São Paulo, segunda-feira, 08 de setembro de 2008

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ENTREVISTA: ROGER AGNELLI

Para o presidente da Vale, país tem vantagens competitivas, mas precisa ainda investir pesadamente em educação e infra-estrutura

Brasil nunca esteve tão consciente

SÉRGIO MALBERGIER
KENNEDY ALENCAR
ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO

No comando da mineradora Vale do Rio Doce, maior empresa privada do país, Roger Agnelli, 49, não poupa elogios ao presidente Lula: "Genial, genial. É a síntese de tudo. Impossível não gostar dele". Para um dos principais executivos do país, o Brasil nunca esteve tão apreciado no exterior e tão consciente de seus problemas e potencial. Mas ele reclama das dores do crescimento, como energia escassa e cara. Por isso, quer participar de um consórcio para disputar a construção da hidrelétrica de Belo Monte (PA), que será a segunda maior do país, depois de Itaipu. Leia a seguir trechos da entrevista concedida na sede da Vale, no centro do Rio de Janeiro.

FOLHA - Como o sr. vê o Brasil daqui a 20 anos?
ROGER AGNELLI - O Brasil nunca esteve tão consciente dos seus problemas, da sua realidade e do seu potencial como hoje. A educação é a prioridade número 1 do país. O Brasil é muito sensível às questões sensíveis nos países desenvolvidos: a social e a ambiental. Estamos à frente de outros que têm o mesmo estágio de desenvolvimento ao priorizar essas questões. Se fizermos a lição de casa, investirmos pesado em educação e em infra-estrutura, vejo um país com um futuro brilhante. Já estamos num ciclo positivo de desenvolvimento. Viajo mundo afora e vejo que a sociedade brasileira está muito madura para dar um grande salto de qualidade. Há hoje consciência econômica de que inflação é ruim. Há preocupação em resolver a questão da segurança, que se trata também com educação e com crescimento. A inclusão social é importante ao desenvolvimento. Estamos entrando no capitalismo numa nova fase, a das grandes empresas dispostas a obedecer às regras internacionais. Para competir internacionalmente, essas empresas têm de se enquadrar dentro de padrões de gestão, de transparência, de ética. Ao mesmo tempo, grandes empresas familiares têm o seu controle acionário pulverizado. Empresas nesse estágio se diferenciam das estritamente familiares.

FOLHA - E os problemas? O sr. mesmo já reclamou da insegurança energética, licenças ambientais que demoram, falta de mão-de-obra.
AGNELLI - Dez anos atrás a Vale foi uma das primeiras empresas do Brasil a se jogar para o mercado internacional, a acelerar o seu crescimento. O crescimento alerta para carências. Uma empresa só cresce com pessoas, se houver uma criação constante de talentos. Uma empresa de mineração sem infra-estrutra -energia, porto, estrada- não vai a lugar nenhum. Eram problemas que não vinham à tona porque o país não estava crescendo. Vivo no dia-a-dia, na dianteira, problemas e carências porque a empresa cresce fortemente.

FOLHA - O presidente costuma dizer que a Vale devolve pouco ao Brasil na comparação com o que extrai, que tem de investir mais no país.
AGNELLI - O presidente tem uma posição privilegiada. E pode sem dúvida cobrar que a iniciativa privada faça mais. Se ele tem uma cabeça desenvolvimentista, ela cobra mais. Isso é extraordinariamente positivo, desafiador. Por outro lado, nunca se negou a resolver nenhum problema e a abrir portas para que a Vale possa crescer cada vez mais no país e no mundo. O Itamaraty e o presidente têm nos ajudado, nas relações internacionais, a enxergar oportunidades. Começamos a trabalhar em Moçambique a partir de uma viagem do presidente. Lá, ele disse: "Moçambique tem carvão. Vocês não têm interesse em carvão?". Ele cobra, mas ajuda. No Peru, ele nos ajudou com o [então] presidente [Alejandro] Toledo.

