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A família
Em entrevista exclusiva, Evelyn,
neta
do cientista, conta como seu avô
lhe ajudava
a resolver problemas matemáticos e como o sobrenome ilustre atormentou sua vida escolar
"Não é fácil ser uma Einstein"
Sérgio Dávila
Da Califórnia
Você não é nenhum Einstein" é
uma crítica popular nos EUA.
Quer dizer que o interlocutor
não é um gênio. A frase traz
um paradoxo com o qual poucas pessoas ainda vivas têm de
lidar: e se você for um Einstein
e não for nenhum Einstein?
Uma delas é Evelyn, a terceira
neta do cientista, filha caçula
de Hans Albert, o primogênito. "Não é fácil ser uma Einstein", resume, em entrevista à
Folha, de sua casa em Albany,
Califórnia.
Evelyn Einstein, 64, divorciada,
sem filhos, diz que durante toda a
sua vida as pessoas esperavam
que ela alcançasse a "excelência
absoluta". Ela nunca atingiu o patamar, nem tentou. Adolescente
rebelde, era uma das únicas interlocutoras do tio esquizofrênico,
Eduard; mais velha, num período
curto, foi de policial a sem-teto na
mesma cidade, San Francisco;
formada em antropologia e literatura comparada, aposentou-se
como "desprogramadora de seguidores de culto".
Tratada como neta consangüínea de Einstein pelos biógrafos
oficiais, Evelyn aparece em livros
não-oficiais ora como filha adotiva de seus pais, ora como filha do
próprio Einstein, fruto de um caso com uma dançarina nova-iorquina. O médico Charles Boyd,
que estudou o cérebro do cientista, chegou a pegar amostras de
DNA dela para comparar com as
do avô-pai, mas nunca chegou a
conclusão definitiva. Ela não gosta de comentar o caso. Disse brincando, uma vez: "Se você acreditar na teoria do espaço-tempo de
Einstein, eu posso ser avó dele".
Hoje, Evelyn sofre de um câncer
que a impede de sair de casa. Mas
ela se lembra de "Albie", como
chama Albert Einstein, com carinho. Especialmente das cartas
que trocavam, em que o pai da
teoria da relatividade ensinava a
netinha a resolver -o que
mais?- equações matemáticas.
Folha - Quando Einstein morreu,
a sra. tinha 14 anos. Como era a
convivência com seu avô?
Evelyn Einstein - Muito boa, mas
já não o via tanto assim. Convivíamos mais quando eu era criança.
Meu pais tinham vindo para os
Estados Unidos como refugiados,
então não tínhamos muito dinheiro, e "Albie" não gostava
muito de viajar por conta de sua
fama. Todo mundo o perseguia,
ele odiava isso.
Folha - Seu avô foi o primeiro
cientista da história a ser perseguido por paparazzi...
Einstein - Exatamente, e ele não
entendia isso e, se entendia, não
gostava. Assim, nós trocávamos
muitas cartas. Quando eu estava
na escola primária e secundária,
escrevia muito para ele.
Folha - E ele respondia?
Einstein - Sim.
Folha - Sobre o que vocês conversavam nas cartas?
Einstein - Basicamente, eram
questões que eu tinha sobre problemas de geometria e álgebra (risos). Eu mandava para ele uma
equação matemática, por exemplo, e o raciocínio que tinha usado
para resolvê-la. Ele escrevia de
volta dizendo: "Que boa idéia,
querida! Pena que não vai funcionar... Por que você não tenta assim?" E então, é claro, resolvia
muito elegantemente meus problemas. Ele era muito fechado, essa era nossa maneira de ter um relacionamento mais íntimo.
Folha - Mas Albert Einstein era
um avô tradicional, daqueles que
mandam cartões no Natal e presentes no dia do aniversário?
Einstein - Não. Essas manifestações materiais de afetividade não
eram algo normal em nossa casa.
Eles eram suíços, e os Estados
Unidos é que inventaram essa
materialidade toda ao redor dessas datas. Lembro-me de quando
fui convidada para minha primeira festa de aniversário. Meu pai teve de perguntar para os pais de
minha colega: "O que é exatamente uma festa de aniversário?"
Não era a mesma coisa aqui e na
Europa. Nós não falávamos inglês
em casa, por exemplo. Só fui
aprender brincando com as outras crianças na rua e na escola.
Folha - A sra. escreveu o prefácio
de um livro com uma coletânea de
cartas de crianças recebidas por Albert Einstein e as respostas que ele
deu a elas, não?
Einstein - Sim, "Dear Professor
Einstein" (Prometheus, 2002). Ele
recebia milhares de cartas por
mês, respondia algumas. Infelizmente, Albie tinha uma guardiã
[Helen Dukas, que foi sua secretária até sua morte, em 1955]. Secretárias às vezes agem como se fossem carcereiros de pessoas famosas. A dele fazia isso, inclusive
com algumas cartas minhas. Jogava eventualmente algumas fora
sem mostrar para ele ou respondia com cartas-padrão, do tipo:
"Obrigada por ter escrito, o sr.
Einstein é uma pessoa muito ocupada". Se acontecia comigo, imagine com outras crianças...
Folha - Tenho de perguntar: sendo uma Einstein, a sra. era mais inteligente do que a média dos estudantes em sua classe?
