São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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A família

Em entrevista exclusiva, Evelyn, neta do cientista, conta como seu avô lhe ajudava a resolver problemas matemáticos e como o sobrenome ilustre atormentou sua vida escolar

"Não é fácil ser uma Einstein"

Sérgio Dávila
Da Califórnia

Você não é nenhum Einstein" é uma crítica popular nos EUA. Quer dizer que o interlocutor não é um gênio. A frase traz um paradoxo com o qual poucas pessoas ainda vivas têm de lidar: e se você for um Einstein e não for nenhum Einstein? Uma delas é Evelyn, a terceira neta do cientista, filha caçula de Hans Albert, o primogênito. "Não é fácil ser uma Einstein", resume, em entrevista à Folha, de sua casa em Albany, Califórnia.
Evelyn Einstein, 64, divorciada, sem filhos, diz que durante toda a sua vida as pessoas esperavam que ela alcançasse a "excelência absoluta". Ela nunca atingiu o patamar, nem tentou. Adolescente rebelde, era uma das únicas interlocutoras do tio esquizofrênico, Eduard; mais velha, num período curto, foi de policial a sem-teto na mesma cidade, San Francisco; formada em antropologia e literatura comparada, aposentou-se como "desprogramadora de seguidores de culto".
Tratada como neta consangüínea de Einstein pelos biógrafos oficiais, Evelyn aparece em livros não-oficiais ora como filha adotiva de seus pais, ora como filha do próprio Einstein, fruto de um caso com uma dançarina nova-iorquina. O médico Charles Boyd, que estudou o cérebro do cientista, chegou a pegar amostras de DNA dela para comparar com as do avô-pai, mas nunca chegou a conclusão definitiva. Ela não gosta de comentar o caso. Disse brincando, uma vez: "Se você acreditar na teoria do espaço-tempo de Einstein, eu posso ser avó dele".
Hoje, Evelyn sofre de um câncer que a impede de sair de casa. Mas ela se lembra de "Albie", como chama Albert Einstein, com carinho. Especialmente das cartas que trocavam, em que o pai da teoria da relatividade ensinava a netinha a resolver -o que mais?- equações matemáticas.

 

Folha - Quando Einstein morreu, a sra. tinha 14 anos. Como era a convivência com seu avô?
Evelyn Einstein -
Muito boa, mas já não o via tanto assim. Convivíamos mais quando eu era criança. Meu pais tinham vindo para os Estados Unidos como refugiados, então não tínhamos muito dinheiro, e "Albie" não gostava muito de viajar por conta de sua fama. Todo mundo o perseguia, ele odiava isso.

Folha - Seu avô foi o primeiro cientista da história a ser perseguido por paparazzi...
Einstein -
Exatamente, e ele não entendia isso e, se entendia, não gostava. Assim, nós trocávamos muitas cartas. Quando eu estava na escola primária e secundária, escrevia muito para ele.

Folha - E ele respondia?
Einstein -
Sim.

Folha - Sobre o que vocês conversavam nas cartas?
Einstein -
Basicamente, eram questões que eu tinha sobre problemas de geometria e álgebra (risos). Eu mandava para ele uma equação matemática, por exemplo, e o raciocínio que tinha usado para resolvê-la. Ele escrevia de volta dizendo: "Que boa idéia, querida! Pena que não vai funcionar... Por que você não tenta assim?" E então, é claro, resolvia muito elegantemente meus problemas. Ele era muito fechado, essa era nossa maneira de ter um relacionamento mais íntimo.

Folha - Mas Albert Einstein era um avô tradicional, daqueles que mandam cartões no Natal e presentes no dia do aniversário?
Einstein -
Não. Essas manifestações materiais de afetividade não eram algo normal em nossa casa. Eles eram suíços, e os Estados Unidos é que inventaram essa materialidade toda ao redor dessas datas. Lembro-me de quando fui convidada para minha primeira festa de aniversário. Meu pai teve de perguntar para os pais de minha colega: "O que é exatamente uma festa de aniversário?" Não era a mesma coisa aqui e na Europa. Nós não falávamos inglês em casa, por exemplo. Só fui aprender brincando com as outras crianças na rua e na escola.

Folha - A sra. escreveu o prefácio de um livro com uma coletânea de cartas de crianças recebidas por Albert Einstein e as respostas que ele deu a elas, não?
Einstein -
Sim, "Dear Professor Einstein" (Prometheus, 2002). Ele recebia milhares de cartas por mês, respondia algumas. Infelizmente, Albie tinha uma guardiã [Helen Dukas, que foi sua secretária até sua morte, em 1955]. Secretárias às vezes agem como se fossem carcereiros de pessoas famosas. A dele fazia isso, inclusive com algumas cartas minhas. Jogava eventualmente algumas fora sem mostrar para ele ou respondia com cartas-padrão, do tipo: "Obrigada por ter escrito, o sr. Einstein é uma pessoa muito ocupada". Se acontecia comigo, imagine com outras crianças...

