São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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Abuso contra crianças mobiliza Catanduva

Promotoria entra na apuração de denúncias; famílias pressionam Justiça para investigar pessoas de alta renda na cidade

Integrantes da CPI da Pedofilia estarão na cidade na terça para acompanhar investigação de denúncias de violência sexual infantil

Jorge Araújo/ Folha Imagem
Policiais cumprem mandado de busca e apreensão em Catanduva

LAURA CAPRIGLIONE
ROBERTO MADUREIRA

ENVIADOS ESPECIAIS A CATANDUVA (SP)

"Ou prende os cachorros, ou mato todos eles", gritou a promotora Noemi Corrêa, do portão, para a professora Ivonete Juliana Brida Gonçalves, 58, que estava dentro da casa forrada de tijolinhos. Acompanhada por policiais militares, Corrêa tentava cumprir na última quarta-feira, a partir das 7h, mandado de prisão contra o médico Wagner Rodrigo Brida Gonçalves, 31, filho de Ivonete, acusado de abusar sexualmente de crianças naquele endereço nobre de Catanduva.
Os 21 mandados de busca e apreensão e os quatro de prisão temporária (decretados pela juíza da Vara da Infância e da Juventude Sueli Juarez Alonso) mobilizaram promotores do Grupo de Atuação Especial para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado, apoiados pelo Ministério Público de mais seis municípios. O trânsito foi interrompido em algumas das principais ruas da cidade de 120 mil habitantes, a 385 km de São Paulo. Na próxima terça, membros da CPI da Pedofilia irão a Catanduva.
R., mãe de uma menina de 9 anos, estava orgulhosa pela Operação Fênix (o nome da mobilização): "Chama Fênix porque a gente fez renascer das cinzas uma investigação que já estava morta", diz ela.
As supostas vítimas (cerca de 40), moradoras dos bairros Cidade Jardim e Jardim Alpino, na periferia de Catanduva, começaram a aparecer em dezembro. Descreviam cenas repugnantes de abuso sexual, violência, intimidação contra crianças entre 6 e 12 anos, de ambos os sexos. Indiciaram-se um borracheiro e seu sobrinho, ambos vizinhos das famílias atingidas. Caso encerrado. Os dois foram presos.
R., mãe de um casal de 6 e de 7 anos, diz que a prisão dos dois acusados teve o condão de "destravar" as vítimas, que começaram a descrever o que viveram: atos libidinosos, tortura física e psíquica, ameaças, atentado violento ao pudor. As crianças dizem que o borracheiro José Barra Nova de Mello, 46, dançava nu diante delas (sempre músicas da banda Calypso) e obrigava-as a assistir a filmes pornôs. Também ameaçava matar as famílias de todas elas, se denunciado.
Segundo as supostas vítimas, o homem atraía-as oferecendo balas, pipas, videogame, conserto de bicicletas, centavos.
R.A., mãe de um menino de 8 anos, diz que o filho voltou a urinar na cama, nunca mais quis dormir sozinho, passou a ter insônia, chora por tudo.
No dia 13 de fevereiro, o caso explodiu quando a promotora Noemi Corrêa colheu o depoimento de uma mãe, E., denunciando que sua filha de 10 anos, uma das possíveis vítimas do borracheiro, foi levada com duas amiguinhas para uma casa em um dos bairros mais valorizados de Catanduva, o Jardim do Bosque. Quem as teria levado: "Roberto", que seria filho de um médico [investigações posteriores apontam que "Roberto" seria o nome de guerra de Wagner Rodrigo Brida Gonçalves].
Duas meninas teriam sido trancadas em um dos quartos. A terceira foi levada pelo homem para outro quarto, onde se consumou o abuso sexual.
No mesmo dia 13, a mãe de outra menina apresentou-se à juíza da Vara da Infância e da Juventude de Catanduva, Sueli Juarez Alonso, contando a mesma história. As duas mulheres dizem que tentaram formalizar a denúncia contra o tal "Roberto", mas que a delegada da Delegacia da Mulher nada fez, apesar de informada, inclusive, do endereço onde teria ocorrido a agressão.
No dia 17 de fevereiro, uma passeata de mães cruzou a cidade. Pedia ajuda à juíza Sueli Alonso, famosa por outro caso de exploração sexual de crianças, na cidade de Porto Ferreira (228 km de São Paulo).
"Como um rolo compressor", diz um desafeto, a juíza instaurou novo inquérito, destinado a investigar a participação de outras pessoas na suposta rede de pedófilos. Uma nova promotora foi designada para acompanhar o caso e "re-ouvir" os testemunhos. A Polícia Civil foi colocada informalmente para fora da investigação.
"As crianças precisam ser protegidas e eu até entendo a revolta das mães. Mas será que essas trapalhadas todas nas investigações não estão levando a que se puna por punir? A injustiças, como aquelas que vimos na Escola de Base?", perguntou um homem cuja casa também foi alvo de mandado de busca e apreensão na última quarta-feira. Ele referia-se ao mais rumoroso caso de falsa denúncia de abuso sexual contra crianças, de 1994, cujo inquérito foi encerrado por absoluta falta de provas contra os acusados.



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