Einstein - Não sei. Só sei que
nunca fui elogiada, porque esperavam de mim nada menos do
que a excelência absoluta, e todos
ficavam muito desapontados se
eu não a atingia. Quando era menor, eu não tinha idéia de que
meu avô era famoso. Para mim,
ele era apenas o vovô. As crianças
também não sabiam. Mas quando
entrei no colegial, isso quando já
estava na Europa, aí o fato era conhecido. Os estudantes me diziam, enciumados: "Você vai ser a
queridinha dos professores".
Folha - E a sra. queria ser cientista, como seu avô?
Einstein - Antes de entrar na
Universidade da Califórnia em
Berkeley, estudei num colégio interno na Suíça. Lá, pensei muito
em ser cientista, mas os orientadores me disseram que mulheres
não podiam fazer isso. Como estava num país em que a autoridade era a base de tudo, não questionei. Assim, acabei estudando um
pouco de tudo aqui na Califórnia
e acabei me formando em literatura comparada e antropologia.
Folha - Quando a sra. estudava na
Suíça, era uma das únicas parentes
a visitar seu tio Eduard (1910-1965,
segundo filho de Einstein, que sofria de esquizofrenia) no sanatório.
Como era essa relação?
Einstein - Eu o adorava, tratava-o como uma pessoa normal, mesmo sabendo que estava num lugar para doentes mentais. Nós
nos divertíamos. Ficava triste por
ele, porque sentia que não estava
sendo tratado como devia. Por
exemplo, eles não deixavam que
ele recebesse qualquer notícia do
mundo exterior. A única leitura
que tinha era uma edição dos
anos 20 da "Enciclopédia Britânica". Então, me perguntava coisas
como: "E então, as pessoas lá fora
se decidiram pelo carro a gasolina
ou movido a eletricidade?" Ele
apostava na segunda opção. É
uma pena que estivesse errado...
Folha - A sra. foi uma "desprogramadora de seguidores de cultos". O
que é isso?
Einstein - Era uma militância.
Não posso ver pessoas sendo manipuladas, e é isso que os cultos
fazem. A origem acho que foi o
que vi fazerem com meu tio. Mas,
OK, eis por que eu os odeio: muitos, muitos, muitos cultos usam
como parte de seu recrutamento
o pensamento de Albert Einstein.
Eles falam que acreditam nas
mesmas coisas que Albie, e é assim que convencem muitas pessoas a segui-los. Isso eu não poderia tolerar. Eles usam o nome dele... Bom, todo mundo usa o nome dele, é uma desgraça...
Folha - A sra. esta falando da
cientologia?
Einstein - Sim, mas não somente
da cientologia.
Folha - Tenho de tocar num assunto delicado: o cérebro de seu
avô. Literalmente. Primeiro, gostaria de saber sua reação ao saber
que o órgão tinha sido não só roubado na autópsia como também
mantido escondido por décadas
por Thomas Harvey.
Einstein - Não me lembro de como descobri, só sei que fiquei furiosa. Roubaram o cérebro de Albert Einstein! Ainda estou furiosa.
Como alguém pode roubar um
pedaço de um cadáver e não ir para a cadeia por isso? É repugnante!
E manter como um troféu? Ouvi
rumores de que também os olhos
teriam sido roubados e sabe Deus
o que mais. Tenho essa imagem
de urubus sentados ao redor,
olhando para o corpo de meu avô
e investindo contra ele, arrancando pedaços... É horrível, não sei
como ele nunca foi punido.
Folha - A sra. está feliz com o destino final do cérebro (a Universidade Princeton)?
Einstein - Princeton, Princeton...
A universidade já fez muita bobagem em relação a Albie. Veja bem,
não me importo que realizem
pesquisas científicas com o cérebro. O único problema é: nós realmente sabemos se é o cérebro dele? Bem, nós sabemos que aquele
senhor o roubou, então a possibilidade é grande. Mas acho que eles
deveriam checar, e não creio que
isso seja mais possível.
Folha - A sra. não quis manter o
cérebro aí, conforme a intenção
original do patologista?
Einstein - Deus me livre. A verdade é que o sr. Harvey me ofereceu um pedaço do cérebro e cópias de alguns textos científicos
que Albie supostamente escreveu.
Como eu estava muito interessada nesses textos, até cogitei aceitar
um pedaço do cérebro que ele insistia em me dar, como um monumento à tolice humana. Mas
ele ficou muito incomodado e decidiu ir embora de repente.
Folha - Imagino que tudo isso tenha sido muito intenso, não?
Einstein - Na verdade, não (risos). Não tenho idéia de por que
ele ficou tão incomodado, mas
acho que foi quando comecei a falar sobre o cérebro e ele percebeu
que eu sabia mais sobre a história
toda do que ele pensava...
Folha - Última pergunta: é fácil
ser uma Einstein?
Einstein - Não. Acho que seria
mais fácil para outros, não para
mim. Preferiria que as pessoas me
conhecessem por quem sou e que
gostassem de mim por mim mesma. Pensar numa pessoa como
"neta de alguém" é uma maneira
de desumanizá-la. Na faculdade,
tive um professor, Alain, que também foi meu mentor. Ele entendia
meu sofrimento muito, muito
bem, então me apresentava para a
classe e para os outros apenas como Evelyn. Ele também tinha um
sobrenome famoso.
Folha - Qual era o sobrenome?
Einstein - Renoir. Era neto do
pintor e filho do cineasta. Ainda
está vivo, eu acho. Como eu.
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