Folha - Tenho de perguntar: sendo uma Einstein, a sra. era mais inteligente do que a média dos estudantes em sua classe?
Einstein -
Não sei. Só sei que nunca fui elogiada, porque esperavam de mim nada menos do que a excelência absoluta, e todos ficavam muito desapontados se eu não a atingia. Quando era menor, eu não tinha idéia de que meu avô era famoso. Para mim, ele era apenas o vovô. As crianças também não sabiam. Mas quando entrei no colegial, isso quando já estava na Europa, aí o fato era conhecido. Os estudantes me diziam, enciumados: "Você vai ser a queridinha dos professores".

Folha - E a sra. queria ser cientista, como seu avô?
Einstein -
Antes de entrar na Universidade da Califórnia em Berkeley, estudei num colégio interno na Suíça. Lá, pensei muito em ser cientista, mas os orientadores me disseram que mulheres não podiam fazer isso. Como estava num país em que a autoridade era a base de tudo, não questionei. Assim, acabei estudando um pouco de tudo aqui na Califórnia e acabei me formando em literatura comparada e antropologia.

Folha - Quando a sra. estudava na Suíça, era uma das únicas parentes a visitar seu tio Eduard (1910-1965, segundo filho de Einstein, que sofria de esquizofrenia) no sanatório. Como era essa relação?
Einstein -
Eu o adorava, tratava-o como uma pessoa normal, mesmo sabendo que estava num lugar para doentes mentais. Nós nos divertíamos. Ficava triste por ele, porque sentia que não estava sendo tratado como devia. Por exemplo, eles não deixavam que ele recebesse qualquer notícia do mundo exterior. A única leitura que tinha era uma edição dos anos 20 da "Enciclopédia Britânica". Então, me perguntava coisas como: "E então, as pessoas lá fora se decidiram pelo carro a gasolina ou movido a eletricidade?" Ele apostava na segunda opção. É uma pena que estivesse errado...

Folha - A sra. foi uma "desprogramadora de seguidores de cultos". O que é isso?
Einstein -
Era uma militância. Não posso ver pessoas sendo manipuladas, e é isso que os cultos fazem. A origem acho que foi o que vi fazerem com meu tio. Mas, OK, eis por que eu os odeio: muitos, muitos, muitos cultos usam como parte de seu recrutamento o pensamento de Albert Einstein. Eles falam que acreditam nas mesmas coisas que Albie, e é assim que convencem muitas pessoas a segui-los. Isso eu não poderia tolerar. Eles usam o nome dele... Bom, todo mundo usa o nome dele, é uma desgraça...

Folha - A sra. esta falando da cientologia?
Einstein -
Sim, mas não somente da cientologia.

Folha - Tenho de tocar num assunto delicado: o cérebro de seu avô. Literalmente. Primeiro, gostaria de saber sua reação ao saber que o órgão tinha sido não só roubado na autópsia como também mantido escondido por décadas por Thomas Harvey.
Einstein -
Não me lembro de como descobri, só sei que fiquei furiosa. Roubaram o cérebro de Albert Einstein! Ainda estou furiosa. Como alguém pode roubar um pedaço de um cadáver e não ir para a cadeia por isso? É repugnante! E manter como um troféu? Ouvi rumores de que também os olhos teriam sido roubados e sabe Deus o que mais. Tenho essa imagem de urubus sentados ao redor, olhando para o corpo de meu avô e investindo contra ele, arrancando pedaços... É horrível, não sei como ele nunca foi punido.

Folha - A sra. está feliz com o destino final do cérebro (a Universidade Princeton)?
Einstein -
Princeton, Princeton... A universidade já fez muita bobagem em relação a Albie. Veja bem, não me importo que realizem pesquisas científicas com o cérebro. O único problema é: nós realmente sabemos se é o cérebro dele? Bem, nós sabemos que aquele senhor o roubou, então a possibilidade é grande. Mas acho que eles deveriam checar, e não creio que isso seja mais possível.

Folha - A sra. não quis manter o cérebro aí, conforme a intenção original do patologista?
Einstein -
Deus me livre. A verdade é que o sr. Harvey me ofereceu um pedaço do cérebro e cópias de alguns textos científicos que Albie supostamente escreveu. Como eu estava muito interessada nesses textos, até cogitei aceitar um pedaço do cérebro que ele insistia em me dar, como um monumento à tolice humana. Mas ele ficou muito incomodado e decidiu ir embora de repente.

Folha - Imagino que tudo isso tenha sido muito intenso, não?
Einstein -
Na verdade, não (risos). Não tenho idéia de por que ele ficou tão incomodado, mas acho que foi quando comecei a falar sobre o cérebro e ele percebeu que eu sabia mais sobre a história toda do que ele pensava...

Folha - Última pergunta: é fácil ser uma Einstein?
Einstein -
Não. Acho que seria mais fácil para outros, não para mim. Preferiria que as pessoas me conhecessem por quem sou e que gostassem de mim por mim mesma. Pensar numa pessoa como "neta de alguém" é uma maneira de desumanizá-la. Na faculdade, tive um professor, Alain, que também foi meu mentor. Ele entendia meu sofrimento muito, muito bem, então me apresentava para a classe e para os outros apenas como Evelyn. Ele também tinha um sobrenome famoso.

Folha - Qual era o sobrenome?
Einstein -
Renoir. Era neto do pintor e filho do cineasta. Ainda está vivo, eu acho. Como eu.


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