São Paulo, domingo, 17 de maio de 2009

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ALBERT FISHLOW

A vida melhor e maior


A notícia de que o programa de saúde Medicare pode esgotar seus recursos é um novo choque para os EUA

EM MEIO à guerra cada vez mais intensa no Paquistão e no Afeganistão e a alguns sinais de que a Grande Recessão na verdade ainda não chegou ao fundo, surgiu novo choque para muitos norte-americanos, na semana passada: o programa de saúde Medicare, que oferece cobertura federal a quase 40 milhões de pessoas com mais de 65 anos, estaria a ponto de esgotar completamente seus recursos em 2017. Um aumento projetado de 30% no número de pessoas maiores de 65 anos, combinado a um aumento de 50% nos custos médios de saúde, superaria o valor total das contribuições correntes para o fundo.
A desanimadora notícia surgiu em meio a um esforço sério -tal como o presidente Obama havia prometido em sua campanha- de reorganizar a cobertura médica para todos os norte-americanos. Ele se reuniu com médicos, dirigentes de companhias farmacêuticas e de operadoras de plano de saúde e outras partes interessadas, na semana passada. Desde abril, o Senado vem conduzindo audiências sobre o assunto.
Um novo plano deve surgir dentro de meses. E já não era sem tempo.
Por um lado, os desembolsos totais com serviços de saúde nos EUA representam hoje o equivalente a 17% do PIB, proporção que já supera a reservada à poupança doméstica.
Por outro, 46 milhões de pessoas estão hoje desprovidas de cobertura médica e outros 25 milhões têm cobertura insuficiente. Embora os eventuais custos de emergência que incidem sobre essas pessoas terminem (indiretamente) repassados aos cidadãos que contam com planos de saúde completos, via aumentos de preço, essa solução é ineficiente. Há também a questão do alto custo dos medicamentos e do padrão inadequado de tratamento, em um país que dispõe da mais avançada tecnologia do planeta.
A saúde é mais que um problema nacional nos EUA. Trata-se de questão de alcance mundial, vinculada à realidade demográfica de taxas de natalidade em progressivo declínio.
Em alguns países, como o Japão, já existe um declínio populacional em curso. A consequência é que a proporção dos idosos na população aumenta. O "Financial Times" abordou o caso da China. Lá, depois de anos de inação, o governo prometeu a extensão da cobertura nacional de saúde a 90% da população até 2011.
O Brasil é mencionado na mesma reportagem do "Financial Times", como o país com o maior investimento em saúde entre os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), com índice de quase 9% da renda pessoal dedicado à área. O SUS obteve grande sucesso em criar cobertura universal de saúde e merece crédito.
Mas são os planos privados e os gastos pessoais de saúde em montante superior à metade do desembolso total que fazem o investimento brasileiro em saúde comparável ao dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), em termos de proporção da renda. Esse é o preço de uma posição de tamanha proeminência na comunidade médica internacional. Com as mudanças da distribuição demográfica e, esperamos, da distribuição de renda no Brasil, agora talvez seja o momento de começar a considerar as consequências, antes que os aumentos nos desembolsos com a saúde continuem a se acumular.
Tampouco seria correto ignorar o lado positivo dessa pequena história. As pessoas em toda parte agora podem viver vidas mais longas e melhores, e não só em razão do acesso ao conhecimento científico cada vez mais amplo. A melhora na saúde pública e mais atenção à medicina preventiva podem fazer grande diferença, igualmente, e estão disponíveis a preços muito inferiores aos dos mais sofisticados serviços médicos.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


ALBERT FISHLOW, 73, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.


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