São Paulo, sábado, 31 de julho de 2010

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EUA testam célula de embrião em pessoa

Após atraso de um ano e meio por preocupações com segurança, empresa recebe aval do governo para 1º teste

Pacientes com lesões paralisantes na coluna receberão célula-tronco que restaura fiação dos nervos da medula

Mauricio Lima/France Presse
Pesquisador manipula colônias de células-tronco embrionárias humanas em laboratório do Hospital do Coração (SP)

REINALDO JOSÉ LOPES
DE SÃO PAULO
SABINE RIGHETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O potencial terapêutico das células-tronco embrionárias finalmente começará a ser testado em seres humanos. Cientistas americanos vão usá-las para reconstruir a medula espinhal de pessoas paralisadas por lesões recentes na coluna.
Cerca de dez pacientes paraplégicos, que tenham sofrido o acidente causador da paralisia menos de 15 dias antes do teste clínico, vão receber as células. O anúncio foi feito ontem pela empresa americana Geron, que recebeu permissão para o ensaio da FDA, órgão que regula fármacos e alimentos nos EUA.
Thomas Okarma, presidente da Geron, disse que o recrutamento de pacientes deve começar em um mês.

NOVELA
O anúncio parece ter posto fim a uma novela que se arrastava desde agosto de 2009. Isso porque a Geron já havia recebido permissão da FDA para o teste em janeiro do ano passado, mas teve de parar quando a agência questionou a empresa sobre cistos no organismo de camundongos usados nas pesquisas preliminares.
"Eles tinham apresentado os dados deles aqui no Brasil, na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]", conta Antonio Carlos Campos de Carvalho, do Instituto Nacional de Cardiologia (RJ).
Em tese, a chave para refazer a medula recém-lesada é inserir nela oligodendrócitos, células que ajudam a montar a "fiação" dos nervos. É como se esses "fios" estivessem cortados na pessoa que sofreu a lesão.
Os oligodendrócitos seriam capazes de reparar a ligação entre os nervos e fazer com que os sinais nervosos voltassem a passar pela medula, o que levaria a pessoa a recuperar os movimentos.
O truque, portanto, é pegar as células-tronco embrionárias -capazes de se transformar em qualquer tecido do organismo- e transformá-las em oligodendrócitos. Segundo Carvalho, a Geron mostrou ser capaz de selecionar as células transformadas, de forma que mais de 95% das que vão para o paciente são mesmo oligodendrócitos -o tipo certo.
O problema, no entanto, é que entre 3% e 4% das células podiam ficar num estado indefinido, provavelmente o responsável pelos cistos. Agora, a Geron afirma ter melhorado seu procedimento de purificação, de forma que praticamente nenhuma célula "errada" escapasse.

TRIAGEM DIFÍCIL
"Na verdade, é muito difícil de conseguir isso. O fato é que eu não gostaria de ser um dos pacientes que vão testar o procedimento", diz Carvalho, apontando os riscos do experimento.
"Esse primeiro estudo vai servir para avaliar a segurança das células-tronco, ou seja, se as células ficarão no organismo, se não formarão tumores. Se houver melhora ótimo, mas não é essa a expectativa agora", diz Mayana Zatz, especialista em células-tronco da USP.
"Mesmo assim, vai ser possível medir se há alguma volta da sensibilidade dos pacientes, por exemplo", pondera Stevens Rehen, que trabalha com células-tronco embrionárias na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Rehen conta que o diretor da Geron explicou a ele uma precaução extra.
"As células só vão ser injetadas em lesões do tronco para baixo. Assim, é muito baixo o risco de que algumas migrem para o cérebro e causem tumores."
O anúncio fez com que as ações da Geron subissem 17% ontem, depois de uma queda de 35% em um ano.


Com agências internacionais


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