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ENTREVISTA MARTIN CHALFIE
Pressão por pesquisa
aplicada estrangula a
ciência, afirma Nobel
Marisa Cauduro/Folhapress
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DESCOBRIDOR DO MÉTODO DE MARCAR CÉLULAS COM PROTEÍNA DE ÁGUA-VIVA CRITICA POLÍTICA CIENTÍFICA DOS EUA E FAZ APELO POR FINANCIAMENTO FLEXÍVEL
RAFAEL GARCIA
DE SÃO PAULO
O biólogo Martin Chalfie,
Prêmio Nobel de Química de
2008, chegou ontem a Águas
de Lindoia (SP) trazendo um
alerta: a pressão para que toda pesquisa ganhe alguma
utilidade está minando o financiamento à produção de
conhecimento puro, matéria-prima da ciência.
Atraído à reunião da Sociedade Brasileira de Química,
em parte, por gostar de música brasileira e ser fã de Jorge
Amado, Chalfie criticou a política científica dos EUA para
exemplificar sua posição.
Mal sabia que a comunidade científica do Brasil discute
agora o mesmo problema.
Nos EUA, nenhuma coleção científica acabou incendiada por falta de abrigo adequado, como aconteceu com
as cobras do Instituto Butantan, em São Paulo. A esperança de que a atenção à
ciência básica ganhasse mais
destaque após o fim da era
Bush, porém, ainda não se
traduziu, diz o cientista.
Chalfie ganhou o Nobel,
em conjunto com Osamu Shimamura e Roger Tsien, por
descobrir como usar a GFP,
uma proteína luminescente
de águas-vivas, para marcar
a ativação de genes.
Em entrevista à Folha, ele
explica por que não imaginava de cara que sua técnica ganharia tantas aplicações,
mas se entusiasmou com o
trabalho mesmo assim.
Folha - Qual é o assunto da
sua palestra aqui?
Martin Chalfie - O Título da
palestra é "GFP iluminando a
vida". O subtítulo, que não
contei a ninguém ainda, é
"Aventuras em ciência não-translacional". Essa é uma
expressão que inventei, então vou explicar. Há uma
pressão muito grande para
justificar a pesquisa científica com supostas implicações
imediatas que ela pode trazer. Algumas pessoas têm defendido que deveria haver
muito mais pesquisas que
apliquem informação científica diretamente ao combate
a doenças. Em outras palavras: "traduzir" ["translate",
em inglês] aquilo que foi feito
no laboratório para a clínica.
O problema é que a maioria das pessoas que eu vejo
defenderem isso querem que
absolutamente tudo seja
translacional. Agora, se você
não tem informação básica
para traduzir, não sobra nada para fazer.
Minha apresentação é, em
parte, um apelo para que não
esqueçamos o fato de que,
para quase tudo o que sabemos sobre medicina, há uma
sustentação de ciência básica que é muito importante.
A política científica americana está esquecendo a ciência
básica, então.
Acho que há alguns erros.
Quando as pessoas pressionam pela pesquisa translacional, às vezes elas assumem que nós já aprendemos
o suficiente. Para mim e para
a maioria dos meus colegas,
porém, isso é uma falácia.
Quero mostrar como uma
coisa maravilhosa [a GFP] foi
encontrada acidentalmente
por alguém pesquisando
questões básicas sobre
águas-vivas, e como ela teve
implicações e se tornou útil
para estudar doenças e para
desenvolver biotecnologia.
Além disso, muitas pessoas pressupõem que pesquisadores de ciência básica
não pensam nas implicações
do que fazem. Isso é falso.
Acho irônico que nos EUA
haja esse apelo por pesquisa
translacional, e pelo que vejo, quando treinamos pessoas nas faculdades de medicina, a quantidade que eles
aprendem do básico está encolhendo. Ao mesmo tempo,
querem que a ciência básica
seja aplicada ao combate a
doenças. É uma contradição.
