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BENJAMIN STEINBRUCH
Cinismo
Foi essa idéia que me veio à mente ao ler explicações sobre o impacto fiscal "pouco importante" da alta do juro
O TERMO cinismo, em sua
acepção atual, tem um significado pejorativo. Indica atitude sarcástica e indiferente ao sofrimento alheio.
Foi essa idéia que me veio à mente
ao ler explicações sobre o impacto
fiscal "pouco importante" da elevação da taxa básica de juros tal qual é
esperada pelo mercado financeiro.
O mercado espera -e quando ele
espera, acontece- que a taxa média
de juros em 2008/2009 seja elevada
em um ponto percentual em relação
à anteriormente projetada. Amanhã, com 99% de probabilidade, essa expectativa vai começar a ser sancionada com a elevação da Selic em
0,25 ponto percentual.
Esse um ponto percentual acima
do que se esperava antes é que foi
considerado "pouco importante"
em termos de custos fiscais. Pelos
cálculos do Banco Central, a elevação de um ponto na Selic provoca
aumento de 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto) na dívida líquida
do setor público.
É cínico considerar esse acréscimo pouco significativo. O PIB brasileiro de 2008 pode ser estimado em
aproximadamente R$ 2,5 trilhões, e
0,25% desse valor são R$ 6,2 bilhões. Ou seja, esse será o acréscimo
da dívida pública só por conta da
uma brincadeira de mau gosto, um
movimento para o aumento dos juros que o ex-ministro Delfim Netto
chamou de "ridículo" e "terrorista".
É bom deixar claro que esses R$
6,2 bilhões representam uma dívida
que terá de ser paga pelas gerações
futuras de brasileiros. Para quem
acha esse custo irrelevante, vale
lembrar que ele representa mais da
metade do total de recursos destinados ao Bolsa Família em 2008, provendo assistência básica a 11 milhões de famílias pobres do país. É
também mais de 50% do lucro do
ano passado de todas as grandes empresas brasileiras (com capital aberto) do setor de siderurgia e metalurgia, obtido com o esforço diário de
dezenas de milhares de trabalhadores. Esse valor seria também quase
suficiente para construir um trem-bala entre São Paulo e Rio.
O termo "ridículo", usado por Delfim, explica-se porque ninguém pode
acreditar que seja possível combater
a golpes de Selic uma inflação decorrente principalmente da oferta internacional insuficiente de commodities alimentares. Essa alta dos alimentos é a preocupação número um
do momento dos governos e dos bancos centrais, que nem por isso estão
elevando juros -ao contrário, estão
cortando-os. No Brasil, a inflação de
0,48% em março, por exemplo, que
teria assustado o mercado, advêm em
parte do encarecimento do pãozinho
francês, que nada tem a ver com a demanda interna desse produto, e sim
com o aumento do trigo de 120% em
um ano no mercado internacional.
O termo "terrorismo" se justifica
porque a inflação em 12 meses está
apenas 0,2 ponto percentual acima
do centro da meta de 4,5% -a margem de tolerância permite variação
de até 6,5%- e, contudo, trata-se o
assunto como se o país estivesse à
beira da hiperinflação.
As preocupações com a inflação
são corretas, mas sem terrorismo ou
cinismo e sem exagero em elevações
preventivas dos juros numa fase em
que a economia cresce em ritmo
saudável, a oferta e a demanda se
mantêm equilibradas e o setor privado investe para aumentar a produção, com ganhos seguidos de produtividade. A alta dos juros, sancionando a expectativa do mercado
criada pela própria autoridade monetária, joga água fria na fervura empresarial, que se mantém a despeito
da crise externa. E adiciona um custo absurdo ao serviço da dívida pública, que pode consumir neste ano
incríveis R$ 160 bilhões.
BENJAMIN STEINBRUCH, 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do
conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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