens à Itália, país em que firmou a sua conversão ao classicismo.
Nos dois ensaios que enfeixa -"Também Eu na Arcádia: Goethe, Hackert e a Pintura de Paisagem", da organizadora, e "A Paisagem Clássica como Alegoria do Poder do Soberano: Hackert na Corte de Nápoles e as Origens da Pintura de Paisagem no Brasil", de Luciano Migliaccio-, o livro tanto apresenta a defesa do modelo neoclássico do gênero contra a emergente força romântica, debate estético decisivo para os rumos que o pensamento de Goethe assumiu em seus anos de maturidade, como levanta a interessante hipótese de que a visão por trás das paisagens que Hackert realizou a serviço de Ferdinando 4º, soberano Bourbon do reino de Nápoles (mesclando elementos da presença humana, variedade de tipos e pujança econômica, inclusive, à imponência da natureza, tudo mediado pela presença integrada de um rei próximo do povo), se prestou ao papel de modelo para as encomendas que dom João 6º fez a seus próprios pintores de corte, no Brasil.
O elogio da multiplicidade sensível do real e a disposição para vislumbrar nos campos e colinas italianos a perenidade de cenários míticos da Arcádia grega entusiasmaram Goethe a ponto de mobilizar seu empenho pessoal na edição das reflexões teóricas e técnicas do professor, também traduzidas nesta edição brasileira.
No observador atento de uma natureza depurada do acidental, apreendida nos traços característicos que o estudo sistemático das diferenças pode ensinar, o mestre de Weimar admirou arte e ciência caminhando passo a passo, síntese que homenageia no poema "Amor: Pintor de Paisagem", que, em tradução de Haroldo de Campos, arremata à altura o título feliz da coleção Artes&Ofícios.


GOETHE E HACKERT: SOBRE A PINTURA DE PAISAGEM
Organizadora:
Cláudia Valladão de Mattos
Editora: Ateliê
Quanto: R$ 25 (152 págs.)
Avaliação: ótimo


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