FOLHA - A produção de alumínio no Brasil hoje é inviável?
AGNELLI - Na cadeia de alumínio, temos uma reserva de bauxita gigantesca, é uma das melhores e maiores reservas do mundo. E a Vale detém boa parte dessas reservas. O preço de venda da bauxita é US$ 30. Quando vai para alumina, que é a fase seguinte da produção de alumínio, você vende por US$ 500. Quando vai para o alumínio, US$ 3.000. Aí tem um problema. Há uma questão de "timing" do crescimento do país, que precisa de mais energia. Tem de ter energia para tocar um projeto na área de alumínio. Hoje não dá, porque não tem energia suficiente. Esses problemas surgem quando o país e a empresa estão crescendo. Nos últimos cinco anos, inauguramos oito hidrelétricas. Estamos querendo construir uma térmica. Estamos construindo uma nova hidrelétrica, no Maranhão. Temos interesse em Belo Monte. Isso dependerá de o governo colocá-la em licitação.

FOLHA - O sr. vê risco de faltar energia no médio prazo, até 2012, 2013?
AGNELLI - Temos de analisar energia em duas vertentes. A vertente da oferta está justa. Não vejo risco de faltar. Mas tem uma outra vertente que é o custo de energia, que está alto no Brasil. Não se resolve isso no curtíssimo prazo.

FOLHA - O negócio com a Xstrata não deu certo. A Vale fez uma captação de US$ 12 bilhões, e o sr. disse que a prioridade seria fazer pequenas aquisições.
AGNELLI - As prioridades mudam. A prioridade da Vale é crescer organizadamente. Não há nenhuma empresa de mineração no mundo com o potencial de crescimento que tem a Vale. Nenhuma empresa tem uma base de ativos e uma área de exploração tão fortes.

FOLHA - Analistas dizem que a Vale precisa diversificar, não ficar tão centrada no minério de ferro e no níquel. Dizem que cobre seria a terceira perna. É por aí?
AGNELLI - O potencial de crescimento em cobre, de crescimento orgânico, é muito forte. O potencial em carvão, também crescimento orgânico, é muito forte na África, na Austrália, mesmo aqui na América Latina, no caso da Colômbia, onde a gente está fazendo pesquisas. Estamos furando para achar carvão e fazer a avaliação desses depósitos. No caso de minério de ferro, a Vale tem a posição de liderança forte e consolidada, com as maiores e melhores reservas de minério. No caso do níquel, temos as maiores e melhores reservas e somos os maiores produtores de níquel do planeta. Temos potencial de crescimento forte no alumínio, no qual temos uma base muito grande de bauxita. No alumínio em si, a restrição é a energia. No caso do cobre, as reservas no Brasil são relativamente limitadas. Outros países da América do Sul têm reservas com potencial, como o Chile, onde estamos abrindo uma nova mina. Tem a África, que é um mundo a ser explorado, a ser descoberto. E a gente está posicionado na África, buscando novos depósitos. Uma aquisição, só se for uma oportunidade.

FOLHA - O sr. concorda com a necessidade de diversificação?
AGNELLI - Tem um pouco de moda nisso. Em alguns momentos, quando o mercado está muito bom, todo mundo quer diversificar porque está com dinheiro no caixa. Quando o mercado está ruim, todo mundo quer ficar concentrado, focado, o chamado "core business". A gente tem de buscar algum equilíbrio. A Vale é uma mineradora. Vamos crescer em cobre, em carvão. Se aparecer oportunidades, vamos analisar. O que a gente tem de ter é juízo. Os ativos hoje têm em seus preços uma expectativa de um ciclo longo de commodities. Acreditamos que essa ainda é uma tendência. Os mercados continuam ainda muito fortes. O mundo precisa cada vez mais de recursos naturais. A conta que tem de ser é: qual é a forma com a qual você cria mais valor para o seu organismo? Na nossa conta, através do crescimento orgânico. O crescimento orgânico da Vale vai gerar muito mais retorno do que uma aquisição a preços de hoje dos ativos. O mundo está passando, num horizonte de curto prazo, por uma crise financeira. Hoje, se alavancar, captar recursos no mercado, ficou mais caro. E estão mais escassos. Isso penaliza o retorno para o acionista. É uma fase com muito mais disciplina e cautela. Não é crescer por crescer. É crescer com qualidade. Ativos mineiros são a base da indústria. Você só é uma grande mineradora se você tiver grandes ativos.

