São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Cinismo

Foi essa idéia que me veio à mente ao ler explicações sobre o impacto fiscal "pouco importante" da alta do juro

O TERMO cinismo, em sua acepção atual, tem um significado pejorativo. Indica atitude sarcástica e indiferente ao sofrimento alheio. Foi essa idéia que me veio à mente ao ler explicações sobre o impacto fiscal "pouco importante" da elevação da taxa básica de juros tal qual é esperada pelo mercado financeiro.
O mercado espera -e quando ele espera, acontece- que a taxa média de juros em 2008/2009 seja elevada em um ponto percentual em relação à anteriormente projetada. Amanhã, com 99% de probabilidade, essa expectativa vai começar a ser sancionada com a elevação da Selic em 0,25 ponto percentual.
Esse um ponto percentual acima do que se esperava antes é que foi considerado "pouco importante" em termos de custos fiscais. Pelos cálculos do Banco Central, a elevação de um ponto na Selic provoca aumento de 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto) na dívida líquida do setor público.
É cínico considerar esse acréscimo pouco significativo. O PIB brasileiro de 2008 pode ser estimado em aproximadamente R$ 2,5 trilhões, e 0,25% desse valor são R$ 6,2 bilhões. Ou seja, esse será o acréscimo da dívida pública só por conta da uma brincadeira de mau gosto, um movimento para o aumento dos juros que o ex-ministro Delfim Netto chamou de "ridículo" e "terrorista".
É bom deixar claro que esses R$ 6,2 bilhões representam uma dívida que terá de ser paga pelas gerações futuras de brasileiros. Para quem acha esse custo irrelevante, vale lembrar que ele representa mais da metade do total de recursos destinados ao Bolsa Família em 2008, provendo assistência básica a 11 milhões de famílias pobres do país. É também mais de 50% do lucro do ano passado de todas as grandes empresas brasileiras (com capital aberto) do setor de siderurgia e metalurgia, obtido com o esforço diário de dezenas de milhares de trabalhadores. Esse valor seria também quase suficiente para construir um trem-bala entre São Paulo e Rio.
O termo "ridículo", usado por Delfim, explica-se porque ninguém pode acreditar que seja possível combater a golpes de Selic uma inflação decorrente principalmente da oferta internacional insuficiente de commodities alimentares. Essa alta dos alimentos é a preocupação número um do momento dos governos e dos bancos centrais, que nem por isso estão elevando juros -ao contrário, estão cortando-os. No Brasil, a inflação de 0,48% em março, por exemplo, que teria assustado o mercado, advêm em parte do encarecimento do pãozinho francês, que nada tem a ver com a demanda interna desse produto, e sim com o aumento do trigo de 120% em um ano no mercado internacional.
O termo "terrorismo" se justifica porque a inflação em 12 meses está apenas 0,2 ponto percentual acima do centro da meta de 4,5% -a margem de tolerância permite variação de até 6,5%- e, contudo, trata-se o assunto como se o país estivesse à beira da hiperinflação.
As preocupações com a inflação são corretas, mas sem terrorismo ou cinismo e sem exagero em elevações preventivas dos juros numa fase em que a economia cresce em ritmo saudável, a oferta e a demanda se mantêm equilibradas e o setor privado investe para aumentar a produção, com ganhos seguidos de produtividade. A alta dos juros, sancionando a expectativa do mercado criada pela própria autoridade monetária, joga água fria na fervura empresarial, que se mantém a despeito da crise externa. E adiciona um custo absurdo ao serviço da dívida pública, que pode consumir neste ano incríveis R$ 160 bilhões.


BENJAMIN STEINBRUCH, 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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