São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007
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[+] nutrição infantil

Manha pra comer? herança dos pais

Estudo com mais de 5.000 pares de gêmeos sugere que aversão a experimentar novos alimentos tem causa genética

KIM SEVERSON
DO "NEW YORK TIMES"

P ara a pequena Fiona Jacobson, o cardápio semanal do jantar é mais ou menos o seguinte: macarrão. Macarrão. Macarrão. Macarrão. Fritas. Macarrão. No sétimo dia, Jacobson, 5, varia a dieta e desfruta de um pedaço de massa de pizza sem queijo nem molho.
Já a família Baker alterou seus planos de férias para acomodar as necessidades de Sasha, 11, tão avesso a frutas e legumes que certa vez desmaiou com o cheiro de um suco de laranja. Em vez de ir a Praga, na República Tcheca, os pais do menino optaram por ir a Barcelona, na Espanha, onde esperam que a comida o agrade mais.
E, na residência dos Useloff, o gosto do jovem Ethan é tão limitado que a casa funciona como um restaurante rápido. "Eu ajo como essas mães horríveis e faço jantares separados para todos", conta Jenny Useloff.
As três famílias compartilham de um problema. As crianças não só são seletivas demais quanto ao que comem e subitamente passam a rejeitar pratos que antes apreciavam como também sofrem de neofobia -temem novos alimentos ou pratos.
Mas, para os pais que se preocupam com a possibilidade de que seus filhos jamais aprendam a comer outra coisa que não achocolatados com leite, jujubas e um cacho ocasional de uvas, um estudo publicado recentemente parece oferecer algum alívio. Os pesquisadores avaliaram os hábitos alimentares de 5.390 pares de gêmeos entre oito e 11 anos de idade e descobriram que a aversão a experimentar novos alimentos é, em larga medida, hereditária. A mensagem para os pais, portanto, é que o problema não está em seu talento culinário, mas em seus genes.
O estudo, conduzido por Lucy Cooke, do departamento de epidemiologia e saúde pública do University College de Londres, foi publicado pelo "American Journal of Clinical Nutrition" em agosto. Cooke e outros estudiosos da área acreditam que a pesquisa seja a primeira a usar uma escala-padrão para investigar a contribuição da genética e do meio ambiente para a neofobia infantil.
Segundo a pesquisa, 78% do problema tem origem genética e 22%, origem ambiental. "As pessoas descartavam essa idéia porque estavam concentradas em observar a associação social entre pais e filhos", afirmou Cooke. "Já eu parti da posição de que não desejava culpar os pais pelo problema."
Nutricionistas, pediatras e pesquisadores vêm dedicando sua atenção mais às crianças que comem em excesso do que àquelas que comem muito pouco. Mas casos de obesidade infantil são bem menos freqüentes do que episódios de seletividade exagerada de alimentos. Em algumas famílias, as refeições feitas em grupo se tornaram brutais campos de batalha, e os responsáveis pela cozinha entram em colapso diante do esforço de criar mil variações de macarrão com queijo.

Razão evolutiva
A maioria das crianças come uma ampla variedade de alimentos até os dois anos, quando subitamente pára. Essa segunda fase pode durar até os quatro ou cinco anos de idade, e acredita-se que seja uma resposta evolutiva. As papilas gustativas perdem sensibilidade no momento em que as crianças começam a andar, dando-lhes mais controle sobre o que comem. "Se nós simplesmente saíssemos correndo da caverna, na era em que fomos bebês das cavernas, e enfiássemos qualquer coisa na boca, a prática seria perigosa", diz Cooke.
O ceticismo natural quanto a novos alimentos é uma parte saudável do desenvolvimento de uma criança, afirma Ellyn Satter, especialista em nutrição infantil. Cada criança tem um conjunto singular de sabores que aprecia e que detesta, os quais Satter acredita estarem determinados geneticamente. A única maneira de a criança descobrir esses gostos é colocar comida na boca e tirar repetidas vezes, diz.
A conexão genética parece sensata para Jennifer Useloff, cujo filho aprecia variações de um mesmo tema alimentício: pão com queijo, acompanhado por alguma fruta e um ocasional nugget de frango. No passado, Useloff, 36, era exatamente como o filho: ainda que bebesse litros de leite, recusava-se a comer frutas ou legumes crus. Comidas novas a apavoravam.
A aversão persistiu até depois dos 20 anos de idade e só foi superada quando ela decidiu trabalhar racionalmente para escapar dos seus temores. "Sinto-me culpada", diz Useloff. "Temo que meus filhos sejam assim por minha causa."

Driblando os genes
Mesmo que a neofobia alimentar pareça ter origem genética, os médicos dizem que os pais não podem simplesmente ceder e fazer mais um prato de macarrão. "Temos de compreender que biologia não é destino", disse Patricia Pliner, professora de psicologia social na Universidade de Toronto (Canadá).
Especialistas concordam que a exposição calma e repetida a um novo alimento, pelo menos uma vez por dia, de cinco dias a duas semanas é uma forma efetiva de superar os temores da criança.
É claro que tentar introduzir o mesmo alimento semana após semana pode se tornar um trabalho de Sísifo. Alguns pais desistem. É o que Jessica Seinfeld fez. Mulher do ator Jerry Seinfeld e mãe de três crianças pequenas, ela perdeu a paciência após tentar inúmeras vezes convencer seus filhos a experimentarem frutas e legumes.
Para contornar o problema, ela desenvolveu um método alimentar que se baseia, essencialmente, em mentir. O novo livro de Seinfeld, "Deceptively Delicious" [Enganosamente delicioso], delineia uma série de receitas que têm por base purês de frutas e legumes, combinados aos alimentos de forma que as crianças não percebam. Meia xícara de purê de abóbora desaparece em meio a um prato de massa com leite e margarina. Há abacates escondidos no pudim de chocolate e espinafre nos brownies.
Alguns especialistas discordam do método. "Não me parece a melhor a estratégia", diz Pliner. Há a questão do que fazer se as crianças descobrirem, algo que poderia fazê-las perder a confiança na comida oferecida pelos pais. E ocultar os ingredientes não ajuda uma criança a aprender a apreciar novos sabores.
Caso repetir uma comida ou ocultar os legumes não funcione, e desde que o estado de saúde das crianças seja acompanhado por um pediatra, os especialistas sugerem que a melhor solução é a paciência. "A menos que a questão se torne muito grave, tende a ser bem mais passageira do que os pais imaginam", diz Harriet Worobey, diretora da Escola de Ciências da Nutrição da Universidade Rutgers.


TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI


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