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ANÁLISE
Belo Monte, ou a política como avatar
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
A pior coisa que poderia
acontecer com o movimento
socioambientalista contra a hidrelétrica de Belo Monte, no
rio Xingu, era a adesão de James "Avatar" Cameron à causa.
Não do ponto de vista da eficácia, talvez, pois o engajamento
do cineasta bilionário projetou
o assunto até às colunas sociais.
Mas pragmatismo tem limites,
ou deveria ter.
Cameron é um avatar cianótico de Sting, que nos anos 1980
se aliou ao caiapó Raoni Metuktire na defesa do Xingu,
inaugurando a vertente celebritária do ambientalismo. Há
quem goste. Uma centena e
meia de bacanas tietou o diretor num jantar publicitário,
mas Sigourney Weaver farejou
o alienígena e saiu à francesa.
Até Marina Silva, a pré-candidata dos verdes, beijou a mão
do canadense, ou vice-versa.
Admiradora do filme e crítica
de Belo Monte, envereda mais
uma vez pela trilha sentimental
de resistência à marcha incivilizada e antinatural do capitalismo brasileiro, dilapidador de
capital natural (florestas, água,
ar puro) e humano (negros, índios e pobres).
A arribação do jet-set ao Xingu só contribui para alimentar
o clima de Fla-Flu que se construiu antes mesmo da usina.
Deputados do PC do B, militares, ruralistas e barões do setor
elétrico ganham pretexto para
mais um chilique nacionalista.
Ambientalistas de poltrona se
inebriam com a gaia onisciência dos povos da floresta, de pele vermelha ou azul.
A maior vítima desse travesti
da luta política é a objetividade
possível. Nenhum dos lados se
presta a um debate substantivo
sobre Belo Monte, porque pisar
nesse terreiro implicaria uma
negociação com final em aberto, ou seja, admitir que sua conclusão poderia ser tanto construir como não construir a hidrelétrica.
As audiências públicas sobre
a construção da barragem, segundo os relatos disponíveis,
foram uma piada. Engenheiros
deitavam falação técnica para
ribeirinhos e índios. Se o Ministério Público Federal no Pará
conseguir reunir indícios de
que o processo de esclarecimento foi uma farsa, toda urgência de Belo Monte escoará
pelos canais intermináveis do
Judiciário.
No campo adversário da usina, também, os fatos parecem
ter pouco valor. Até bispos juram por tudo quanto é sagrado,
para eles e para os índios, que
Belo Monte será seguida de um
colar de outras hidrelétricas no
Xingu, a montante. A hipótese
foi oficialmente descartada,
mas não se fala mais nisso.
Por que o governo federal
não se esforça mais por um esclarecimento público? Quiçá
porque terá de tocar na questão
espinhosa da baixa eficiência e
da alta incerteza da obra. Com
reservatório relativamente pequeno, a hidrelétrica produzirá, nos meses mais secos, menos da metade da potência instalada de 11,2 mil megawatts.
Se a energia firme da usina
for inferior a 5.000 ou 4.000
megawatts, qual o sentido de ficar repetindo a versão ufanista
de que será a terceira maior hidrelétrica da Terra? O desembarque de um dos consórcios
construtores, às vésperas do
leilão, sugere que pairam dúvidas sobre a viabilidade do empreendimento, ao menos em
termos financeiros.
E a Volta Grande do Xingu,
vai mesmo secar em períodos
do ano a ponto de impedir os
deslocamentos de barco? A
pesca está de fato ameaçada? O
que será feito da multidão de
operários que afluirá à região,
depois que terminar a obra?
São perguntas passíveis de
abordagem factual e objetiva,
se não de equacionamento e solução, mas o debate que interessa não se materializa. É mais
fácil imaginar que a questão se
decidirá com arcos e flechas
aliados de Eywa contra buldôzeres movidos a dinheiro. Aí,
sim, ficará tudo azul na política.
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