FOLHA - As ações da Vale podem fechar em queda neste ano após anos de fortes altas. O que dizer aos acionistas?
AGNELLI - No mercado de ações, tem de ter visão de longo prazo. No longo prazo, não tenho dúvida. No curto prazo, sobe, cai. Ninguém vai acertar na loteria. Comprar ações como quem vai jogar na loteria está errado. Tem de olhar os fundamentos da empresa. Os da Vale são muito sólidos. Hoje, há uma crise no mercado financeiro, que está se ajustando. Hoje, o risco é maior do que era há dez meses. Isso não significa que daqui a dez meses vá estar maior. Pode ser que esteja menor do que hoje.

FOLHA - E as commodities?
AGNELLI - O ciclo das commodities será longo. Vários países estão crescendo, vão continuar crescendo e têm de investir pesadamente em infra-estrutura. Esses investimentos exigem muito minério de ferro, cobre, alumínio, níquel, requerem tudo. No caso de grandes descobertas de petróleo em alto-mar, o uso do níquel é necessário porque é um metal não-corrosivo. Muitas plataformas estão sendo construídas, muitos prédios estão sendo construídos. Nunca o mundo passou por um momento como este.

FOLHA - O sr. está parecendo o Lula, com essa história de nunca antes...
AGNELLI - [Rindo] Estou fazendo um plágio, mas é verdade. O número de pessoas que estavam fora e que estão entrando é brutal. O mundo sempre esteve dividido entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. A demanda sempre esteve nos desenvolvidos, no Ocidente. Só que o Ocidente hoje está com população madura e tem um crescimento modesto. Olhe os Estados Unidos, a Europa. Onde está o dinheiro do mundo hoje? Está na Ásia. O caixa do mundo está na Ásia. Onde está o maior mercado consumidor mundial? Está na Ásia. E onde os mercados mais crescem? Na Ásia. Onde está a base de tecnologia hoje? Está espalhada, mas eu diria que Ásia tem uma grande concentração. Onde estão sendo construídas novas economias? Na Ásia. A China é um exemplo, a Índia pode ser um outro exemplo, o Oriente Médio, o Vietnã, a Indonésia. O crescimento desses países tem sido forte. O investimento em infra-estrutura deles tem feito com que consumam mais da metade das commodities do mundo inteiro. E o Brasil precisará de uma barbaridade de aço, de cobre, de aço inox.

FOLHA - A Vale enviou ao ministro Tarso Genro (Justiça) uma carta com restrições à indicação de Arthur Badin para presidir o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Por quê?
AGNELLI - Primeiro ponto. Se tem governo, tem de procurar apoiar. Se tem autoridade, tem de respeitar. Antes da indicação de quem quer que seja para presidir o Cade, o nosso julgamento é que o Cade é uma instituição de extrema relevância, de extrema importância para o país. O mundo tem passado por um processo muito rápido de concentração empresarial, o que precisa ser analisado com muita profundidade. O nível das pessoas no Cade tem de ser um nível muito elevado. Tem de ter quilômetros rodados. O Cade não é simplesmente uma questão de decidir o que fazer e o que não fazer. Ele julga. Uma pessoa para julgar tem de ter muitos quilômetros rodados. Nós nos manifestamos de forma muito aberta, antes de qualquer indicação. Não é nada contra a pessoa. Pelo contrário. É um ótimo profissional, mas a gente entende que para julgar é preciso mais base, mais experiência. Se ele for eleito presidente do Cade, vamos respeitar, apoiar.


Leia a continuação da entrevista em que Agnelli fala de política e de seus hábitos pessoais. www.folha.com.br/082511



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