Quando o pacote de estímulos do governo Obama foi
lançado nos EUA, os NIH
[Institutos Nacionais de Saúde] receberam um bocado de
dinheiro. A primeira coisa
que fizeram com parte desse
dinheiro foi abrir uma disputa pelas chamadas "Challenge Grants" [bolsas desafio].
Essas bolsas eram maravilhosas e cobriam cem diferentes tópicos. O problema é
que, das cem áreas que eles
escolheram, apenas duas
não eram translacionais.
Eu não sou contra pesquisa aplicada, mas não acho
que ela deva suplantar a
ciência básica numa escala
de 92 contra 2.
Uma coisa inusitada sobre
seu trabalho que lhe rendeu o
Nobel é que ele não é sua linha de pesquisa principal.
É estranho receber o reconhecimento por algo que era
uma parte relativamente pequena da minha carreira. De
vez em quando ainda faço algo sobre GFP, mas é mesmo
um trilho secundário. No
nosso laboratório, estávamos tentando descobrir
quais células estão ativando
os genes nos quais estávamos interessados e, quando
ouvi falar da GFP, me dei
conta que elas poderiam ser
uma maneira maravilhosa de
fazer esses experimentos.
A maneira como a maioria
dos cientistas trabalha é a seguinte: eu tenho uma ideia e
vou atrás dela. Mas, se no
meio dos experimentos, algo
diferente aparece, eu vou seguir aquela pista.
Quando recebemos verbas, o que temos não é um
contrato, é uma bolsa.
Em um contrato, prometemos fazer A, B, C, e temos de
fazer. Minha visão sobre como bolsas devem ser é dizer:
"neste momento, acredito
que a resposta para essa
questão seja fazer A, B e C".
Mas se eu fizer A, e descobrir depois disso que é mais
importante fazer D e E em vez
de B e C, o financiamento
precisa lhe conceder a liberdade de seguir suas ideias.
Se eu tivesse a ideia de
usar a GFP como marcador e
tivesse de ter escrito um contrato para obter uma verba,
eu teria levado nove meses,
reclamariam que eu não tinha dados preliminares e
não saberia se iria funcionar.
Mas nós nunca tivemos de
escrever um pedido de verba
para obter o financiamento
que usamos para produzir a
GFP. Ela era parte da verba
geral dos NIH que eu tinha
para meu laboratório, e eles
ficaram muito felizes de eu
ter feito esse trabalho.
Douglas Prasher, seu colega
que isolou o gene da proteína
GFP, não ganhou o Nobel,
abandonou a ciência e vive
como motorista de vans hoje.
Vocês chegaram a conversar
depois do prêmio?
Ele foi um dos meus convidados na entrega do prêmio.
Eu acho que ele poderia, sim,
ter sido incluído na lista do
prêmio, e o fato de ele ter
abandonado a ciência depois
é irrelevante. O problema, na
verdade, é a regra de que cada Nobel só pode ser entregue a no máximo três pessoas. Eles tiveram de discutir
a quem dar o prêmio e escolheram eu, Tsien e Shimomura. Agora, Douglas realmente
fez a peça chave do projeto.
Além disso, é preciso olhar
as razões pelas quais Douglas saiu da ciência. Antes do
meu estudo sobre a GFP, o
campo de estudos da bioluminescência não era muito
grande. Era difícil conseguir
dinheiro para essas pesquisas e, quando Douglas saiu
do pós-doutorado, não tinha
como se sustentar como pesquisador independente.
Depois disso, ele se mudou para o Alabama para trabalhar na Nasa. Ele estava fazendo ótimas pesquisas lá,
mas no começo da administração Bush o presidente disse que mudaria a ênfase das
pesquisas para mandar astronautas de volta à Lua.
Muitas linhas de pesquisa foram encerradas imediatamente para que os cientistas
pudessem ter tempo para
atender à vontade do presidente. Algumas pessoas perderam seus empregos, e creio
que Douglas Prasher tenha
sido uma delas.
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